Senhor Presidente, Senhores membros do Governo, Senhores Deputados,
O Projecto de Lei que o Grupo Parlamentar do PCP apresenta a esta Assembleia tem um conte?do muito objectivo e decorre de um imperativo constitucional. Trata-se de revogar o decreto-lei que desde 1977 pro?be as empresas de contratar cidad?os n?o nacionais em n?mero superior a 10% dos trabalhadores ao seu servi?o. Prop?e-se assim a adequa??o da lei ordin?ria ao que disp?e a Constitui??o em mat?ria de igualdade de direitos entre os cidad?os nacionais e estrangeiros, garantindo a todos os trabalhadores residentes em Portugal o acesso ao trabalho em condi??es de igualdade.
O PCP apresenta este projecto de lei porque defende uma adequada inser??o social dos imigrantes que residem e trabalham em Portugal e porque considera que a legalidade das rela??es de trabalho ? um aspecto fundamental da inser??o social. O decreto-lei ainda em vigor, n?o tendo em conta a realidade de diversos sectores econ?micos que recorrem a um n?mero muito significativo de trabalhadores origin?rios de pa?ses da CPLP constitui um poderoso incentivo ao trabalho clandestino, sem direitos e sem qualquer protec??o social. Esta situa??o n?o ? aceit?vel. ? preciso acabar com os pretextos legais para a discrimina??o no local de trabalho assegurando direitos iguais a todos os trabalhadores.
O que acabo de afirmar, tamb?m o Governo afirma no pre?mbulo da Proposta de Lei que hoje apresenta. S? que aquilo que o Governo prop?e ?, na pr?tica, muito diferente. Embora defenda teoricamente o fim da quota m?xima de 10% de trabalhadores estrangeiros nas empresas, aquilo que o Governo prop?e ? a manuten??o e o aperfei?oamento dos mecanismos de discrimina??o do acesso de estrangeiros ao trabalho.
A Proposta de Lei do Governo mant?m e agrava as dificuldades de acesso dos estrangeiros ao trabalho legal, imp?e uma s?rie de medidas burocr?ticas adicionais para a sua contrata??o, estabelece diferentes n?veis de tratamento dos cidad?os estrangeiros, exige o registo pr?vio de todos os contratos de trabalho de estrangeiros no IDICT e o seu envio ao SEF e at? imp?e o pagamento de taxas para cada registo de contrato de trabalho. Do que se trata afinal, ? de utilizar as rela??es de trabalho e as empresas como instrumentos de fiscaliza??o policial da entrada, perman?ncia ou resid?ncia de estrangeiros, tornando os trabalhadores estrangeiros em alvo permanente de suspeita e de vigil?ncia policial.
O que o Governo pretende com esta proposta de lei ? transformar as empresas em delega??es do SEF, tratando todos os trabalhadores estrangeiros como potenciais delinquentes. Afirmando combater o trabalho clandestino, o Governo n?o faz mais do que favorecer na pr?tica o seu crescimento.
Esta Proposta de Lei conjuga-se no entanto com a Proposta de Autoriza??o Legislativa que vamos debater de seguida, acerca do regime legal de entrada, perman?ncia, sa?da e expuls?o de estrangeiros do territ?rio nacional e que ? de extraordin?ria gravidade.
Esta Proposta de Lei pretende tornar ainda pior a legisla??o sobre estrangeiros aprovada em 1993 por proposta de Cavaco Silva e Dias Loureiro. Este Governo leva t?o longe a sua obedi?ncia cega aos Acordos de Schengen e ?s orienta??es dominantes na Uni?o Europeia que pretende fechar quase completamente as portas do nosso pa?s ? entrada de estrangeiros, sem qualquer respeito pelos la?os especiais que devemos manter com os cidad?os de pa?ses da CPLP. O Governo faz o discurso da coopera??o e da amizade, mas pretende levar ? pr?tica, com iniciativas como esta, uma pol?tica de hostiliza??o destes povos.
