Processo de Bolonha: um passo mais no caminho do federalismo

 

Processo de Bolonha: um passo mais no caminho do federalismo
Declaração de Jorge Pires, da Comissão Política do PCP

Em Outubro de 2004, independentemente da bondade do discurso dos que viam no Processo de Bolonha a resposta para as dificuldades que se vive no Ensino Superior em Portugal o PCP, no seu Encontro Nacional sobre a situação da Educação em Portugal, afirmou que a Declaração de Bolonha tinha dois objectivos óbvios mas não declarados: a elitização económica do ensino superior condicionando-o aos interesses do grande capital e a privatização progressiva do ensino superior público.Eram muitos aqueles que na comunidade académica tinham grandes expectativas face a Bolonha.

Hoje, conhecedores das consequências que já se fazem sentir nas nossas universidades e politécnicos, muitos mais começam a ganhar consciência de que estamos perante um processo de transformação das escolas de ensino superior da Europa, cujo sentido é evidente – um melhor ajustamento aos novos interesses do grande capital industrial e financeiro e que, ao contrário dos objectivos enunciados na estratégia de Lisboa, o que vamos ter não é certamente mais conhecimento, mais investigação e mais inovação.

Com a opção dominante de um primeiro ciclo, correspondente à licenciatura, com a duração de três anos (à excepção de alguns poucos cursos), o aluno que finalizar este primeiro ciclo fica com um nível de formação só formalmente apropriado para ingressar no mercado de trabalho. Isto significa que os que venham a concluir somente o primeiro ciclo, que serão aqueles com menos poder económico, terão acesso apenas aos conhecimentos técnicos básicos, ficando para os outros, os que têm poder económico, o acesso à formação avançada, à cultura e à ciência.

Neste processo de elitização dos segundos ciclos é claro o objectivo de fazer corresponder às elites económicas as elites intelectuais.

Estamos pois perante um processo que visa uma profunda transformação das qualificações académicas e profissionais, cujos objectivos reais são o encurtamento das frequências escolares para as massas, a estratificação de qualificações e de instituições de Ensino e de Investigação, dentro de cada país e entre países, a selecção dos melhores estudantes, isto é com melhor “desempenho”, para as grandes escolas Europeias, nos países do núcleo duro da velha Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, agora também da industria aeroespacial, biotecnologia, telecomunicações, etc..

Portugal ao contrário do que afirmam os nossos governantes continuará, também a este nível a ser um País periférico, com as chamadas universidades de referência localizadas nos países mais poderosos da União Europeia.

O Governo do PS insiste em apresentar Bolonha com o discurso da sociedade do conhecimento, da harmonização de qualificações, da internacionalização, da mobilidade de estudantes, docentes e investigadores, da formação ao longo da vida. Mas o conteúdo real de tudo isto é a irreversível tendência para a “formação” de força de trabalho, subalternizando a “instrução” e esquecendo a “educação”. É o fim de carreiras estáveis ou previsíveis; é a precarização e a flexibilização do trabalho; é a perda de direitos e garantias sociais para um emergente “proletariado intelectual”, em paralelo com a “produção” acelerada de uma elite de gestores, investigadores e quadros técnicos altamente disputados e remunerados. Os resultados desta política aprofundarão as consequências já hoje sentidas por milhares de licenciados que continuam a aumentar o exército de desempregados.

Como se a mobilidade de estudantes, professores e docentes não fosse apanágio do Ensino Superior desde a Idade Média até ao presente.
Como se os estabelecimentos de ensino devessem e pudessem assumir responsabilidades na empregabilidade.
Como se a harmonização anunciada precisasse de violentar a soberania de cada Estado membro e de ferir a autonomia e as estruturas de funcionamento dos estabelecimentos de ensino.
Como se o “Processo de Bolonha” tivesse de facto caminhado no sentido da anunciada harmonização, o que não se verifica, antes mantendo-se as dificuldades objectivas de comparabilidade de qualificações.
Como se o processo de reforma do Ensino Superior pudesse ter oportunidade de sucesso sem a participação directa e cooperação, desde as fases iniciais do seu desenvolvimento, das universidades e politécnicos, das ordens profissionais, dos sindicatos de professores, das sociedades científicas e dos estudantes organizados nas suas associações.

Mas o processo de Bolonha é também mais um passo no sentido do federalismo. Cada vez mais o processo é dirigido por um executivo comandado pela Comissão Europeia cumprindo exclusivamente os objectivos neoliberais e federalistas que se propõe.
A natureza humanista e universal do ensino do Ensino Superior confere-lhe propriedades de bem público internacional com espaço para a concertação intergovernamental. Mas, através do Espaço Europeu de Ensino Superior e do processo de Bolonha, a União Europeia pretende impor a jurisdição supranacional ao Ensino Superior que deixa de ser supervisionado pelo estado soberano e realizado por estabelecimentos com autonomia científica e pedagógica.

