Projecto de Lei

Projecto de lei n.º 136/X - Casas destinadas a famílias pobres

Revoga o Decreto nº 35.106, de 6 de Novembro de 1945(que regulamenta a ocupação e atribuição de casas destinadas a famílias pobres)

 

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O Decreto-lei nº 310/88, de 5 de Setembro, veio determinar a forma de venda de casas construídas pelos municípios ao abrigo do Decreto nº 34.486, de 6 de Abril de 1945. Recorde-se que através deste diploma se autorizava o Governo a promover a construção, no prazo de cinco anos, e por intermédio dos corpos administrativos e Misericórdias, de 5.000 casas destinadas ao alojamento de famílias pobres nos centros populacionais do continente e ilhas.

Expressamente revogado pelo artigo 22º do Decreto-lei nº 310/88, esse “velho” diploma de 1945 foi regulamentado a seu tempo pelo Decreto nº 35.106, de 6 de Novembro do mesmo ano, que “insere várias disposições relativas à ocupação e atribuição de casas destinadas a famílias pobres”.

Este último diploma, não expressamente revogado por nenhuma legislação, ao contrário do que aconteceu com o Decreto-lei nº 34.486, dispõe no seu artigo 12º que os ocupantes das casas construídas pelos municípios ao abrigo do Decreto nº 34.486, podem ser desalojados sempre que se verifique não terem necessidade de ocupar a casa ou se “tornem indignos do direito de ocupação que lhes foi concedido”.

Acresce que o Parágrafo 1º do mesmo artigo enumera de seguida um conjunto de situações especialmente aplicáveis aos moradores e que, no mínimo, são de duvidosa constitucionalidade.

De resto, como se afere o que é “indigno” e determinante do eventual despejo, como estabelece o corpo do artigo?

Independentemente da discussão jurídica sobre se a revogação expressa de um determinado diploma (o Decreto nº 34.486, no caso concreto) implica automaticamente a revogação de toda a legislação, designadamente regulamentação que lhe está afecta, consideramos que estando a ser aplicada essa regulamentação não expressamente revogada, e contendo ela alguns princípios violadores dos direitos fundamentais dos cidadãos, é a revogação expressa desse diploma a melhor opção para clarificar de vez esta situação.

Estipula o artigo 65º da Constituição da República Portuguesa que “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada”, incumbindo ao Estado assegurar esse direito. Acresce que o princípio de igualdade entre os cidadãos consagrado no artigo 13º da CRP determina que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

“Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social”.

Este é um princípio estruturante do sistema constitucional português, aliás inerente a um Estado de Direito.

A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, seguindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo (vide Vital Moreira, Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa, Anotada).

Por seu turno, o direito à habitação consubstancia o direito de não ser arbitrariamente privado da habitação e o direito a obtê-la, traduzindo-se na exigência das medidas e prestações estatais adequadas à sua concretização. Trata-se de um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias e um direito social constitucionalmente previsto.

Sendo, pelas razões expostas, intenção do Grupo Parlamentar do PCP promover a revogação expressa do Decreto nº 35.106, de 6 de Novembro de 1945, importa tornar bem claro que é nossa preocupação central evitar a criação de um eventual vazio legal no que respeita às “disposições relativas à ocupação e atribuição de casas” de habitação social que aquele Decreto visava regulamentar.

Assim, revogado o Decreto nº 35.106, de 6 de Novembro, as condições objectivas que poderão determinar a ocupação e a desocupação de fogos municipais e, consequentemente, o estabelecimento e a resolução dos respectivos contratos, estabelecidos ao abrigo do Decreto nº 34.486, de 8 de Abril de 1945, regulamentado pelo Decreto nº 35.106, de 6 de Novembro, passam a reger-se pelo enquadramento legislativo em vigor que regula o arrendamento urbano.

A utilização do Decreto 35.106, de 6 de Novembro de 1945, que começou a ter uma aplicação frequente e fortemente contestada no Município do Porto a partir dos anos de 2002 e 2003, motivou uma iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP, em Junho de 2003, durante a 2ª sessão legislativa da IX Legislatura, onde já se previa a revogação daquela legislação de 1945. Esta foi aliás uma iniciativa legislativa em que o PCP foi na altura pioneiro, tendo sido o primeiro partido a assumir um acto legislativo concreto tendente a eliminar uma actuação municipal suportada por um enquadramento legal manifestamente inconstitucional e que permite o desalojamento ou despejo administrativo executado sumariamente por mera indicação e ordem autárquica.

Uma vez que a IX Legislatura foi interrompida pela decisão do Presidente da República de dissolver a Assembleia da República e de marcar eleições legislativas antecipadas, essa iniciativa legislativa do Grupo Parlamentar do PCP (Projecto de Lei 328/IX) caducou, não tendo chegado a ser debatida.

Entretanto, e desde que se iniciou a X Legislatura, a situação não foi alterada. No Município do Porto tem prosseguido a utilização do Decreto 35.106, de 6 de Novembro de 1945, noutros municípios do País continuam também a ser recorrentemente utilizados alguns dos dispositivos daquela legislação que, inquestionavelmente, conflitua com o direito dos cidadãos à impugnação de actos administrativos e não permite que sejam os Tribunais a apreciar, em tempo adequado e útil, da existência, ou não, de motivo bastante para a resolução de contratos de arrendamento.

Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:

 

Artigo 1º

É revogado o Decreto nº 35.106, de 6 de Novembro de 1945, que “insere várias disposições relativas à ocupação e atribuição de casas destinadas a famílias pobres”.

Artigo 2º

A resolução dos contratos estabelecidos ao abrigo do Decreto nº 34.486, de 8 de Abril de 1945, rege-se pelo estipulado na legislação geral sobre o Regime do Arrendamento Urbano.

 

Assembleia da República, em 11 de Julho de 2005

 

 

 

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