O Governo pretende que as expuls?es de cidad?os estrangeiros do territ?rio nacional possam ser executadas mesmo que tenha sido interposto recurso das respectivas decis?es. Um cidad?o cabo-verdiano ou angolano, ainda que viva em Portugal h? muitos anos e tenha c? toda a sua fam?lia, pode ser expulso do pa?s antes que um tribunal se pronuncie a t?tulo definitivo sobre a sua expuls?o.
O Governo portugu?s pretende fazer a cidad?os de outros pa?ses de l?ngua portuguesa precisamente o mesmo que as autoridades dos Estados Unidos da Am?rica t?m feito a cidad?os portugueses que l? residem h? dezenas de anos e que s?o expulsos para os A?ores, onde n?o t?m familiares nem sequer conhecidos. Esta atitude deplor?vel das autoridades norte-americanas relativamente a Portugal e a cidad?os que por raz?es legais ainda possuem nacionalidade portuguesa, tem sido justamente criticada aqui, na Assembleia da Rep?blica, por diversos partidos. Como pode o governo portugu?s querer fazer o mesmo a cidad?os de outros pa?ses?
Esta proposta de lei do Governo trata todos os cidad?os estrangeiros como se fossem criminosos e sujeita todos os passos da sua vida, no trabalho, no estudo, na habita??o, na identifica??o civil, ? vigil?ncia do SEF, transformado em super-pol?cia de estrangeiros. Mais: O Governo pretende considerar como crime de aux?lio ? imigra??o ilegal, sujeito a pris?o, o simples facto de um cidad?o portugu?s facilitar por qualquer forma a perman?ncia ou o acolhimento em sua casa de um cidad?o estrangeiro sem a situa??o perfeitamente regularizada. Se uma lei destas vigorasse em Fran?a h? uns tempos atr?s, o que teria sucedido aos cidad?os e ?s institui??es religiosas que acolheram e defenderam os direitos dos chamados "sans papiers?"
O Governo pretende ainda imp?r em Portugal mecanismos lament?veis de dela??o obrigat?ria, ao propor que, quem ceder alojamento a cidad?o estrangeiro tenha de o declarar ao SEF, ? PSP ou ? GNR no prazo de 3 dias, sob pena de graves san??es. Foi isso que o Governo de direita tentou introduzir em Fran?a h? uns anos atr?s, tendo sido derrotado nesse des?gnio pela mobiliza??o da opini?o p?blica democr?tica.
Senhor Presidente, Senhores Deputados,
A contesta??o ?s propostas de lei que o Governo hoje aqui apresenta tem surgido de todos os quadrantes. Nos pareceres que enviaram a esta Assembleia, quer a CGTP, quer a UGT, criticam de forma contundente a proposta relativa ao trabalho de estrangeiros. Tamb?m no que se refere ao regime proposto para a entrada, perman?ncia, sa?da e expuls?o de estrangeiros, muitas t?m sido as vozes que se levantam, apelando ? sua recusa pela Assembleia da Rep?blica. ? esse o apelo do movimento anti-racista e de todas as associa??es que integram o Secretariado Coordenador das Associa??es para a Legaliza??o. Ainda recentemente, num debate p?blico realizado na escola secund?ria Alfredo dos Reis Silveira, o Bispo de Set?bal designou como "in?quas" as propostas de lei hoje em discuss?o.
As propostas do Governo desmentem de forma flagrante o seu apregoado di?logo e respeito pelos direitos dos imigrantes. Manifestam inten??es repressivas e discriminat?rias. N?o s?o aceit?veis numa sociedade democr?tica e num pa?s de emigrantes espalhados pelo mundo.
A pol?tica deste Governo para a Imigra??o traduz-se numa profunda hipocrisia: Ao mesmo tempo que o Alto Comiss?rio pol?tico para a Imigra??o e as Minorias ?tnicas passa a vida a apregoar boas palavras e a comer cachupas com as associa??es de imigrantes, o Governo encarrega-se de p?r em pr?tica uma pol?tica de grande hostilidade para com estes cidad?os.
O PCP n?o pactua com essa pol?tica e tudo far? para que os estrangeiros sejam tratados em Portugal com a dignidade que a sua condi??o de cidad?os exige.