Exposição de Motivos O Serviço Nacional de Saúde, uma das mais importantes conquistas da Revolução de Abril, plasmada na Constituição de 1976, foi desde cedo o alvo da política de vários governos que, seja pelo subfinanciamento, pela desarticulação ou por sucessivas medidas para transferir recursos para o setor privado, visaram abrir caminho para uma mais profunda destruição deste serviço público fundamental.
Desde há duas décadas abriu-se uma nova etapa no ataque ao SNS. É o momento em que, apesar de sempre ter havido unidades privadas em funcionamento, se assiste a um aumento exponencial do investimento dos grupos privados da saúde, com a abertura de grandes unidades hospitalares privadas, seguida de uma progressiva e sistemática disseminação de unidades de média e pequena dimensão, seja pela compra de unidades preexistentes, seja pela sua construção de raiz.
Paralelamente mantinha-se uma enorme dependência do país em relação a importantes grupos privados (alguns de cariz multinacional) em áreas como os meios de diagnóstico, certos tratamentos (como a hemodiálise), ou na área do medicamento.
Depois de um intenso processo de privatizações em múltiplos setores da atividade económica, incluindo em áreas estratégicas para o país, era chegado o momento de atacar os serviços públicos mais essenciais e de entre eles a saúde, setor que movimenta em Portugal 25 mil milhões de euros anualmente.
Para o sucesso deste objetivo era necessário reunir três condições essenciais:
- A degradação da capacidade de resposta do SNS gerando maior procura do setor privado;
- A atração para o privado de muitos profissionais de saúde através da degradação das suas condições de trabalho no SNS;
- A captura de uma parcela cada vez maior dos recursos financeiros alocados ao SNS, incluindo com a entrega ao setor privado da gestão de unidades públicas.
Acentuaram-se por isso políticas negativas de saúde, em governos PS, PSD e CDS com:
- O sistemático subfinanciamento das unidades do SNS, obrigadas a limitar a atividade e a acumular vultuosas dívidas;
- A quebra acentuada do investimento público nesta área, provocando a degradação das instalações, o sucessivo adiamento da construção de novas unidades, ou a vetustez dos equipamentos de diagnóstico e tratamento;
- O ataque aos direitos dos trabalhadores da saúde, limitando as contratações, disseminando a precariedade e a privatização de diversos setores de atividade, bloqueando e eliminando carreiras, fragilizando os vínculos com a passagem à contratação por contrato individual de trabalho, baixando consideravelmente as remunerações reais e por exemplo no caso dos médicos, proibindo a opção pela dedicação exclusiva ao SNS;
- O abandono das regras de gestão democrática com participação dos profissionais e a feroz limitação da autonomia das unidades de saúde do SNS, sujeitas até para decisões correntes ao garrote da tutela ministerial, não só da saúde, mas também, sobretudo nos últimos anos, das finanças;
- A entrega de diversas unidades públicas à gestão privada e a crescente contratação de serviços privados nas mais diversas áreas, muitas de caráter clínico.
Ao manter e acentuar a degradação das condições de trabalho dos profissionais de saúde, ao fomentar a contratação de privados para funções que deviam ser de desempenho público, ao manter o subfinanciamento e um fraco investimento, ao perpetuar o garrote à gestão pública no SNS, o Governo do PS provocou, certamente não por acaso, uma rápida degradação da capacidade de resposta do SNS, sobretudo após a pandemia da COVID-19, tendo em conta acrescidas necessidades decorrentes da evolução demográfica, do avanço científico e tecnológico, entre outros fatores.
Há hoje uma gigantesca faixa da população sem médico de família e com acesso limitado aos cuidados de saúde. Acumulam-se listas de espera em cirurgias, consultas de especialidade e tratamentos. Paulatinamente vão-se encerrando extensões de saúde, serviços hospitalares, urgências, desmantelando equipas especializadas e concentrando cada vez mais os serviços afastando-os das populações. Aumentam os custos diretos para a população, em particular nos medicamentos. A promoção da saúde está secundarizada.
Temos hoje um novo governo do PSD e do CDS e uma maioria de direita na Assembleia da República, cujos intentos são claros. Passam por entregar cada vez mais a saúde dos portugueses ao negócio dos grupos económicos privados, com a inevitável negação a uma grande parte da população, em particular a de baixos e médios rendimentos, de aspetos fundamentais do direito à saúde. A direita e os grupos económicos privados aprestam-se para colher o que os últimos anos de Governo PS semearam.
O programa de Governo não deixa margem para dúvidas. O caminho que preconizam é o da concretização da ideia de sistema nacional de saúde, visando a diluição do Serviço Nacional de Saúde, e um financiamento cada vez maior para os privados. Consagra-se uma lógica de suposta competitividade entre serviços públicos e privados para a prestação de serviços e o financiamento pelo Estado, o que é mais uma mal disfarçada forma de privatizar novas parcelas do SNS.
A experiência do nosso país é já bem demonstrativa de que o privado não é a solução.
O país não contou com os privados para enfrentar a COVID-19; sabe que o privado só está disponível para o que for de baixo risco e lucro fácil; são conhecidos os casos de doentes enviados para os hospitais públicos quando a situação se complica ou já não podem pagar o internamento. PSD, CDS e toda a restante direita afirmam sistematicamente que mais de 3 milhões de pessoas já têm seguro de saúde, mas omitem o facto de, de acordo com os dados do INE, este sector segurador suportar menos de 4% do total da despesa.
O estado em que se encontra o SNS é grave, mas recuperável, desde que se aproveitem as enormes potencialidades que ele comporta e de que tem dado provas ao longo da sua existência. É mesmo o SNS, apesar dos ataques a que está sujeito, que continua a dar resposta à maioria dos cuidados de saúde no nosso país. É o SNS que continua a ser a única resposta para a larga maioria da população, na maior parte das áreas da saúde.
