Projecto de Lei

Projecto de Lei n.º 452/X - Segredo de justiça

Altera o regime de segredo de justiça para defesa da investigação (Alteração ao Código de Processo Penal)

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Preâmbulo

 

A entrada em vigor das alterações ao Código de Processo Penal recentemente aprovadas em resultado do "Pacto para a Justiça" celebrado entre o PS e o PSD e votadas exclusivamente por estes dois Partidos, veio criar uma situação de enorme perturbação no sector da Justiça e revelou-se susceptível de criar algum alarme social. A tomada de consciência pública das consequências decorrentes de algumas opções tomadas, designadamente em matéria de segredo de Justiça, em prejuízo dos interesses da investigação de processos de maior complexidade, veio acentuar o sentimento de descrédito dos cidadãos no funcionamento da Justiça, e veio suscitar um forte repúdio social pela forma apressada e imponderada com que a Assembleia da República tomou decisões de tão graves consequências.

Na discussão e votação do Código de Processo Penal o PCP manifestou total oposição a algumas das alterações introduzidas, designadamente em matéria de segredo de Justiça, e alertou, em devido tempo e no local próprio, para a exiguidade do período de vacatio legis proposto e aprovado. Coerentemente, e com o objectivo de procurar limitar algumas das consequências negativas da entrada em vigor das alterações ao Código de Processo Penal, o Grupo Parlamentar do PCP propôs a suspensão da aplicação dessas alterações, para melhor ponderação, o que não foi aceite por parte dos partidos responsáveis pela respectiva aprovação.

Entretanto, a consciência das enormes dificuldades que o novo regime do segredo de justiça veio criar à investigação dos crimes de maior perigosidade e de maior complexidade, levou inclusivamente o Senhor Procurador Geral da República a dirigir-se ao Governo e à Assembleia da República procurando sensibilizar para a necessidade de corrigir alguns dos aspectos do regime aprovado por forma a minorar as dificuldades criadas à investigação criminal. O PCP compreende a justeza das questões suscitadas e entende que a Assembleia da República as deve ponderar cuidadosamente, e repudia vivamente a insensibilidade manifestada a esse propósito pelo Ministro da Justiça, ao afirmar que não tenciona propor qualquer alteração ao Código de Processo Penal.

O Grupo Parlamentar do PCP considera que os graves erros cometidos devem ser corrigidos de imediato, e nesse sentido, tendo em consideração a reflexão feita pelo Procurador Geral da República e as propostas constantes do Projecto de Lei do PCP de revisão do Código de Processo Penal, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta algumas propostas de correcção desse Código, que visam dois objectivos fundamentais.

Em primeiro lugar, estabelecer de um regime de segredo de justiça que defenda a eficácia da investigação, garantindo o respeito pelo direito dos sujeitos processuais à informação. Assim, estabelece-se a regra de sujeição do processo a segredo de justiça durante a fase de inquérito e de instrução, fixando-se a publicidade somente a partir da decisão instrutória ou do momento em que a instrução já não puder ser requerida. A regra da sujeição a segredo de justiça nessas fases iniciais do processo pode ser afastada por decisão do juiz de instrução, exigindo-se sempre a concordância do Ministério Público.

Cria-se ainda um mecanismo de identificação de quem tem acesso aos autos como forma de dissuadir e combater eventuais violações do segredo de justiça.

Em segundo lugar, procura-se corrigir o regime demasiado rígido de prazos de duração máxima dos inquéritos que impede, na prática, o combate à criminalidade mais complexa e que coloca maiores dificuldades na investigação. Define-se a possibilidade de prorrogação dos prazos de duração máxima do inquérito quando imposta por razões de eficácia da investigação, eliminando-se a possibilidade de acesso aos autos uma vez decorridos os prazos máximos de duração do inquérito. Pretende-se com esta alteração evitar que os atrasos na investigação impostos por circunstâncias externas à condução do processo determinem a impossibilidade de combater a criminalidade mais complexa ou que envolve, por exemplo, a colaboração com entidades policiais de outros países.

Prevê-se ainda a eliminação da impossibilidade de publicação de conversações ou comunicações interceptadas no âmbito de um processo após a sentença de primeira instância. Com efeito, não se justifica que não possam ser divulgadas conversações ou comunicações que fundamentaram a decisão judicial e que apenas se encontram transcritas nos autos na medida em que foram consideradas relevantes para a prova pelo juiz de instrução.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1.º
Alteração

Os artigos 86.º, 88.º, 89.º e 276.º do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, alterado pelos Decretos-Lei nºs 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho, e 17/91, de 10 Janeiro, pela Lei nº 57/91, de 13 de Agosto, pelos Decretos-Lei nºs 423/91, de 30 de Outubro, 343/93, de 1 de Outubro, e 317/95, de 28 de Novembro, pelas Leis nºs 59/98, de 25 de Agosto, 3/99, de 13 de Janeiro, e 7/2000, de 27 de Maio, pelo Decreto-Lei nº 320-C/2000, de 15 de Dezembro, pelas Leis nºs 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 52/2003, de 22 de Agosto, pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro e pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, com as Declarações de Rectificação nºs 100-A/2007, de 26 de Outubro e 105/2007, de 9 de Novembro, passam a ter a seguinte redacção:

"Artigo 86.º
(...)

