Projecto de Lei

Projecto de Lei 470/X - Lei dos partidos políticos

 

 


Revoga a lei dos partidos políticos

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PREÂMBULO

A Constituição da República Portuguesa atribui aos partidos políticos uma função basilar no nosso sistema democrático. Exprimindo o profundo sentir democrático saído da Revolução de Abril, o texto fundamental assume como princípio central a liberdade de organização dos partidos políticos, a que se impõe apenas um núcleo mínimo de condições constitucionais. Trata-se de um importante princípio, que é um efectivo garante da pluralidade partidária e da liberdade de opção política e ideológica.

De facto, as formas de organização e estruturação partidária reflectem as opções políticas e ideológicas básicas de cada partido. A imposição de uma configuração única ou de limitação das formas de organização interna dos partidos é uma forma de procurar condicionar a liberdade das opções partidárias, políticas e ideológicas, sendo por isso contrária à Constituição. Da mesma forma o é a limitação à actividade militante de angariação de fundos, salvaguardada a exigência de rigor e transparência nas contas partidárias.

É neste quadro que a Lei dos Partidos Políticos e a Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, aprovadas por acordo e combinação entre PS, PSD e CDS-PP a 24 de Abril de 2003, são um insulto aos valores do 25 de Abril e da Constituição, um grave retrocesso no regime democrático e um passo extraordinariamente perigoso no caminho do ataque a direitos e liberdades fundamentais.

A Lei dos Partidos Políticos aprovada em 2003, representa um inaceitável ataque a princípios constitucionais, inclui inaceitáveis ingerências na vida interna dos partidos, visando impor um modelo único de organização partidária, à medida das opções dos que aprovaram a lei, e atingir especialmente o PCP.

Num tempo em que se avolumam os ataques aos direitos democráticos, políticos, económicos, sociais e culturais, importa avançar no sentido da defesa da democracia, designadamente no que toca ao ponto fundamental da liberdade de organização partidária. É neste quadro que se coloca a necessidade imperiosa de revogação da lei dos partidos em vigor e da sua substituição.

Com este projecto de lei o PCP dá corpo à exigência democrática da alteração do quadro legal vigente. O projecto de lei que apresentamos não configura aquilo que seria, na opinião do PCP, uma lei dos partidos que de forma plena correspondesse à ampla concepção prevista na nossa Constituição, mas visa tão só a correcção dos mais graves atropelos e entorses democráticos incluídos na actual legislação. Isso é visível no facto de não retomar-mos na totalidade propostas e formulações anteriores, que teriam cabimento na nossa concepção, mas que não considerámos neste momento indispensáveis para a alteração imediata que se impõe.

O projecto de lei que propomos não se resume contudo à mera eliminação de um determinado ponto mais debatido da actual lei, mas avança com um conjunto de alterações em que se destacam: a eliminação da não apresentação a eleições durante um determinado período e da redução do número de filiados a menos de 5000 como causas de extinção de partidos; a clarificação da liberdade de criação de partidos independentemente de autorização; a garantia da liberdade de filiação partidária e da reserva sobre essa condição perante quaisquer autoridades; a redução das normas referentes à organização interna dos partidos, incluindo a eliminação das normas impositivas relativas a processos eleitorais internos.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte projecto de lei:

CAPÍTULO I

Princípios fundamentais

Artigo 1º

Função político-constitucional

Os partidos políticos concorrem para a livre formação e o pluralismo de expressão da vontade popular e para a organização do poder político, com respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia política, nos termos da Constituição da República Portuguesa.

Artigo 2º

Fins

São fins dos partidos políticos:

a) Contribuir para o exercício dos direitos políticos dos cidadãos e para a determinação da política nacional;

b)Contribuir para o esclarecimento plural e para o exercício das liberdades e direitos políticos democráticos dos cidadãos;

c) Estudar e debater os problemas da vida política, económica, social e cultural, a nível nacional e internacional;

d) Apresentar candidaturas para os órgãos electivos de representação democrática;

e) Apresentar programas políticos e preparar programas eleitorais de governo e de administração;

f) Fazer a crítica, designadamente de oposição, à actividade dos órgãos do Estado, das Regiões Autónomas, das autarquias locais e das organizações internacionais de que Portugal seja parte;

g) Participar no esclarecimento das questões submetidas a referendo nacional, regional ou local;

h) Promover a formação e a preparação política de cidadãos para uma participação directa e activa na vida pública democrática;

i) Em geral, contribuir para a promoção dos direitos e liberdades fundamentais e o desenvolvimento das instituições democráticas.

