Senhor Presidente, Senhores Deputados:
Está demonstrado que as autarquias locais têm uma particular propensão para o investimento e que os dinheiros públicos rendem mais, em muito casos, nas mãos do Poder Local.
Está demonstrado que há vários partidos que se empenham no reforço da capacidade financeira das autarquias quando estão na oposição e acham que todas as transferências de verbas para as autarquias são excessivas quando estão no Governo.
Tudo isso é sabido. Mas recusar-nos-emos a entrar numa guerra de acusações recíprocas, que deixe em segundo plano o que interessa ao Poder Local e aos povos por esse País fora: que saia daqui uma lei justa, e sobretudo uma lei para cumprir.
A Lei nº 1/87, a lei de finanças locais actualmente em vigor, foi aprovada por unanimidade, após um trabalho de estreita cooperação entre deputados e eleitos dos órgãos de poder local. A questão que se colocou foi não ter sido cumprida em anos sucessivos. A violação da lei foi mesmo questionada no Tribunal Constitucional que, infelizmente, entendeu (sem razão) que a LFL não tinha a natureza de lei de valor reforçado.
A elaboração de uma nova lei de finanças para as autarquias esteve a ser preparada ao longo de muitos meses entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios, sem produção de qualquer resultado visível até ao momento.
Na situação que está criada, julgamos que a elaboração da lei deve decorrer nesta Assembleia da República, em estreita cooperação com os eleitos autárquicos. É nesse sentido que deve ser entendida a nossa disponibilidade e abertura face a outros projectos de lei que consideramos que contêm algumas propostas desequilibradas e com as quais não concordamos. Mas esperamos de todos a mesma abertura que nós próprios teremos para trabalhar na especialidade, de modo a encontrar soluções a contento de todos.
A elaboração da lei deve constituir numa oportunidade para adoptar um regime que rompa decisivamente com a actual desproporção na partilha de recursos do Estado e que se traduza num reforço significativo e substancial dos meios financeiros postos à disposição do Poder Local.
Este é um dos objectivos principais prosseguidos pela iniciativa do PCP.
A sua concretização exige a adopção das disposições que lhe correspondam em matérias como a definição de montante, mecanismos de progressão das receitas, formas de distribuição e que garantam simultaneamente a sua estabilidade.
Queremosa de entre todas destacar as seguintes propostas:
1º A definição de um regime financeiro assente em duas componentes essenciais: Um Fundo de Equilíbrio Financeiro que mantenha e reforce o seu carácter redistribuitivo e uma participação mais alargada na partilha dos impostos nacionais.
A elevação do factor compensação fiscal a componente autónoma do FEF até agora apenas um dos critérios, entre os restantes, de distribuição do FEF, bem como o acesso exclusivo dos municípios de menor dimensão (e portanto mais dependentes das transferências do FEF) assegura o objectivo redistribuitivo e de coesão nacional. Simultaneamente, a participação directa dos municípios nas receitas do IRS cobrado nas áreas respectivas permite reforçar os meios financeiros postos à disposição dos municípios, designadamente os de maior dimensão, compensando assim a redução proporcional da sua participação no FEF decorrente da acentuação do seu carácter redistributivo.
2º A afectação aos municípios de um montante de verbas que visa repor um nível de meios financeiros que corresponde ao que teria resultado da aplicação da lei em vigor. Os montantes que resultam do presente projecto visam, assim, devolver aos municípios a capacidade financeira perdida por sucessivos incumprimentos e subavaliações da lei 1/87. A ter sido cumprida a lei, o valor do FEF para 1998 e o valor para contratos-programa, traduzir-se-ia num montante superior a 370 milhões de contos a transferir para as autarquias. Entendemos que seria ilegítimo e condenável que o processo de elaboração de um novo regime de finanças locais se viesse a construir sobre os escombros de sucessivos incumprimentos do regime em vigor que, ao longo de anos, prejudicaram as autarquias.
3º A adopção de um novo critério de variação do FEF que garanta maior equidade na participação das receitas públicas e que o defenda de factores que acentuem a sua vulnerabilidade face a determinadas conjunturas económicas. É nesse sentido que na formula de cálculo da variação do FEF foi introduzida uma componente complementar àquela em que hoje se baseia essa variação e substituída a base de previsão por uma referência às cobranças efectivamente realizadas.
4º A opção por critérios simplificados, mais claros e transparentes para a distribuição do FEF por forma a assegurar uma mais correcta redistribuição dos recursos. Assim, e numa linha de retorno às soluções adoptadas em diplomas anteriores, procurou-se eliminar da distribuição de verbas pelos municípios alguns critérios cuja subjectividade conduziu, nos últimos anos, a profundas e injustas distorções na progressão das receitas provenientes do OE para os vários municípios.
5º O reforço da capacidade financeira das freguesias, traduzida não apenas no aumento substancial dos recursos postos à sua disposição, mas também através da autonomização plena dos mecanismos de transferência, que passam a ficar directamente dependentes do Orçamento de Estado. Com esta solução assegura-se uma mais plena autonomia das freguesias através do reforço dos seus recursos e da participação directa nas receitas do Estado indispensáveis à dignificação e reforço destes órgãos, garantindo à generalidade das freguesias uma dotação mínima capaz de corresponder às suas mais elementares responsabilidades e necessidades.
6º A consagração de disposições que impedem a transferência forçada e compulsiva de novos encargos para as autarquias, bem como a redução das suas receitas através do recurso à multiplicação de isenções sobre receitas das autarquias. Seria absurdo e pouco sério aproveitar o processo de criação de um novo regime de Finanças Locais para, ainda que aumentando os recursos financeiros das autarquias, impor uma transferência de responsabilidades que se traduzisse não na elevação da sua capacidade real de realização e investimento, mas um mecanismo de redução prática da sua capacidade financeira.
Daí que se proponha e defenda que as eventuais novas competências que venham a ser atribuídas aos municípios sejam objecto de mecanismos claros de avaliação a considerar adicionalmente.
A definição de um novo regime de finanças locais não pode ser vista como dependente e apenas possível em conexão com um novo regime de atribuições e competências, ainda por cima um se for um regime que vem afogar os municípios em encargos burocráticos que não significam uma real capacidade acrescida de intervenção social. Por essa forma poderia acabar-se por transformar as autarquias nas grandes vítimas dos critérios de convergência, ainda por cima proclamando-se que se está a «descentralizar».
Estariamos assim em pleno centro da versão portuguesa do neoliberalismo: entre nós, muitas vezes, não se afirmou que o sector público não deve intervir; afirmou-se antes que o Poder Local é que o deveria fazer, mesmo sem lhe garantir os correspondentes meios legais e financeiros.
Também não concordamos que se aprove no Conselho de Ministros um regime de atribuições e competências dos municípios e que se faça manchetes com essa notícia em órgãos de comunicação social, para só depois proclamar vontade de diálogo ou de parceria com as autarquias.
No estado em que as coisas estão, uma só decisão parece justa: transferir este processo para a Assembleia da República e procurar, em diálogo com as autarquias, o mais amplo consenso possível em torno do regime de finanças locais. Que queremos descentralizador. E para cumprir.
Em tudo isto, move-nos uma convicção profunda a favor da descentralização e não manobras eleitoralistas ou de ocasião. Apelamos a que outros façam o mesmo e compreendam que, ao tratarmos desta questão, estamos a abordar uma das áreas estruturantes do Poder Local e um dos esteios do próprio regime democrático.