Só com o SNS se garante o direito à saúde a toda a população – este é o modelo mais democrático e eficiente. A população sabe-o e é por isso que o defende e exige a resolução dos seus problemas. O PCP não desiste do SNS e apresenta por isso um conjunto de medidas urgentes, capazes de inverter a sua degradação.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte Resolução A Assembleia da República, nos termos n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomenda ao Governo que:
1- Tome medidas para contratar mais, atrair e reter profissionais de saúde, melhorando as suas condições de trabalho, designadamente:
- Consagrando, no prazo de 60 dias, a opção de dedicação exclusiva para os médicos e enfermeiros – com a majoração de 50% da sua remuneração base e o acréscimo de 25% na contagem do tempo de serviço;
- Criando, no prazo de 60 dias, um novo regime de incentivo à fixação de profissionais em zonas carenciadas através da valorização da sua remuneração base, de um mecanismo específico de reforma antecipada e de um apoio para as despesas com a habitação;
- Alargando as valências no SNS, promovendo a contratação de novos profissionais, como por exemplo médicos dentistas e técnicos de saúde oral, terapeutas, técnicos de saúde visual, ou psicólogos;
- Concretizando uma revisão negociada das carreiras da área da saúde, a vigorar a partir de 2025, garantindo uma efetiva progressão nas mesmas, a melhoria das remunerações e das condições de trabalho;
- Negociando, até ao final de 2024, com as organizações representativas dos trabalhadores da saúde, um regime de promoção do regresso de profissionais saídos do SNS nos últimos anos;
- Continuando a aumentar de forma significativa as vagas disponíveis nas faculdades de medicina do ensino superior público, garantindo o necessário reforço dos meios financeiros das instituições.
2- Melhore o acesso aos cuidados, valorize a prevenção da doença e a promoção da saúde e que assegure o acesso aos medicamentos, designadamente:
- Garantindo até final de 2025 médico e enfermeiro de família para toda a população nos cuidados primários de saúde do SNS, podendo ser criados mecanismos especiais de apoio à contratação;
- Programando a recuperação das listas de espera em consultas de especialidade, cirurgias, exames e tratamentos, predominantemente assente no aumento da capacidade dos serviços públicos, com base em planos elaborados em cada unidade hospitalar;
- Garantindo, até ao final de 2024, a existência de meios de diagnóstico e terapêutica de menor complexidade em todos os centros de saúde;
- Garantindo até ao final de 2025 a existência de uma rede de urgências básicas ou atendimentos permanentes, facilmente acedíveis em todo o território, para acorrer às necessidades de saúde agudas que dispensem intervenção hospitalar;
- Garantindo cuidados de saúde oral, de saúde visual, de medicina física e de reabilitação e de nutrição em todos os centros de saúde, de forma progressiva até final de 2025;
- Garantindo o pleno acesso aos cuidados medicamentosos, promovendo a gratuitidade para maiores de 65 anos, doentes crónicos ou com carências económicas, incentivando o uso de medicamentos genéricos e prevenindo as roturas de disponibilidade;
- Aumentando em 100% nos próximos quatro anos, a capacidade de resposta em cuidados continuados e cuidados paliativos, em particular nas regiões mais carenciadas, com efetivo reforço da rede pública;
- Promovendo a avaliação da reabertura de extensões, centros de saúde e serviços hospitalares encerrados nos últimos 12 anos, dando prioridade à proximidade às populações;
- Reforçando as Equipas Locais de Intervenção (ELI), recuperando as significativas listas de espera existentes e pondo fim à precariedade dos seus técnicos;
- Reforçando os cuidados de saúde mental, os meios humanos e materiais que lhes estão dedicados e garantindo a sua presença em todas as fases da vida e, designadamente, em meio escolar e laboral.
3- Reforce os meios financeiros e técnicos e o aumento da capacidade do SNS, designadamente:
- Adequando o financiamento do SNS às necessidades do seu funcionamento e reforçando o investimento público;
- Aumentando a capacidade hospitalar do SNS, modernizando e atualizando as unidades existentes, planeando e construindo mais unidades e aumentando o número de camas de internamento de agudos;
- Renovando e modernizando equipamentos de diagnóstico e terapêutica, nomeadamente o designado por equipamento pesado, com destaque para a área de oncologia.
4- Promova um SNS com melhor organização, articulado e com gestão democrática, designadamente:
- Garantindo a gestão pública de todas as unidades do SNS e dos respetivos serviços, sejam de prestação direta de cuidados sejam de apoio, garantindo a sua autonomia e promovendo a internalização do que foi entregue aos privados;
- Escolhendo por concurso público o diretor executivo nos ACES e o presidente do conselho de administração nos hospitais, sendo eleitos os restantes cargos de administração e gestão clínica;
- Revertendo o actual modelo de Unidades Locais de Saúde;
- Uniformizando em todo o País um só modelo de funcionamento das Unidades de Saúde Familiar (USF), incentivando o seu funcionamento por ganhos em saúde, eliminando da lei as USF C e revogando as alterações recentes que criam constrangimentos à autonomia dos profissionais no seu exercício.
5- Discipline as relações do Estado com o sector privado e promova a sua verdadeira fiscalização, designadamente:
- Reforçando os meios de fiscalização dos contratos do SNS com o sector privado, bem como as obrigações de transparência e fiscalização efetiva na sua atividade direta com os utentes;
- Racionalizando gastos com medicamentos, designadamente de consumo hospitalar, reforçando os meios do Infarmed e das comissões de farmácia e terapêutica de cada unidade;
- Promovendo a crescente utilização de medicamentos genéricos e biossimilares, garantindo a racionalização dos custos sem perda de acesso dos utentes.