A cobrança, pelas instituições de crédito, de comissões, despesas ou outros encargos pela manutenção de contas de depósito à ordem tem sido um tema recorrente de queixas apresentadas junto do Banco de Portugal, dos grupos parlamentares na Assembleia da República e de entidades cuja atividade se desenvolve em torno dos direitos dos consumidores.
Reformados com contas à ordem, cujos saldos médios anuais ficam abaixo dos limites impostos pelos bancos para isentarem os titulares do pagamento de despesas de manutenção das respetivas contas; trabalhadores que ao passarem à condição de desempregados veem os respetivos bancos passarem a cobrar despesas de manutenção de contas à ordem por estas deixarem de estar associadas ao salário do seu titular; a obrigatoriedade de ter conta de depósito à ordem para aceder a pensões e a outras transferências sociais que depois ficam sujeitas ao pagamento de despesas de manutenção; são alguns exemplos de cartas e mensagens que o Grupo Parlamentar do PCP tem vindo a receber e que, face ao contexto de crise e de dependência da generalidade dos portugueses das contas à ordem e dos meios de pagamento e operações básicas que lhes estão associadas, conduzem à necessidade de intervenção legislativa no sentido de proibir a cobrança de comissões, despesas e outros encargos pela manutenção de contas de depósito à ordem.
Desde 2000 que o legislador introduziu o conceito de serviços mínimos bancários, impondo limites máximos para as comissões de manutenção de contas e para os serviços de pagamento, em determinadas condições. No entanto, tal como é consensualmente reconhecido, este regime especial demonstrou ser demasiado limitado no alcance e no acesso. Na realidade estamos perante um sistema de adesão voluntária pelos bancos e de fortes limitações para os seus titulares, os quais, ainda assim, estão sujeitos ao pagamento de comissões e outras despesas de manutenção dessas contas. Apenas seis instituições de crédito disponibilizaram este tipo de conta à ordem e, segundo a DECO, apenas existiam 3371 contas com estas caraterísticas, no final de 2012.
Frequentemente, sempre que o legislador pretende limitar a cobranças de comissões, despesas e outros encargos de contas ou serviços bancários, surgem vozes representando setores do sistema financeiro que alertam para a possibilidade de as instituições de crédito transferirem para outros serviços bancários essas receitas perdidas ou limitadas. Na prática, pretende-se defender a ideia de que estas receitas são essenciais para a continuidade e segurança da atividade financeira da banca.
Segundos dados disponibilizados pela DECO, a comissão média para um saldo de 250 euros aumentou cerca de 41% entre 2007 e 2013. Segundo o Banco de Portugal, de acordo com os dados dos preçários que lhe são reportados, representando 99% do número de contas de depósito em Portugal, entre 2008 e 2013, para o mesmo saldo médio de 250 euros, a média das comissões aumentou cerca de 23%, passando de 40,46 euros anuais para 49,86 euros. A diferença de valores apurados pela DECO e pelo Banco de Portugal poderá resultar das diferenças da amostra em causa. No entanto, mesmo no caso do supervisor e perante um número de contas muito próximo do próprio universo, a conclusão que se pode retirar é que estamos perante contas que na generalidade dos casos não permitem aos seus titulares auferir qualquer remuneração, existindo, em média, uma apropriação de cerca de 50 euros por parte do banco (que nos últimos 5 anos aumentou em 23%) para um património que sendo alheio ao banco, é-lhe depositado e representa uma disponibilidade para o mesmo desenvolver o seu negócio principal – vender financiamento, empréstimos a particulares e empresas. A prática de cobrança excessiva de comissões é apenas possível face às tremendas diferenças de poder negocial e de informação existentes entre o banco e o titular da conta de depósito à ordem.
A análise dos dados das demonstrações de resultados das principais instituições de crédito, disponibilizados pela Associação Portuguesa de Bancos, permite concluir que, com variações anuais pouco significativas, os rendimentos de serviços e comissões representam entre 25% e 33% do produto bancário para os quatro maiores bancos privados em Portugal (BCP, BES, BPI e Santander). Mas mesmo na Caixa Geral de Depósitos estes rendimentos representam 17% desse produto bancário. Tendo em conta que estamos a tratar das contas de depósito à ordem, que representam apenas uma parte destes rendimentos, podemos concluir que a viabilidade, segurança e continuidade da atividade bancária não ficará em risco se se limitar a cobrança de comissões, despesas e encargos com as contas de depósito à ordem.
Acresce a esta realidade a prática por muitos considerada abusiva de alterações das condições contratadas entre banco e respetivo cliente, quer se trate de um titular de conta ou de entidade que tenha contratado um crédito ou outro serviço bancário. Apesar da legislação nacional, e também da europeia, o poder que os bancos detêm, protegido por uma aparente concorrência, conduz a fenómenos de mimetismo, generalizando os custos e encargos para os clientes por todo e qualquer serviço ou atividade bancária, com alterações de preços e com condições protegidas por cláusulas contratuais que em outros sectores de atividade são consideradas abusivas, revelando que perante a incerteza e a adversidade serão sempre os clientes de reduzido poder económico, particulares ou micro e pequenas empresas, a arcar com os custos.
