A epidemia, tendo colocado novos problemas, revelou sobretudo insuficiências e estrangulamentos crónicos que há muito atingem o País e que requerem respostas. Enfrentar uma crise económica e social como aquela que está em desenvolvimento exige medidas de emergência, mas é também o momento para corrigir erros estratégicos e romper com um rumo que tem desprezado as actividades produtivas e aprofundado a dependência externa.
Nestes meses evidenciou-se a importância do País não depender de terceiros em matérias tão centrais para o funcionamento da nossa sociedade como a produção de alimentos ou de medicamentos; ficou clara o quão errada tem sido a imposição de um modelo económico que despreza o mercado interno e sobrevaloriza as exportações, com destaque para a crescente dependência do binómio turismo-imobiliário; evidenciaram-se atrasos estruturais no desenvolvimento da capacidade científica e tecnológica nacional, e a dependência que é visível face a grandes multinacionais, que vão do digital às farmacêuticas; confirmou-se a fragilidade de uma economia que entregou aos monopólios – sobretudo estrangeiros - a banca, a energia, as comunicações, parte dos transportes, o fundamental da sua actividade industrial; evidenciou-se um tecido económico marcado pela extrema fragilidade com que sobrevivem milhares de micro, pequenas e médias empresas; confirmou-se que, perante uma crise de dimensão global, os sectores e as empresas dos países mais periféricos são sacrificados perante os interesses das grandes potências, como se demonstra pelos encerramentos de unidades industriais, seja a refinaria de Matosinhos, seja a central termo-eléctrica de Sines, ou no processo que está em curso na TAP que ameaça o futuro da empresa como companhia de bandeira e instrumento estratégico e soberano; e salientou-se, uma vez mais, o colete de forças que constitui a submissão ao Euro e o que este representa, seja enquanto garrote ao necessário aumento do investimento público – que é hoje metade do que foi há uma década atrás -, seja na fragilidade para onde atira uma economia que tem de carregar uma moeda que, na prática, não é a sua.
Este é o tempo de fazer opções de fundo colhendo as lições da actual situação. Portugal precisa de pôr em marcha um verdadeiro programa de desenvolvimento e não um percurso ditado pelos critérios e agenda escolhidos e orientados pelas grandes potências da União Europeia.
Este é o tempo de olhar com seriedade para aqueles que são os principais défices e estrangulamentos nacionais mas também para observar os recursos e potencialidades existentes e reorientar a economia nacional para uma política de substituição de importações por produção nacional. Estamos perante a constatação do óbvio: um país que não produz não tem futuro. O PCP quer que se faça o óbvio: pôr Portugal a produzir.
Destacamos entre as várias necessidades existentes, quatro vectores fundamentais para o desenvolvimento da produção nacional que se ligam simultaneamente à ruptura com quatro grandes cadeias de dependência externa que urge inverter.
Desde logo, a produção de alimentos, aproveitando as boas condições para, com a mobilização dos pequenos e médios agricultores, satisfazer as necessidades da população, garantir a ocupação do território e assegurar a soberania alimentar – particularmente em sectores estratégicos como a carne, os cereais ou o pescado.
A produção de medicamentos e de equipamentos médicos, onde se inclui a projecção do Laboratório Nacional do Medicamento - enquanto estrutura indispensável à segurança e à saúde do povo português - e a sua articulação com outras componentes da indústria nacional.
A produção de equipamentos e meios de transporte, partindo da capacidade instalada para produção, reparação e manutenção – desde a EMEF actualmente integrada na CP, passando pela manutenção da TAP e outras empresas na aviação civil e militar, até à construção naval com destaque para o Arsenal do Alfeite e para outros estaleiros existentes.
A produção de energia, com a mobilização de recursos que apontem à soberania energética, promova a utilização racional da energia e acréscimos de eficiência nos transportes, edifícios e na indústria e a diversificação das fontes de energia, a prospecção e cartografia de recursos, a revisão da política de incentivos, subsídios e apoios aos grupos económicos, inseparáveis de uma política que assegure a recuperação do controlo público sobre este sector estratégicos e o combate à degradação ambiental.
A identificação destes quatro vectores, não anula, antes se articula com todas as outras dimensões da política económica:
- desde logo na defesa de activos produtivos do País, que hoje asseguram importantes produções estratégicas – como é o caso do leite – crescentemente postos em causa pelas políticas da UE e pelas opções do Governo;
- na valorização da base industrial existente – seja da indústria extractiva, seja transformadora – e as possibilidades de desenvolvimento que esta comporta;
- na redução da dependência do exterior da componente importada das nossas exportações, potenciando a produção não apenas de produtos finais mas também intermédios - hoje importados em cerca de 50% - para alargar e fortalecer os segmentos de valor acrescentado nacionais - nas políticas de ocupação do solo e de aproveitamento dos recursos marinhos;
- na adopção de linhas de orientação no quadro de uma transição energética gradualista e sujeita às dinâmicas e interesses do desenvolvimento e defesa da economia e produção nacionais, e não determinada ou subordinada por uma divisão europeia do trabalho conforme as agendas e estratégias da UE e das grandes potências;
- na necessária política de diversificação de relações económicas com outros Países numa base mutuamente vantajosa;
- no apoio às MPME;
- na incorporação ao serviço do desenvolvimento nacional dos avanços científicos e tecnológicos que estão em curso, designadamente, no plano da digitalização e robotização;
- no fortalecimento dos Serviços Públicos e das estruturas da Administração Pública, com a recuperação de estruturas desactivadas ou desmanteladas, nomeadamente os gabinetes de estudo e planeamento, e assumindo, sem preconceitos neoliberais, todas as potencialidades de um Estado produtor de bens e serviços;
- na política de pleno emprego apontada pela Constituição da República como desígnio nacional;
- na necessária elevação dos salários e alargamento da capacidade de consumo interno, bem como na defesa dos interesses da pequena agricultura e da pesca.
A proposta que hoje aqui adiantamos requer decisões políticas de sentido inverso às que têm sido impostas por sucessivos Governos. Requer também a mobilização de recursos e meios financeiros avultados que devem ser geridos com critério.
Apontamos três vias de financiamento para o investimento que pensamos ser necessário na adopção de uma política de promoção da produção nacional:
- O reforço do investimento público a partir dos recursos próprios nacionais, designadamente por via do Orçamento do Estado;
- o máximo aproveitamento, sem condicionalismos prévios, das verbas resultantes da conjugação dos Quadros Financeiros Plurianuais (o actual e o próximo) e do chamado Fundo de Recuperação (que no conjunto representam cerca de 50 mil milhões de euros segundo fontes oficiais);
- o aproveitamento das possibilidades abertas pela situação de baixas taxas de juro, mobilizando recursos para investimentos criteriosos e com retorno.
O PCP não está sozinho na luta pela produção nacional. Acompanham-nos muitos daqueles que já compreenderam que o futuro do País não se constrói desindustrializando, abandonando a terra e o mar, entregando ao capital estrangeiro aquilo que o Povo português construiu ao longo de séculos. Sabemos que esta perspectiva de defesa dos interesses nacionais enfrenta poderosos obstáculos, desde logo as opções erradas do Governo PS amarrado que está às imposições da UE, mas também daqueles que têm pressa em regressar à política de terra queimada que marcou o período dos PEC do Pacto de Agressão da Troika.
Defender o direito a produzir, é defender o direito ao emprego, a salários dignos, a um desenvolvimento que preserve o meio ambiente, é defender a soberania nacional e deixarmos de ter um País dependente do estrangeiro, dos mercados, da UE. É por esse País soberano, por esse Portugal com futuro que continuaremos a lutar.