Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Produção cultural em risco face à censura financeira deste governo

O PCP apresentou um Projecto de Resolução que Recomenda ao Governo que assegure o apoio às artes e à produção cinematográfica nacional. Miguel Tiago afirmou que A cultura e as artes alternativas ou independentes surgirão sempre como expressões sociais e intelectuais da humanidade e nenhuma política poderá apaga-las.
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Recomenda ao Governo que assegure o apoio às artes e à produção cinematográfica nacional (projeto de resolução n.º 195/XII/1.ª)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Cabe-me apresentar o projeto de resolução do PCP, mas não quero deixar de aproveitar para saudar também os restantes projetos de resolução em discussão, porque todos eles são justificáveis, em particular no contexto em que atualmente se vive na política para a cultura.
A política para a cultura deste Governo é, aliás, a de ausência total no que toca ao apoio à produção e fruição cultural, ausência essa que é instrumento ideológico para a consolidação de uma hegemonia cultural dominante, que é a que tem a capacidade de se impor pela via do mercado, deixando que tudo o que é produção alternativa e independente, que é, curiosamente, a maior parte da produção nacional, seja votada ao abandono e desprovida de qualquer apoio do Estado.
Por esta via, o Governo aplica — já na senda, aliás, do anterior Governo — uma censura financeira sobre a liberdade criativa do povo português e dos seus artistas. Esta política que tem vindo a ser levada a cabo está a conhecer, neste momento, dimensões absolutamente preocupantes e intoleráveis, atingindo as estruturas de criação artística, os realizadores, os produtores, etc.
Estes projetos de resolução incidem quer sobre o apoio às artes promovido através da Direcção-Geral das Artes (DGA) quer sobre o apoio à produção cinematográfica promovido através do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA). Estamos a falar de dois sectores que estão a ser estrangulados pelo incumprimento da lei e o estado a que estamos a chegar é tal que leva esta Assembleia a discutir projetos de resolução — do PCP, do PS e do BE — que recomendam ao Governo o cumprimento da lei, porque este Governo, à semelhança até de algumas práticas de governos anteriores, caminha sempre em políticas de marginalidade, à margem da lei, sem cumprir a própria lei que, em Portugal, deveria regular a atividade e as responsabilidades do Estado nesta matéria.
O PCP propõe algo tão simples como isto: que, no que toca às candidaturas e aos concursos de apoio às artes promovidos pela DGARTES, sejam rapidamente anunciados os prazos, que as candidaturas para o apoio à produção cinematográfica sejam rapidamente descongeladas e que se contrariem, urgentemente, as declarações do diretor do ICA, que afirmou que não haverá concursos em 2012.
Esta resolução torna-se ainda mais urgente no dia em que o Governo respondeu a uma pergunta do PCP — hoje mesmo —, dizendo que, de facto, não haverá lugar a concursos de apoio à produção cinematográfica em 2012. E mais: disse que não serão pagos os compromissos assumidos, a não ser que tenham sido expressamente homologados por um membro do Governo em 2011. Ou seja, candidaturas que podem ter sido aceites pelo júri, mas que, por razões burocráticas ou administrativas, não chegaram à homologação ministerial, não serão apoiadas.
O projeto de resolução do PCP propõe ainda que os compromissos plurianuais do Estado perante as estruturas de criação artística sejam assumidos e que não sejam passíveis de renegociação unilateral, por imposição do Governo (com os cortes), para que, uma vez mais, depois de assistirmos a um corte de 20% do Governo PS, não assistamos agora a um corte de 48% com o Governo do PSD e do CDS!
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados, do PSD e do CDS em particular:
Não estamos perante uma opção financeira ou de uma necessidade de poupança, porque as verbas de que estamos a falar, comparadas com aquelas que disponibilizam para os bancos, para as troicas e para as imposições, são migalhas. Aquilo que estamos aqui a discutir é uma opção política deste Governo de asfixiar a produção cultural e de aplicar uma censura financeira sobre a liberdade de criação e sobre a liberdade artística e criativa em Portugal.
Isso é uma opção política, não é um constrangimento orçamental! O constrangimento orçamental é o vosso instrumento e o vosso pretexto para esmagarem a produção alternativa e independente em Portugal, e esta é uma nota que temos de retirar deste debate.
A Sr.ª Deputada do PSD invocou um dos nomes maiores da cultura portuguesa para justificar os «pontapés» que este Governo quer dar na cultura. Isto só lhe fica mal, Sr.ª Deputada! Deixe-me que invoque artistas portugueses da atualidade e que cite declarações que fizeram sobre a situação atual, não para dar «pontapés» na cultura mas, sim, para a defender.
Podemos ler no Jornal de Letras, Artes e Ideias (JL) desta semana, em texto de Edgar Pêra, que nem mesmo na «época de ouro» o cinema português «(…) foi, no seu tempo, sucesso de bilheteira. Esse sucesso foi garantido graças às emissões televisivas futuras. O cinema em Portugal é antes de mais património (cultural). Enquanto o sistema não entender as vantagens da criação desse património, não haverá uma política coerente.» E diz-nos Teresa Villaverde: «Nem toda a produção é de qualidade, mas toda é necessária. É produzindo que se cresce. (…) Se deixar de haver apoio do Estado à arte cinematográfica, deixa de haver cinema português.»
Sr.ª Deputada, pondere estas frases antes de nos lançar «nevoeiro à vista».

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