Projecto de Lei

Projecto de Lei nº 295/X - Combate à Precariedade Laboral e ao Trabalho Ilegal

Institui o Programa Nacional de Combate à Precariedade Laboral e ao Trabalho Ilegal

 

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Preâmbulo

Os problemas da precariedade laboral, do trabalho ilegal, da violação dos direitos dos trabalhadores indissociáveis dos baixos salários e remunerações, de reduzidos níveis de qualificação e condições de trabalho degradadas são situações preocupantes que atingem os interesses, as aspirações, as condições de vida, a dignidade de milhões de trabalhadores e que ao mesmo tempo afectam o desenvolvimento e comprometem o futuro do país.

A realidade da precariedade laboral em Portugal nas suas várias expressões constitui um dos factores mais negativos no plano dos direitos, das condições de vida e do condicionamento do progresso do país.

Mais de 750 mil trabalhadores tinham no último trimestre de 2005 contratos não permanentes, representando 19,7% do total dos contratos, uma das taxas mais elevadas da União Europeia apenas superada pela Polónia e a Espanha. Não se trata na esmagadora maioria dos casos de necessidades pontuais ou actividades sazonais que justifiquem celebrar um contrato a termo certo, mas de postos de trabalho permanentes ocupados sucessivamente mês após mês, ano após ano por trabalhadores no ciclo contrato a termo, desemprego, contrato a termo, um processo de precariedade infernal para a vida dos trabalhadores que atinge particularmente os jovens. No primeiro trimestre de 2006 mais de 46% dos jovens com menos de 25 anos tinha contratos precários.

Acrescentam-se a proliferação das empresas de trabalho temporário, alugadoras de mão-de-obra, cuja actividade se alarga sem controlo e sem lei e as centenas de milhares de trabalhadores por conta de outrem, obrigados a recorrer aos falsos recibos verdes para poderem trabalhar.

Junta-se o aumento do trabalho a tempo parcial que abrange quase 570 mil trabalhadores. O trabalho a tempo parcial em Portugal não é uma opção voluntária de compatibilização da vida pessoal e familiar com a vida profissional, mas uma realidade que é imposta como única alternativa de trabalho e que afectando assim o nível das remunerações, empurra quem o pratica para outros trabalhos a tempo parcial e para o trabalho não declarado como forma de obtenção dum mínimo de meios de subsistência, com consequências no plano da sobrecarga horária, da dificuldade de qualificação, da produtividade do trabalho e das condições de segurança em que realizam as actividades profissionais.

A situação dos trabalhadores dos centros de contacto (Call Centers) é um exemplo da conjugação das várias formas de precariedade.

A realidade da precariedade laboral está associada ao grave problema do trabalho não declarado e ilegal. O trabalho não declarado e ilegal, incluindo o trabalho infantil, a exploração do trabalho imigrante com situações de autêntica escravatura e em geral o tráfico de mão de obra é uma realidade difícil de avaliar na sua verdadeira dimensão, tal como a economia subterrânea em que está inserido e que vários estudos situam entre 20 a 25% do PIB. Trata-se de um forte incentivo à precariedade, à baixa produtividade e à falta de formação, bem como uma forma de debilitar o financiamento da Segurança Social e de limitar as receitas do Estado.

A precariedade laboral reflecte-se de forma muito forte na Administração Pública com milhares de trabalhadores a recibos verdes e em muitas outras situações precárias ocupando postos de trabalho permanentes.

O trabalho precário significa saltar de actividade em actividade sem estímulo à formação e à qualificação, sem possibilidade de verdadeiras especializações. O trabalho precário não atinge apenas os trabalhadores com pouca formação, afecta profundamente os licenciados e outros trabalhadores qualificados. O trabalho precário, significa a permanente alternância entre períodos de emprego e períodos de desemprego, reduz a protecção no desemprego e cria sérios prejuízos nas carreiras contributivas que vão afectar as pensões de reforma dos trabalhadores.

A precariedade dos contratos de trabalho e dos vínculos, é a precariedade da família, é a precariedade da vida, mas é igualmente a precariedade da formação, das qualificações e da experiência profissional, é a precariedade do perfil produtivo e da produtividade do trabalho. A precariedade laboral é assim um factor de instabilidade e injustiça social e simultaneamente um factor de comprometimento do desenvolvimento do país.

A realidade do nosso país é marcada por graves violações dos direitos dos trabalhadores, por uma reduzida eficácia da Inspecção-Geral do Trabalho e pela ausência de uma justiça célere, com custas judiciais e da acção executiva a valores proibitivas e apoios judiciários irrisórios que impedem em muitos casos o próprio acesso à justiça.

