Projecto de Lei

Projecto de Lei n.º 469/X - Estatuto dos Deputados e Regime Jurídico de Incompatibilidades

Altera o Estatuto dos Deputados e o Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos

Para pesquisar a situação: clique aqui

Preâmbulo

O combate à progressiva subordinação do poder político ao poder económico, que ao arrepio da Constituição se acentua de forma drástica com sucessivos Governos de vários partidos é hoje uma batalha fundamental na defesa da democracia e do interesse público nacional. A visível e inquestionável existência de situações que configuram evidentes favorecimentos dos interesses privados, designadamente de grandes grupos económicos, constitui hoje uma das mais profundas e legítimas causas do descrédito dos partidos que as praticam perante a população. A escandalosa frequência da passagem de ex-governantes para empresas e grupos económicos que foram favorecidos com as suas decisões enquanto responsáveis políticos é legitimamente entendida pela generalidade do povo português como uma recompensa em função de acções anteriores no Governo. O mesmo se pode passar em altos cargos públicos e em empresas com participação ou domínio do Estado.

Por outro lado, e em relação aos cargos políticos que admitem situações de não exclusividade, maxime os Deputados, importa lembrar que, apesar disso, o mandato parlamentar deve ser a actividade principal daqueles que para isso são eleitos e não uma ocupação secundária ou instrumental de outras prioridades ou interesses.

Está à vista de todos que o regime legal que regula estas matérias padece de insuficiências ou lacunas aproveitadas pelos que querem manter situações de promiscuidade ou confusão de interesses. É certo que nenhuma lei, por mais perfeita que seja, conseguirá evitar situações indesejáveis se os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos não se pautarem por elevados padrões éticos no exercício das suas funções. Mas ainda assim a Assembleia da República não deve abdicar de aperfeiçoar até ao limite do possível o regime legal em vigor.

A promiscuidade entre funções públicas e negócios privados continua a ser uma das principais razões para o descrédito da actividade política e em concreto do Parlamento. A frequência com que situações deste tipo continuam a verificar-se comprova que, tal como o PCP tem vindo a afirmar, se justifica a alteração das regras de incompatibilidades e impedimentos que integram o Estatuto dos Deputados, bem como das regras aplicáveis aos restantes cargos políticos e a altos cargos públicos.

As regras sobre impedimentos e incompatibilidades são um aspecto central do Estatuto dos Deputados, constituindo um alicerce fundamental da sua independência no exercício do mandato e da soberania da Assembleia da República. Hoje em dia estas regras têm igualmente enorme relevância na limitação de situações de promiscuidade, quer entre as entidades públicas e os Deputados, quer entre negócios públicos e privados.

O PCP retoma e aperfeiçoa um projecto que visa resolver alguns dos mais graves problemas que a aplicação destas regras tem suscitado, quer por dificuldades criadas pela redacção da lei, quer pelas interpretações perversas entretanto impostas, no sentido de restringir fortemente o alcance dos impedimentos previstos no Estatuto.

Por outro lado, verificam-se na esfera das empresas com capitais públicos situações de passagem de gestores públicos nomeados pelo Estado para empresas concorrentes, ou de renomeação para as mesmas empresas por entidades privadas, que constituem, para além de uma inaceitável situação de promiscuidade, um total desrespeito pela defesa do interesse público por exemplo no que toca a informações estratégicas e reservadas de cada empresa.

No momento em que outras forças políticas, designadamente os partidos que têm alternado no Governo nas últimas décadas, apesar de discursos veementes nesta matéria, não promovem as alterações necessárias à lei; num momento em que também, numa matéria intimamente ligada ao comportamento no exercício de cargos públicos, a corrupção, a Assembleia da República acabou de aprovar uma alteração inaceitavelmente minimalista da legislação, o PCP avança novamente com um projecto no sentido de corrigir e melhorar o regime legal em vigor.

Assim avançamos com o presente projecto de lei, de alteração ao Estatuto dos Deputados e ao regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.

