A enorme carência de profissionais de saúde nos estabelecimentos de saúde que integram o Serviço Nacional de Saúde (SNS), os elevados ritmos de trabalho, a falta de condições de trabalho, a falta de investimento que conduz à obsolescência dos equipamentos, a desvalorização social, profissional e remuneratória dos profissionais de saúde têm levado à desmotivação dos profissionais de saúde e à sua saída do SNS, seja por aposentação, seja para exercer funções em entidades privadas ou fora do país.
Entre janeiro e agosto deste ano, 253 médicos pediram certificado à Ordem dos Médicos, sem incluir os dados do Norte, para poderem exercer no estrangeiro. Em 2018 foi pedido à Ordem dos Médicos 287 certificados, mais uma vez sem contabilizar os dados do Norte. Segundo notícias vindas a público, estima-se que até ao final do ano de 2019, possa atingir 400 os médicos que pretendam emigrar. 2015 foi o ano em que mais médicos solicitaram o certificado que lhes permite exercer funções fora do país, atingindo 475.
2.321 enfermeiros pediram certificado para exercer funções no estrangeiro só entre janeiro e junho de 2019, quando no ano civil de 2018 foram 2.736 pedidos. Em 2014 registou-se o maior volume de pedidos de documentação para emigração, num total de 2.814.
A desmotivação afeta também os técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, cuja expectativa de nova carreira e da respetiva transição foi totalmente defraudada. As carreiras dos assistentes técnicos e dos assistentes operacionais também foram profundamente desvalorizadas com a legislação de 2008, que destruiu inúmeras carreiras da Administração Pública. Os assistentes operacionais, em particular lutam pela criação de uma carreira específica de técnico auxiliar de saúde que valorize o seu desempenho profissional, atendendo às especificidades das suas funções na área da saúde.
Há procedimentos concursais para a contratação de trabalhadores que ficam desertos ou as vagas não são preenchidas na totalidade. Em particular, esta realidade é mais sentida nas regiões do interior. As condições oferecidas no âmbito desses procedimentos concursais, mesmo aqueles que são abertos ao abrigo do regime de incentivos para zonas carenciadas, não são suficientemente atrativas para os profissionais de saúde e suas famílias se fixarem nestes locais.
A desvalorização social, profissional e remuneratória dos profissionais de saúde é parte integrante da estratégia de descredibilização e fragilização do SNS. Estratégia que está associada aos objetivos de transferir a prestação de cuidados de saúde para os grupos privados da saúde.
O reforço do SNS, da sua capacidade de resposta e da sua qualidade é indissociável da valorização dos profissionais de saúde. Sabemos que sem profissionais de saúde valorizados e reconhecidos não há SNS. Por isso é que não é inocente o ataque aos direitos dos trabalhadores, pois tem sido uma via para destruir o serviço público e para potenciar os interesses dos grupos privados.
É urgente tomarem-se medidas de valorização e reconhecimento dos profissionais de saúde, para que estes queiram continuar a exercer funções no SNS, para que vejam no SNS a solução para a sua carreira profissional. Valorizar os profissionais de saúde passa necessariamente pela valorização das suas carreiras e também sabemos como a criação e a valorização das carreiras na área da saúde é uma questão central para a qualidade dos cuidados prestados e para a existência de SNS, possibilitando a valorização e garantia de direitos dos profissionais de saúde, por um lado e por outro a existência de trabalhadores qualificados é condição para aumentar a capacidade do SNS e melhorar a prestação de cuidados aos utentes.
É preciso assegurar condições de trabalho, mas igualmente o desenvolvimento profissional, a formação, a participação em projetos e investigação e simultaneamente tomar medidas que permitam a fixação dos profissionais de saúde nas regiões do interior.
Defendemos também que se avance no sentido de criar um regime de dedicação exclusiva, que permita valorizar o desempenho de funções em exclusivo no serviço público. Criado em 1990, o regime de dedicação exclusiva foi entretanto revogado. Desde então o número de médicos em dedicação exclusiva tem vindo sistematicamente a reduzir, sendo hoje uma minoria no SNS, com evidentes prejuízos para o SNS. Temos conhecimento que há médicos interessados em trabalhar em dedicação exclusiva, mas hoje estão impossibilitados de aderir a este regime, por isso faz sentido, obviamente num processo de negociação coletiva com as organizações representativas dos trabalhadores, discutir como avançar para a criação de um regime desta natureza.
O Projeto de Resolução que apresentamos propõe um conjunto de recomendações ao Governo com o objetivo de impedir que os profissionais de saúde abandonem o SNS porque se sentem desmotivados e procura apontar caminhos para a valorização dos profissionais de saúde do SNS, como solução para respeitar e dignificar os direitos dos profissionais de saúde por um lado e por outro assegurar o reforço do SNS, através da valorização da sua maior riqueza - os trabalhadores que desempenham funções nas unidades de saúde do SNS.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomenda ao Governo que adote uma política de valorização social, profissional e remuneratória dos profissionais de saúde que desempenham funções nos estabelecimentos de saúde que integram o Serviço Nacional de Saúde (SNS) através do seguinte modo:
- Valorização das carreiras dos profissionais de saúde, a qual é imprescindível não só para a valorização e reconhecimento profissional, mas também enquanto elemento estruturante para a melhoria da qualidade dos cuidados de saúde prestados aos utentes;
- Criação da Carreira de Técnico Auxiliar de Saúde com vista ao reconhecimento, valorização e dignificação da especificidade das funções desempenhadas por estes profissionais no SNS, garantido a transição, para esta nova carreira, de todos os trabalhadores assistentes operacionais que desempenham funções na área da saúde;
- Garantia das condições de trabalho adequadas, nomeadamente no plano das instalações e dos equipamentos;
- Regularização da situação dos profissionais de saúde com vínculos laborais precários, promovendo a sua integração na respetiva carreira com vínculo público por tempo indeterminado, de forma a que a cada posto de trabalho permanente corresponda um contrato de trabalho efetivo;
- Adoção de um plano que progressivamente substitua a contratação por via de empresas de trabalho temporário pela contratação direta de trabalhadores com vínculo efetivo à função pública, dando cumprimento às normas aprovadas nos últimos Orçamentos do Estado;
- Garantia da possibilidade de desenvolvimento profissional, designadamente através de projetos de investigação e da formação profissional contínua, potenciando a aquisição de conhecimento e a inovação e tecnologia na saúde;
- Eliminação das desigualdades quer em direitos, quer em condições de trabalho que atualmente existem entre os profissionais de saúde, e integrar os trabalhadores com contratos individuais de trabalho na carreira com vínculo público efetivo;
- Aperfeiçoamento da atribuição do regime de incentivos para a fixação de médicos nas zonas carenciadas identificadas pelo Governo;
- Avanço no sentido da dedicação exclusiva dos médicos que exercem funções no SNS, assegurando as condições para o seu desempenho profissional e garantindo uma carreira mais atrativa, um contrato efetivo, salário digno, condições dignas de trabalho e de investigação;
- Respeito pelo processo negocial com as organizações representativas dos trabalhadores.