A situação justifica o reforço de garantias legais com alterações legislativas de modo a permitir a efectiva aplicação dos princípios constitucionais sobre os direitos dos trabalhadores, que o PCP já propôs, designadamente com os projectos lei de revogação do Código do Trabalho e a sua substituição por outra legislação do trabalho. Entretanto o quadro de precariedade, arbitrariedade e violação de direitos que se verifica impõe além de alterações legislativas o reforço e aumento da eficácia de mecanismos de informação, fiscalização, punição dos infractores, bem como esquemas de apoio às vítimas das violações.

O combate à precariedade laboral e ao trabalho não declarado e ilegal deve constituir uma política do Estado, como constitui o combate ao trabalho infantil, que não tendo sido eliminado foi claramente reduzido.

Uma política de Estado que abranja as mais diversas áreas e estruturas, mas que aconselha e justifica a criação de um Programa Nacional de Combate à Precariedade e ao Trabalho Ilegal e de uma Comissão Nacional contra a precariedade e o trabalho ilegal, que acompanhe a realidade, centralize informação e dinamize a criação de uma forte sensibilização social para enfrentar a praga da precariedade e do trabalho ilegal. É com esse objectivo que o PCP apresenta este projecto-lei.

Contribuímos assim para enfrentar este flagelo que mina os direitos democráticos, as condições e a dignidade no trabalho, a vida pessoal e familiar e compromete a qualificação, a valorização da experiência, a elevação do perfil produtivo do país, as receitas públicas, o futuro da segurança social.

Combatemos concepções e modelos ultrapassados de mais de um século daqueles que, em vez de olharem para o futuro, pretendem restaurar os critérios das relações laborais do Século XIX.

Contrapomos alternativas, afirmamos o caminho que Portugal precisa, baseado no desenvolvimento, numa economia ao serviço do ser humano, no valor intrínseco do trabalho com direitos.

Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
(Programa Nacional de Combate à Precariedade Laboral e ao Trabalho Ilegal)

1 - Pela presente lei é criado o Programa Nacional de Combate à Precariedade Laboral e ao Trabalho Ilegal, adiante designado por Programa Nacional.

2 - O Programa Nacional tem como objectivo a concretização de uma política de prevenção e combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal, visando a promoção do exercício dos direitos dos trabalhadores.

3 - O Programa Nacional tem como prioridades:

a) o combate aos vínculos laborais não permanentes para o desempenho de tarefas que correspondem a necessidades permanentes, promovendo vínculos contratuais estáveis e duradouros;
b) o combate às formas de trabalho não declarado e ilegal e às várias formas de tráfico de mão-de-obra;
c) o combate às práticas de aluguer de mão-de-obra, nomeadamente ao trabalho temporário, promovendo a inexistência de intermediação na relação laboral;
d) o combate ao incentivo à contratação a tempo parcial quando não é opção do trabalhador;
e) a promoção do exercício dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores.

Artigo 2.º
(Comissão Nacional)

1 - Para a prossecução dos objectivos do Programa Nacional é criada a Comissão Nacional de Combate à Precariedade Laboral e ao Trabalho Ilegal, adiante designada por Comissão Nacional.

2 - A Comissão Nacional é composta por:

a) 3 membros designados pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, um dos quais preside;
b) 1 membro designado pelo Ministério da Economia
c) 2 representante de cada confederação sindical;
d) 1 representante de cada confederação patronal;
e) 3 elementos designados pelos restantes membros.

Artigo 3.º
(Competências)

1 - São competências da Comissão Nacional:

a) o estudo e análise das situações de precariedade laboral e do trabalho ilegal, efectuando a sua sinalização e diagnóstico, centralizando a respectiva informação;
b) o acompanhamento da evolução da realidade no que diz respeito à precariedade laboral e ao trabalho ilegal;
c) a intervenção, elaboração de propostas e promoção de iniciativas de prevenção e combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal;
d) a sensibilização social contra as práticas de precariedade laboral e contra o trabalho ilegal, combatendo a sua existência e expansão.

