Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

Procede à terceira alteração à Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico do sector empresarial local e suspende a possibilidade de criação de novas empresas

(proposta de lei n.º 11/XII/1.ª)

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado,
Ouvimos com atenção a apresentação desta proposta de lei do Governo e também a sua fundamentação. Reconhecemos a necessidade de intervir sobre este sector, reconhecemos um conjunto de problemas. No entanto, consideramos que qualquer intervenção em relação ao sector empresarial local deve ser sempre em cumprimento dos princípios constitucionais e garantindo a autonomia do poder local democrático.
Na sua intervenção, parece que não há responsáveis e que ninguém criou estas empresas municipais, mas a verdade é que há um regime das empresas municipais que permitiu chegar onde chegámos e houve também, aqui, uma falta de intervenção.
Não podemos esquecer que a maioria das autarquias do nosso País é gerida quer pelo PSD, quer pelo PS e, tendo em conta a preocupação manifestada pelo Sr. Secretário de Estado, a questão que colocamos é a de saber por que é que os eleitos locais, quer do PSD, mas, naturalmente, também do PS, não actuam sobre os problemas. É que, se criaram essas ditas empresas municipais, também podem decidir a sua extinção e a sua fusão.
De facto, há aqui uma falta de actuação por parte dos eleitos locais, quer do PSD, quer do PS, pelo que importa questionar por que é que nada foi feito.
Uma outra questão que queremos colocar tem a ver com a suspensão da criação de novas empresas municipais. Na proposta do Governo, surge, em primeiro lugar, de facto, a determinação para impedir a sua criação, mas, logo a seguir, é criada uma excepção. Ou seja, suspende-se a criação, mas, logo a seguir, suspende-se a suspensão da criação. A questão que colocamos é esta: afinal de contas, em que é que ficamos? Quer-se ou não suspender a criação de novas empresas municipais?
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Embora se esteja a discutir esta proposta do Governo de uma forma isolada, esta iniciativa não pode ser analisada apenas por esse prisma, deve ser vista conjuntamente com as restantes medidas já anunciadas pelo Governo.
O que está em cima da mesa é a subversão do poder local democrático, enquanto conquista da Revolução de Abril, e a pretexto da má gestão de empresas municipais, que sabemos que existe e que combatemos, o que o Governo pretende é atacar o poder local democrático e o sector público.
Rejeitamos a tentativa de responsabilização das empresas municipais — e, por este caminho, do poder local democrático — pelo défice das contas públicas, quando só cerca de 1% da dívida pública é referente à administração local.
O PCP admitiu a criação de empresas municipais e intermunicipais como um instrumento para melhorar a eficácia e a operacionalidade da resposta às populações, mas assente em dois princípios: a não admissão de capitais privados e o controlo apertado do órgão executivo, que definia sempre as opções políticas. PSD, PS e CDS nunca permitiram que estes princípios constassem na lei.
A verdade é que, nos últimos anos, assistimos à criação desenfreada de empresas municipais para tudo e mais alguma coisa, com procedimentos pouco transparentes e promíscuos. Reconhecemos que há clientelismo, desvios, abusos e desmandos.
Mas por que não se atacam? Os eleitos do PSD e PS gerem a maioria destas câmaras municipais! Por que não actuaram?
Não é preciso uma lei para extinguir e fundir empresas municipais ou suspender a sua criação, já têm esse poder!
PSD e PS discutem este assunto como se não tivessem nenhuma responsabilidade. Há que apurar os responsáveis, e eles são os partidos políticos que aprovaram o actual regime do sector empresarial local, com os votos contra do PCP — sublinhe-se, com os votos contra do PCP.
Os responsáveis são quem reduziu os poderes de tutela dos órgãos autárquicos sobre as empresas municipais e permitiu o esvaziamento de competências das autarquias, impedindo o controlo democrático da sua execução. Não foi o PCP; foram o PS, o PSD e CDS!
Então, agora, para resolver o problema que os próprios criaram, vem o Governo apresentar uma proposta que impõe uma tutela de mérito sobre as autarquias! E isto viola a Constituição da República Portuguesa, pois esta só prevê a tutela administrativa. As autarquias não são
entidades subordinadas ao Governo, são detentoras de autonomia.
Por isso, discordamos da proposta de retenção de 20% do duodécimo das transferências correntes do Fundo Geral Municipal no caso de as autarquias não enviarem as informações previstas.
Em relação à suspensão da criação de novas empresas municipais e ao adquirirem participações em sociedades comerciais, a proposta do Governo é contraditória, como já aqui referimos: primeiro, suspende-se mas, depois, permitem-se as ditas excepções. Mas há que referir que estas excepções são permitidas, como está na proposta do Governo, desde que autorizadas pelos membros do Governo das áreas das finanças e da administração local. Sr. Secretário de Estado, é ou não uma tutela de mérito? Viola ou não a nossa Constituição?
O Governo, tão preocupado com a má gestão das empresas municipais, não apresenta a mesma preocupação com as empresas multimunicipais, para o abastecimento de água, o saneamento e o tratamento de resíduos sólidos urbanos.
Bem sabemos que não é sector empresarial local, mas estas empresas assentam num modelo de extorsão das autarquias. Porque não quer o Governo intervir neste sector?
Porque, certamente, não lhe interessa, não é, Sr. Secretário de Estado?!
Porque as Águas de Portugal mantêm o monopólio neste sector, extraem extraordinários lucros com esta actividade e porque — lá está! — o Governo tem objectivos de privatizar a Águas de Portugal. Então, é melhor deixar tal e qual como está.
Entendemos que nas situações de decisão pela extinção de empresas municipais as competências atribuídas devem regressar aos respectivos municípios. A perspectiva de privatização de sectores e de competências das autarquias não pode ser o caminho. Entregar competências municipais a entidades privadas só irá degradar a qualidade dos serviços prestados, com custos mais elevados para os municípios.
O PCP defende o carácter público dos serviços prestados pelos municípios e o reforço do poder local democrático, com capacidade de resposta eficiente na resolução dos problemas das populações. Estamos disponíveis para intervir no sector empresarial local, mas sempre nesta perspectiva: a da preservação da autonomia do poder local democrático.

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