Na sequência dos desenvolvimentos do processo de Bolonha, o Ensino superior deixa de seguir padrões de serviço público nacional e passa a seguir padrões e ser tratado como um bem público de dimensão regional, vendo-se alvo de regulamentação no âmbito dos “Serviços de Interesse económico Geral”, sendo tratado como um serviço comercial sujeito às regras do mercado único, integrando-se na lógica do capital de busca constante de novas oportunidades de negócio. Para os que ainda têm dúvidas da importância do processo de mercantilização deste sector, em curso em toda a Europa refira-se que o ensino representa anualmente um importante movimento de capitais que ronda os duzentos mil milhões de dólares, ou seja o dobro do mercado automóvel mundial.

É neste contexto que caracterizamos as políticas de subfinanciamento crónico a que tem sido sujeito o Ensino Superior em Portugal, com particular destaque  para os cortes orçamentais previstos para 2007, o que é visto como um escândalo nacional sem precedentes.

Mas não se pense que estamos perante uma situação em que foram principalmente preocupações com o défice das contas públicas, que  determinaram os cortes.
Estamos sim, também neste sector, perante uma opção política, muito marcada no plano ideológico com as teses do neoliberalismo, de crescente desresponsabilização do Estado,

sustentada na tese de que o investimento no ensino superior é um investimento no indivíduo e não no país e com este argumento obrigarem as famílias a suportar cada vez mais os custos com a formação dos jovens, contrariando desta forma o espírito e a letra da Constituição da República Portuguesa.

Quando todos os estudos indicam que as principais causas do abandono e do insucesso escolares, radicam nas dificuldades económicas das famílias, a opção do Governo PS, de estrangular financeiramente as escolas de ensino superior vai ao encontro de soluções que penalizam os estudantes, como a fixação de propinas incomportáveis à bolsa da grande maioria deles para o segundo ciclo, mas também o aumento significativo das propinas para o primeiro ciclo.
É de assinalar que já hoje existem propinas fixadas para o segundo ciclo da ordem dos 2700 euros e que na generalidade das universidades já se fala em valores que vão desde os 1500  até 4000 euros.

A humilhação que fez de professores e alunos num recente debate televisivo, sobre as questões orçamentais, ao afirmar entre outras coisas que os «professores convidados são um desperdício», o Ministro da Ciência e do Ensino Superior, deixou cair de vez a máscara de pessoa competente e interessada, mostrando claramente que é mais um membro do governo empenhado na concretização de uma estratégia, cujas consequências serão profundamente negativas para o desenvolvimento do país.

A situação que se vive no Ensino Superior em Portugal, não é nem uma inevitabilidade nem é irreversível.
Hoje o que está em causa é saber se o sistema Europeu de Ensino Superior ganhará ou perderá no seu confronto entre blocos político-económicos mundiais; esse é um problema dos grupos capitalistas em confronto; mas esse confronto não é a causa dos povos Europeus, não é a causa do povo português que se vê sacrificado no seu acesso universal e gratuito à educação.
 
O PCP tudo fará no sentido da defesa de uma verdadeira reforma do ensino superior em Portugal.
Uma reforma que exige a reconfiguração do Ensino Superior Público, com a integração num sistema harmonioso de todas as universidades e institutos politécnicos com respeito pela identidade, especificidade e criatividade de cada instituição e a definição de um quadro geral de áreas científicas no ensino superior ainda flexível e evolutivo.
Um Ensino Superior Público que habilita os cidadãos para serem os criadores de um país avançado, consciente e democrático e que harmonize as necessidades de desenvolvimento do país com as opções e preferência dos candidatos através de um sistema de acesso que considere como fundamental a avaliação contínua no ensino secundário, complementada com a realização de provas nacionais de capacidade absoluta.

Na prossecução deste objectivo considera-se que o ensino superior é uma questão nacional e não meramente individual, pelo que o financiamento deve ser entendido como um investimento sobretudo no país e não apenas no indivíduo. Neste sentido o PCP defende a revogação da actual Lei do Financiamento do Ensino Superior e a aprovação  de novas regras, mais justas, contidas num novo diploma legal, sem recurso ao pagamento de propinas, onde os níveis de financiamento sejam os adequados de forma a garantir um ensino e uma investigação de qualidade, possibilitando que estes se possam afirmar autónomos do poder político e independentes do poder económico.

Uma verdadeira reforma que considere que a Investigação e o Desenvolvimento é parte integrante da missão das diversas instituições do Ensino Superior e, como tal, tem de fazer parte do quotidiano dos seus docentes. A investigação deve estar intimamente ligada ao ensino de forma que o envolvimento dos docentes nas duas vertentes da sua actividade seja estimulante e útil, quer para o seu trabalho, quer para o trabalho dos alunos.

 

Processo de Bolonha: um passo mais no caminho do federalismo
Documento elaborado pelo
Grupo de Trabalho do PCP para as Questões do Ensino Superior

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