As principais alterações deste projecto são:

- A inclusão dos membros da Casa Civil do Presidente da República na lista das incompatibilidades e pela mesma ordem de razões da limitação já prevista para aqueles que integrem gabinetes ministeriais;

- O alargamento da incompatibilidade já existente no que toca à presença em conselhos de gestão de empresas públicas ou maioritariamente públicas a todas aquelas em que o Estado detenha parte do capital, mesmo que accionista minoritário;

- Da mesma forma em matéria de impedimentos a extensão das limitações já existentes para empresas maioritariamente públicas a todas aquelas em que o Estado detenha parte do capital;

- A clarificação de que são abrangidas pelos impedimentos, nas situações descritas, as actividades ou actos económicos de qualquer tipo, mesmo que no exercício de actividade profissional e que o que é relevante são os actos praticados e não a natureza jurídica da entidade que os pratica, de forma a incluir inequivocamente as sociedades de advogados (que têm natureza civil);

- A inclusão das situações de união de facto a par das conjugais;

- A clarificação de que pode haver participação relevante na entidade contratante, mesmo sem a titularidade de 10% do capital;

- A inclusão em matéria de impedimentos das situações em que, mesmo não tendo participação relevante na entidade contratante, o Deputado execute ou participe na execução do que foi contratado;

- A clarificação da proibição de serviço a Estados estrangeiros;

- O aumento do período de impedimento de exercício de actividades privadas após exercício de funções públicas para cinco anos e o alargamento desta regra aos titulares de altos cargos públicos, cujo âmbito também se alarga.

Nestes termos, os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:

ARTIGO 1º

ALTERAÇÕES AO ESTATUTO DOS DEPUTADOS

Os artigos 20º e 21º do Estatuto dos Deputados, aprovado pela Lei nº 73/93 de 1 de Março, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 24/95, de 18 de Agosto; nº 55/98, de 18 de Agosto; nº 8/99, de 10 de Fevereiro; nº 45/99, de 16 de Junho; nº 3/2001, de 23 de Fevereiro (Declaração de Rectificação nº 9/2001, publicada no Diário da República, I Série-A, nº 61, de 13 de Março), nº 24/2003, de 4 de Julho, 44/2006 de 25 de Agosto, e 45/2006 de 25 de Agosto, passam a ter a seguinte redacção:

Artigo 20º

Incompatibilidades

1- São incompatíveis com o exercício do mandato de Deputado à Assembleia da República os seguintes cargos ou funções:

2-

a)

b)

c)

d)

e)

f)

g) Presidente, vice-presidente ou substituto legal do presidente e vereador a tempo inteiro ou em regime de meio tempo das câmaras municipais;

            h)

            i)

            j)

            l) Membro da Casa Civil do Presidente da República

m) Alto cargo ou função internacional, se for impeditivo do exercício do mandato parlamentar, bem como funcionário de organização internacional ou de Estado estrangeiro;

            n) anterior m)

o) Membro da Entidade Reguladora para a Comunicação Social;

p) Membro dos órgãos sociais ou similares das empresas públicas, das empresas de capitais públicos ou participadas pelo Estado ou outras entidades públicas, de forma directa ou indirecta, ou de instituto público autónomo

3- (...)

4- (...)

Artigo 21º

Impedimentos

1- (...)

2- (...)

3- (...)

4- (...)

5- Sem prejuízo do disposto nos regimes de incompatibilidades e impedimentos previstos em lei especial, designadamente para o exercício de actividades profissionais, são ainda impeditivas do exercício do mandato de Deputado à Assembleia da República:

a) A titularidade de membro de órgão de pessoa colectiva pública ou que se integre na administração institucional autónoma, de órgão de sociedades de capitais total ou parcialmente públicos, ou de sociedades que sejam ou integrem concessionários de serviços públicos, com excepção de órgão consultivo, científico ou pedagógico;

            b) (...)

            c) (...)