Em torno destas práticas tem sido desenvolvido algum debate. No entanto, o mesmo recai sobre aspetos processuais, fugindo, por norma, a enfrentar uma das questões principais: os elevados custos cobrados aos clientes pela atividade bancária – na disponibilidade de financiamento, na intermediação financeira ou na disponibilidade de depósitos e de meios de pagamento, hoje quase monopolizados por cartões e serviços financeiros controlados pela banca – representam uma apropriação indevida dos recursos da generalidade do povo e das micro, pequenas e médias empresas. Longe vão os tempos em que o dinheiro era metálico. Hoje grande parte das transações comerciais (das quais excluímos propositadamente as de cariz financeiro) é concretizada com dinheiro «virtual», o que implica a intervenção da banca, a existência de depósitos, geralmente à ordem, e de meios de pagamento disponibilizados e controlados pelos mesmos grupos financeiros ou por consórcios de grupos financeiros.
Perante esta situação, são cada vez mais as vozes que apelam à intervenção legislativa no sentido de impedir a cobrança de comissões, despesas ou outros encargos sobre depósitos à ordem e outros meios e serviços financeiros básicos. Face ao caráter voluntário dos serviços mínimos bancários, face à sua desadequação para a generalidade dos titulares de simples contas de depósito à ordem, e reconhecendo a necessidade de intervir de forma ainda mais lata sobre as práticas da banca por muitos consideradas abusivas, o PCP assumiu a necessidade de alterar no imediato o enquadramento legislativo destas comissões bancárias.
Foi também neste sentido que a DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor entregou na Assembleia da República a Petição n.º 289/XII/3.ª, assinada por mais de 81 mil cidadãos.
É convicção do PCP que a iniciativa de proibição de cobrança de comissões, despesas e outros encargos pela manutenção de contas de depósitos à ordem, nos termos propostos por esta iniciativa, deverá ser complementada pela intervenção do Ministério das Finanças influenciando o mercado bancário, enquanto acionista, através da limitação da cobrança de comissões sobre outros serviços bancários por parte do banco público, a Caixa Geral de Depósitos.
Pelo exposto, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Âmbito
A presente lei regula a cobrança, pelas instituições de crédito, de comissões, despesas ou outros encargos pela manutenção de contas de depósito à ordem.
Artigo 2.º
Definições
Para efeitos da presente lei, entende-se por:
a) «Instituições de crédito» as empresas cuja atividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis, a fim de os aplicarem por conta própria mediante a concessão de crédito, previstas nas alíneas a) a c) do artigo 3.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de dezembro;
b) «Conta de depósito à ordem» entregas em numerário ou equivalente a instituição de crédito, para sua guarda, sendo a respetiva restituição exigível a todo o tempo sem qualquer encargo para o titular da conta;
c) «Titular da conta» a pessoa singular com quem as instituições de crédito celebrem contratos de depósito.
Artigo 3.º
Comissões, despesas ou outros encargos
1 – As instituições de crédito estão impedidas de cobrar comissões, despesas ou outros encargos pela manutenção de contas de depósito à ordem, com exceção do disposto nos nºs 3 e seguintes.
2 – Para efeitos do n.º 1, as operações simples de acesso à consulta de saldos e movimentos, depósitos e levantamentos, pagamentos de bens e serviços, débitos diretos e transferências interbancárias, através de caixas automáticas, serviços de homebanking e balcões da instituição de crédito, referentes a contas de depósito à ordem, incluem-se no conceito de manutenção de contas de depósitos à ordem.
3 – As instituições de crédito podem cobrar comissões, despesas ou outros encargos pela manutenção de conta de depósito à ordem, se, nos seis meses anteriores, essa conta apresentar um saldo médio anual inferior a 5% da remuneração mínima mensal garantida e não tiverem sido realizadas quaisquer operações bancárias nesse mesmo período de tempo.
4 – No caso previsto no número anterior, as comissões, despesas ou outros encargos não podem exceder, anualmente, e no seu conjunto, 1% da remuneração mínima mensal garantida.
5 – Caso as instituições de crédito usem a faculdade prevista no n.º 3 do presente artigo, devem informar o titular da conta de depósito à ordem com, pelo menos, 15 dias de antecedência, através de comunicação em papel ou em qualquer outro suporte duradouro.
6 – É expressamente vedado às instituições de crédito condicionar a abertura ou a manutenção de conta de depósito à ordem à aquisição de produtos ou serviços adicionais.
7 – Sem prejuízo dos números anteriores, as instituições de crédito apenas poderão cobrar comissões, despesas ou outros encargos por outros serviços associados a depósitos à ordem, além dos referidos no presente artigo, cuja adesão seja facultativa.
Artigo 4.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor 30 dias depois da sua publicação.
Assembleia da República, em 7 de março de 2014