Artigo 3º

Natureza e duração

Os partidos políticos gozam de personalidade jurídica, têm a capacidade adequada à realização dos seus fins e são constituídos por tempo indeterminado.

Artigo 4º

Princípio da liberdade

1 - É livre e sem dependência de autorização a constituição de um partido político.

2 - Os partidos políticos prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas.

Artigo 5º

Princípio democrático

1 - Os partidos políticos regem-se pelos princípios da organização e da gestão democráticas e da participação de todos os seus filiados.

2 - Todos os filiados num partido político têm iguais direitos perante os estatutos.

Artigo 6º

Princípio da transparência

1 - Os partidos políticos prosseguem publicamente os seus fins.

2 - A divulgação pública das actividades dos partidos políticos abrange obrigatoriamente:

a) Os estatutos;

b) A identidade dos titulares dos órgãos;

c) As declarações de princípios e os programas;

d) As actividades gerais a nível nacional e internacional.

3 - Cada partido político comunica ao Tribunal Constitucional, para efeito de anotação, a identidade dos titulares dos seus órgãos nacionais após a respectiva eleição, assim como os estatutos, as declarações de princípios e o programa, uma vez aprovados ou após cada modificação.

4 - A proveniência e a utilização dos fundos dos partidos são publicitadas nos termos estabelecidos na lei do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

Artigo 7º

Princípio da cidadania

Os partidos políticos são integrados por cidadãos titulares de direitos políticos.

Artigo 8º

Salvaguarda da ordem constitucional democrática

Não são consentidos partidos políticos armados nem de tipo militar, militarizados ou paramilitares, nem partidos racistas ou que perfilhem a ideologia fascista.

Artigo 9º

Carácter nacional

Não podem constituir-se partidos políticos que, pela sua designação ou pelos seus objectivos programáticos, tenham índole ou âmbito regional.

Artigo 10º

Direitos dos partidos políticos

1 - Os partidos políticos têm direito, nos termos da lei:

a) A apresentar candidaturas à eleição da Assembleia da República, dos órgãos electivos das Regiões Autónomas e das autarquias locais e do Parlamento Europeu e a participar, através dos eleitos, nos órgãos baseados no sufrágio universal e directo, de acordo com a sua representatividade eleitoral;

b) A acompanhar, fiscalizar e criticar a actividade dos órgãos do Estado, das Regiões Autónomas, das autarquias locais e das organizações internacionais de que Portugal seja parte;

c) A fazer emitir tempos de antena na rádio e na televisão;

d) A constituir coligações.

2 - Aos partidos políticos representados nos órgãos electivos e que não façam parte dos correspondentes órgãos executivos é reconhecido o direito de oposição com estatuto definido em lei especial.

Artigo 11º

Coligações

1 - É livre a constituição de coligações de partidos políticos.

2 - As coligações têm a duração estabelecida no momento da sua constituição, a qual pode ser prorrogada ou antecipada.

3 - Uma coligação não constitui entidade distinta da dos partidos políticos que a integram.

4 - A constituição das coligações é comunicada ao Tribunal Constitucional para os efeitos previstos na lei.

5 - As coligações para fins eleitorais regem-se pelo disposto na lei eleitoral.

Artigo 12º

Denominações, siglas e símbolos

1 - Cada partido político tem uma denominação, uma sigla e um símbolo, os quais não podem ser idênticos ou semelhantes aos de outro já constituído.

2 - A denominação não pode basear-se no nome de uma pessoa ou conter expressões directamente relacionadas com qualquer religião ou com qualquer instituição nacional.

3 - O símbolo não pode confundir-se ou ter relação gráfica ou fonética com símbolos e emblemas nacionais nem com imagens e símbolos religiosos.

4 - Os símbolos e as siglas das coligações reproduzem rigorosamente o conjunto dos símbolos e das siglas dos partidos políticos que as integram.

Artigo 13º

Organizações internas ou associadas

Os partidos políticos podem constituir no seu interior organizações ou estabelecer relações de associação com outras organizações, segundo critérios definidos nos estatutos e sujeitas aos princípios e limites estabelecidos na Constituição e na lei.