6- É igualmente vedado aos Deputados, em regime de acumulação, sem prejuízo do disposto em lei especial, no exercício de actividades económicas de qualquer tipo, ou na prática de actos económicos, comerciais ou profissionais, directa ou indirectamente, com o cônjuge não separado de pessoas e bens ou com pessoa com quem viva em união de facto, por si ou entidade em que detenha participação relevante, mesmo tendo natureza jurídica não comercial:

a) Celebrar contratos com o Estado e outras pessoas colectivas de direito público, sociedades de capitais total ou parcialmente públicos, sociedades em que haja detenção pelo Estado ou outras entidades públicas estaduais, de forma directa ou indirecta, da maioria do capital, ou dos direitos de voto ou do direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração e fiscalização, ou sociedades que sejam ou integrem concessionários de serviços públicos;

b) Participar em concursos de fornecimento de bens, de serviços, empreitadas ou concessões, abertos pelo Estado e outras pessoas colectivas de direito público, por sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos, sociedades em que haja detenção pelo Estado ou outras entidades públicas estaduais, de forma directa ou indirecta, da maioria do capital, ou dos direitos de voto ou do direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração e fiscalização, ou  sociedades que sejam ou integrem concessionários de serviços públicos.

7- Para os efeitos do número anterior, presume-se existir participação relevante, sem prejuízo de outras situações assim poderem ser consideradas pela comissão parlamentar competente:

a) sempre que o Deputado detenha pelo menos 10% do capital

b) sempre que exista possibilidade de intervenção nas decisões da entidade em causa, ou

c) quando das situações nele previstas em concreto resulte, ou venha a resultar, benefício significativo para o Deputado.

8- É igualmente vedada a acumulação de funções nas situações em que, mesmo não se verificando os requisitos previstos no corpo do nº 6, o Deputado desempenhe ele próprio ou tenha participação directa na execução em concreto da actividade ou do acto contratado nos termos previstos nas respectivas alíneas.

9- É ainda vedado aos Deputados, em regime de acumulação, sem prejuízo do disposto em lei especial:

            a) anterior alínea b) do nº 6

b) Patrocinar ou desempenhar funções ao serviço de Estados estrangeiros;

            c) anterior alínea d) do nº 6

            d) anterior alínea e) do nº 6

10- Anterior nº 7

11- Sem prejuízo da responsabilidade que ao caso couber, a infracção ao disposto nos nºs 4,5,6, 7, 8 e 9, com aplicação do disposto no número anterior, determina advertência e suspensão do mandato enquanto durar o vício, por período nunca inferior a 50 dias, e, bem assim, a obrigatoriedade de reposição da quantia correspondente à totalidade da remuneração que o titular aufira pelo exercício de funções públicas, desde o momento e enquanto ocorrer a situação de impedimento.

ARTIGO 2º

ALTERAÇÕES AO REGIME JURÍDICO DE INCOMPATIBILIDADES E IMPEDIMENTOS DOS TITULARES DE CARGOS POLÍTICOS E ALTOS CARGOS PÚBLICOS

Aos artigos 3º e 5º da Lei n.º 64/93 de 26 de Agosto, alterada pelas leis n.º 39/94 de 27 de Dezembro, n.º 28/95 de 18 de Abril, n.º 42/96 de 31 de Agosto e 12/98 de 24 de Fevereiro, passam a ter a seguinte redacção:

Artigo 3º

Titulares de altos cargos públicos

Para efeitos da presente lei, são considerados titulares de altos cargos públicos ou equiparados:

a) (...)

b) Gestor público e membro de conselho de administração de sociedade anónima de capitais total ou parcialmente públicos, designado por entidade pública, desde que exerçam funções executivas;

c) (...)

Artigo 5º

Regime aplicável após cessação de funções

1- Os titulares de órgãos de soberania e titulares de cargos políticos não podem exercer, pelo período de cinco anos contado da data da cessação das respectivas funções, cargos em empresas privadas que prossigam actividades no sector por eles directamente tutelado.

2- Os titulares de altos cargos públicos abrangidos pela actual lei nos termos do artigo 3º, não podem exercer, pelo período de cinco anos contado da data da cessação das respectivas funções, cargos em empresas privadas do mesmo sector, nem serem nomeados por entidades privadas para cargos nas empresas onde desempenharam funções por nomeação de entidade pública.

3- Exceptua-se do disposto nos números anterior o regresso à empresa ou actividade exercida à data da investidura no cargo.

 

Assembleia da República, em 28 de Fevereiro de 2008

 

  • Assembleia da República
  • Projectos de Lei