2 - No exercício das suas competências a Comissão Nacional pode, nomeadamente:

a) dinamizar e coordenar acções de divulgação e de informação sobre a promoção e protecção dos direitos dos trabalhadores, junto da opinião pública em geral, com vista à prevenção da precariedade laboral e do trabalho ilegal;
b) dirigir recomendações a todas as entidades, públicas e privadas, no sentido de promover o combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal
c) realizar debates, colóquios, conferências, programas de rádio e televisão, trabalhos na imprensa, sítios Internet, livros, folhetos, exposições, editar publicações, criar um centro de documentação ou uma biblioteca especializada ou utilizar qualquer outro tipo de acções de informação e sensibilização social em torno da precariedade laboral e do trabalho ilegal;
d) estabelecer acordos de cooperação institucional com outras entidades sempre que o diagnóstico das necessidades justifique a execução de acções conjuntas para a prevenção da precariedade laboral e do trabalho ilegal;
e) criar um programa especifico para a Administração Pública de monitorização permanente da situação em matéria de precariedade laboral, visando a sua eliminação, valorizando o papel do Estado como exemplo da defesa e valorização do trabalho com direitos;
f) estabelecer programas regionais e sectoriais de investigação, recolha de informação e intervenção em sectores ou empresas onde o risco de incidência de trabalho ilegal o justifique;
g) promover a elaboração de um sistema de informação directa sobre situações de trabalho precário e ilegal e de uma lista pública de casos de violação da legalidade mais gravosas;
h) promover a divulgação das boas práticas e a promoção do intercâmbio de experiências.
i) promover a certificação de empresas, a partir de informação comprovada, atestando o respeito pelos direitos dos trabalhadores e a inexistência de situações de precariedade laboral ou trabalho ilegal e a divulgação de uma lista das empresas certificadas neste âmbito;
j) promover a articulação com as inspecções do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, das Finanças e da Economia, assim como com outros serviços que entenda relevantes;
k) elaborar e/ou disponibilizar estudos, bibliografias, trabalhos de investigação, relatórios ou outra documentação de interesse para a prevenção e combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal;
l) apoiar a formação técnica e científica de pessoal qualificado com intervenção em matéria de combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal;
m) apresentar propostas de promoção ou reforço do quadro de normas e mecanismos de prevenção e combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal;
n) promover o estudo da realidade europeia e de outros países em matéria de combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal com vista ao aproveitamento nacional dessas experiências e ao desenvolvimento de cooperação comunitária e internacional;
o) cooperar com organizações de âmbito internacional e com organismos estrangeiros que prossigam objectivos conexos com os da Comissão Nacional, tendo em vista participar nas grandes orientações internacionais relativas ao combate à precariedade laboral e trabalho ilegal e vinculá-las a nível nacional.

3 - A Comissão Nacional apresenta à Assembleia da República um relatório anual relativo ao exercício das suas competências, à realidade nacional em matéria de precariedade laboral e trabalho ilegal e às perspectivas de evolução da sua prevenção e combate.

Artigo 4.º
(Conselho Consultivo)

1 - É criado um Conselho Consultivo da Comissão Nacional, destinado a assegurar a participação de departamentos governamentais e de entidades relevantes para a actividade da Comissão.

2 - O Conselho Consultivo é composto por:

a) todos os membros da Comissão Nacional;
b) 1 representante da Inspecção-Geral do Trabalho;
c) 1 representante da Inspecção-Geral da Segurança Social;
d) 1 representante da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica;
e) 1 representante da Inspecção-Geral de Finanças;
f) 1 representante do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras;
g) 1 representante do Alto-Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas;
h) 1 representante do Conselho Nacional para a Prevenção e Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil.
i) 2 representantes de outras entidades que a Comissão Nacional entenda relevantes em matéria de combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal.

3 - O Conselho Consultivo procede a uma avaliação regular da actividade desenvolvida pela Comissão Nacional, apresentando propostas para a melhoria do seu funcionamento ou outras que entenda adequadas.

4 - Deve ser prestada aos membros do Conselho Consultivo toda a informação referente à actividade da Comissão Nacional.

Artigo 5.º
(Serviços de apoio)

Compete ao Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social regulamentar as condições de instalação e funcionamento da Comissão e afectar-lhe os meios técnicos e humanos, serviços de apoio e assessoria técnica necessários ao exercício das suas competências.

Artigo 6.º
(Dever de cooperação)

Todas as entidades públicas e privadas têm o dever de cooperar com a Comissão Nacional em ordem à prossecução dos seus objectivos, designadamente facultando as informações a que tenham acesso e que esta solicite no âmbito das suas competências.

Artigo 7.º
(Regulamentação)

O Governo regulamenta a presente lei no prazo de 60 dias após a sua publicação.

Assembleia da República, em 11 de Julho de 2006

 

 

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