CAPÍTULO II

Constituição e extinção

SECÇÃO I

Constituição

Artigo 14º

Inscrição no Tribunal Constitucional

1- Não carece de autorização a constituição de partido político.

2 - Os partidos políticos adquirem personalidade jurídica com a inscrição no registo mantido pelo Tribunal Constitucional.

Artigo 15º

Inscrição e publicação dos estatutos

1 - A inscrição de um partido político tem de ser requerida por, pelo menos, 7500 cidadãos eleitores.

2 - O requerimento de inscrição de um partido político é feito por escrito, acompanhado do projecto de estatutos, da declaração de princípios ou programa político e da denominação, sigla e símbolo do partido e inclui, em relação a todos os signatários, o nome completo, o número do bilhete de identidade e o número do cartão de eleitor.

3 - Verificado o cumprimento dos requisitos previstos na Constituição e na Lei, o Tribunal Constitucional envia os estatutos do partido político para publicação na 1ª série do Diário da República.

4 - O disposto no número anterior aplica-se às alterações dos estatutos do partido político.

SECÇÃO II

Extinção

Artigo 16º

Dissolução

1 - A dissolução de qualquer partido político depende de deliberação dos seus órgãos, nos termos das normas estatutárias respectivas.

2 - A deliberação de dissolução determina o destino dos bens, só podendo estes reverter para partido político ou associação de natureza política, sem fins lucrativos, e, subsidiariamente, para o Estado.

3 - A dissolução é comunicada ao Tribunal Constitucional, para efeito de cancelamento do registo.

Artigo 17º

Extinção judicial

1 - O Tribunal Constitucional decreta, a requerimento do Ministério Público, a extinção de partidos políticos nos seguintes casos:

a) Qualificação como partido armado ou de tipo militar, militarizado ou paramilitar, ou como organização racista ou que perfilha a ideologia fascista;

b) Não comunicação de lista actualizada dos titulares dos órgãos nacionais por um período superior a seis anos;

c) Não apresentação de contas em três anos consecutivos;

d) Impossibilidade de citar ou notificar, de forma reiterada, na pessoa de qualquer dos titulares dos seus órgãos nacionais, conforme a anotação constante do registo existente no Tribunal.

2 - A decisão de extinção fixa, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer membro, o destino dos bens que serão atribuídos ao Estado.

CAPÍTULO III

Filiados

Artigo 18º

Liberdade de filiação

1 - Ninguém pode ser obrigado a filiar-se ou a deixar de se filiar em algum partido político, nem por qualquer meio ser coagido a nele permanecer.

2 - A ninguém pode ser negada a filiação em qualquer partido político ou determinada a expulsão, em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, instrução, situação económica ou condição social.

3 - Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da sua filiação partidária.

4 - Ninguém pode ser obrigado por qualquer autoridade a revelar a sua filiação partidária, nem ser prejudicado por se recusar a fazê-lo.

5 - Os estrangeiros e os apátridas legalmente residentes em Portugal e que se filiem em partido político gozam dos direitos de participação compatíveis com o estatuto de direitos políticos que lhe estiver reconhecido.

Artigo 19º

Filiação

1 - A qualidade de filiado num partido político é pessoal e intransmissível, não podendo conferir quaisquer direitos de natureza patrimonial.

2 - Ninguém pode estar filiado simultaneamente em mais de um partido político.

Artigo 20º

Restrições

1 - Não podem requerer a inscrição nem estar filiados em partidos políticos:

a) Os militares ou agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo;

b) Os agentes dos serviços ou das forças de segurança em serviço efectivo.

2 - É vedada a prática de actividades político-partidárias de carácter público aos:

a) Magistrados judiciais na efectividade;

b) Magistrados do Ministério Público na efectividade;

c) Diplomatas de carreira na efectividade.

3 - Não podem exercer actividade dirigente em órgão de direcção política de natureza executiva dos partidos:

a) Os directores-gerais da Administração Pública;

b) Os presidentes dos órgãos executivos dos institutos públicos;

c) Os membros das entidades administrativas independentes.

Artigo 21º

Disciplina interna

1 - A disciplina interna dos partidos políticos não pode afectar o exercício de direitos e o cumprimento de deveres prescritos na Constituição e na lei.