 

1 - O processo penal é, sob pena de nulidade, público a partir da decisão instrutória ou, se a instrução não tiver lugar, do momento em que já não pode ser requerida.

2 - O processo é público a partir do recebimento do requerimento a que se refere o artigo 287.º, n.º 1, alínea a), se a instrução for requerida apenas pelo arguido e este, no requerimento, não declarar que se opõe à publicidade.

3 - O juiz de instrução pode, mediante requerimento do arguido, do assistente ou do ofendido e com a concordância do Ministério Público, determinar a não sujeição a segredo de justiça, durante a fase de inquérito.

4 - (actual n.º 6).

5 - (actual n.º 7).

6 - O segredo de justiça vincula todos os sujeitos e participantes processuais, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo e conhecimento de elementos a ele pertencentes, e implica as proibições de:

a) Assistência à prática ou tomada de conhecimento do conteúdo de acto processual a que não tenham o direito ou o dever de assistir;

b) Divulgação da ocorrência de acto processual ou dos seus termos, independentemente do motivo que presidir a tal divulgação.

7 - (actual n.º 9).

8 - As pessoas referidas no número anterior são identificadas no processo, com indicação do acto ou documento de cujo conteúdo tomam conhecimento e ficam, em todo o caso, vinculadas pelo segredo de justiça.

9 - Da decisão prevista no n.º 7 cabe, consoante os casos, reclamação hierárquica ou recurso.

10 - (actual n.º 11).

11 - (actual n.º 12).

12 - (actual n.º 13).

Artigo 88.º
(...)

1 - (...).

2 - (...).

3 - (...).

4 - (eliminar)

Artigo 89.º
(...)

1 - Para além da entidade que dirigir o processo, do Ministério Público e daqueles que nele intervierem como auxiliares, o arguido, o assistente e as partes civis podem ter acesso a auto, para consulta, na secretaria ou noutro local onde estiver a ser realizada qualquer diligência, bem como obter cópias, extractos e certidões autorizados por despacho, ou independentemente dele para efeito de prepararem a acusação e a defesa dentro dos prazos para tal estipulados pela lei.

2 - Se, porém, o Ministério Público não tiver ainda deduzido acusação ou proferido despacho de arquivamento do inquérito, o arguido, o assistente, se o procedimento criminal não depender de acusação particular, e as partes civis, só podem ter acesso a auto na parte respeitante a declarações prestadas e a requerimentos e memoriais por eles apresentados, bem como a diligências de prova a que pudessem assistir ou a questões incidentais em que devessem intervir, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do presente artigo, no n.º 9 do artigo 86.º e no n.º 4 do artigo 194.º.

3 - Para o efeito previsto no número anterior, as partes referidas do auto ficam avulsas na secretaria, por fotocópia, pelo prazo de três dias, sem prejuízo do andamento do processo, mantendo-se o dever de guardar segredo de justiça para todos.

4 - Pode, todavia, o juiz, com a concordância do Ministério Público, do arguido e do assistente, permitir que o arguido e o assistente tenham acesso a todo o auto. O dever de guardar segredo de justiça persiste para todos.

5 - O juiz, a requerimento do arguido e ouvido o Ministério Público, permite ao seu defensor, durante o prazo para a interposição do recurso, a consulta das peças processuais cuja ponderação tenha sido determinante para a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, salvo se, ponderados os interesses envolvidos, considerar que da sua consulta resulta prejuízo para o inquérito ou perigo para os ofendidos.

6 - As pessoas mencionadas no n.º 1 têm, relativamente a processos findos, àqueles em que não puder ou já não puder ter lugar a instrução e àqueles em que tiver havido já decisão instrutória, direito a examiná-los gratuitamente fora da secretaria, desde que o requeiram à autoridade judiciária competente e esta, fixando o prazo para tal, autorize a confiança do processo.

7 - São correspondentemente aplicáveis às situações previstas no número anterior as disposições da lei do processo civil respeitantes à falta de restituição do processo dentro do prazo; sendo a falta da responsabilidade do Ministério Público, a ocorrência é comunicada ao superior hierárquico.

Artigo 276.º
(...)

1 - (...).

2 - (...).

3 - (...).

4 - (eliminar)

5 - Sempre que tiver conhecimento de que os prazos referidos nos números anteriores foram excedidos, o Procurador-Geral da República ou o responsável hierárquico com poderes por aquele delegados pode mandar avocar o inquérito e, se razões de eficácia da investigação o impuserem, prorrogar excepcionalmente o prazo.

6 - Os prazos de duração máxima do inquérito são notificados ao arguido e ao seu defensor e ao advogado do assistente."

 

Artigo 2.º
Entrada em vigor

As alterações introduzidas pela presente Lei entram em vigor sessenta dias após a publicação em Diário da República.

 

Assembleia da República, em 23 de Janeiro de 2008

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