2 - Compete aos órgãos próprios de cada partido a aplicação das sanções disciplinares, sempre com garantias de audiência e defesa e possibilidade de reclamação ou recurso, nos termos dos respectivos estatutos e da lei.

Artigo 22º

Eleitos dos partidos

Os cidadãos eleitos em listas de partidos políticos exercem livremente o seu mandato, nas condições definidas no estatuto dos titulares e no regime de funcionamento e de exercício de competências do respectivo órgão electivo.

CAPÍTULO IV

Órgãos e princípios de funcionamento

Artigo 25º

Órgãos nacionais

Nos partidos políticos devem existir, com âmbito nacional e com as competências e a composição definidas nos estatutos:

a) Uma assembleia representativa dos filiados;

b) Um órgão de direcção política;

c) Um órgão de jurisdição.

Artigo 26º

Assembleia representativa

1 - A assembleia representativa é integrada por membros democraticamente eleitos pelos filiados.

2 - Os estatutos podem ainda dispor sobre a integração na assembleia de membros por inerência.

3 - À assembleia compete designadamente:

a) Aprovar e alterar os estatutos e a declaração de princípios ou programa político;

b) Deliberar sobre a eventual dissolução ou a eventual fusão com outro ou outros partidos políticos.

Artigo 27º

Órgão de direcção política

O órgão de direcção política é eleito democraticamente, com a participação directa ou indirecta de todos os filiados.

Artigo 28º

Órgão de jurisdição

1- Os membros do órgão de jurisdição democraticamente eleito gozam de garantia de independência e dever de imparcialidade, não podendo, durante o período do seu mandato, ser titulares de órgãos de direcção política ou mesa de assembleia.

2- As deliberações de qualquer órgão partidário são impugnáveis com fundamento em infracção de normas estatutárias ou de normas legais, perante o órgão de jurisdição competente.

3 - Da decisão do órgão de jurisdição pode o filiado lesado e qualquer outro órgão do partido recorrer judicialmente, nos termos da lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

Artigo 29.o

Destituição

1 - A destituição de titulares de órgãos partidários pode ser decretada em sentença judicial, a título de sanção acessória, nos seguintes casos:

a) Condenação judicial por crime de responsabilidade no exercício de funções em órgãos do Estado, das Regiões Autónomas ou do poder local;

b) Condenação judicial por participação em associações armadas ou de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, em organizações racistas ou em organizações que perfilhem a ideologia fascista.

2 - Fora dos casos enunciados no número anterior, a destituição só pode ocorrer nas condições e nas formas previstas nos estatutos.

Artigo 30º

Princípios de funcionamento

No quadro da liberdade de organização e autonomia garantida pela Constituição da República Portuguesa, os partidos políticos devem respeitar designadamente os princípios:ºç

a) Da não discriminação no acesso aos órgãos partidários, nomeadamente através de uma participação equilibrada de mulheres e homens;º

b) Da não existência de cargos vitalícios, salvo cargos honorários.

CAPÍTULO V

Actividades e meios de organização

Artigo 31º

Formas de colaboração

1 - Os partidos políticos podem estabelecer formas de colaboração com entidades públicas e privadas no respeito pela autonomia e pela independência mútuas.

2 - A colaboração entre partidos políticos e entidades públicas só pode ter lugar para efeitos específicos e temporários.

3 - As entidades públicas estão obrigadas a um tratamento não discriminatório perante todos os partidos políticos.

Artigo 32º

Filiação internacional

Os partidos políticos podem livremente associar-se com partidos estrangeiros ou integrar federações e organizações internacionais de partidos, sem prejuízo da sua plena capacidade de determinarem os seus estatutos, programa e actos de intervenção político-constitucional.

Artigo 33º

Regime financeiro

O financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais é regulado em lei própria.

Artigo 34º

Relações de trabalho

1 - As relações laborais entre os partidos políticos e os seus funcionários estão sujeitas às leis gerais de trabalho.

2 - Considera-se justa causa de despedimento o facto de um funcionário se desfilar ou fazer propaganda contra o partido que o emprega ou a favor de uma candidatura sua concorrente.

CAÍTULO VI

Disposições finais

Artigo 35º

Revogação

É revogada a Lei Orgânica n.º 2/2003 de 22 de Agosto.

Artigo 36º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor oito dias após a sua publicação em Diário da República.

 

Assembleia da República, em 26 de Fevereiro de 2008

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