Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

Procede à sexta alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, simplificando formalidades e procedimentos e instituindo o processo especial de revitalização

(proposta de lei n.º 39/XII/1.ª)

Sr. Presidente,
Sr.ª Ministra,
Ouvimo-la em silêncio e com atenção, portanto, queria formular-lhe um pedido de esclarecimento que tem a ver com uma afirmação inicial da sua intervenção, relativa aos objetivos com que o Governo apresenta esta proposta de lei.
Disse a Sr.ª Ministra que o objetivo, em primeiro lugar, é o da recuperação das empresas, em detrimento da opção pela liquidação do património e, portanto, pela insolvência da empresa, objetivo em relação ao qual — julgo — haverá acordo unânime. E acrescentou a Sr.ª Ministra que isso será feito salvaguardando os direitos dos interessados no processo, em particular os dos trabalhadores.
Todavia, em referência a este procedimento especial de recuperação de empresas, em concreto, o n.º 2 do artigo 17.º-H prevê que os créditos dos trabalhadores, na graduação, possam ser ultrapassados pelos créditos daqueles credores que financiem a empresa no âmbito desse procedimento. Ora, eu gostava que a Sr.ª Ministra nos explicasse como é que essa medida defende os direitos dos trabalhadores!…
A verdade, Sr.ª Ministra, é que, em confronto com a solução da insolvência da empresa e da liquidação do património para satisfazer os interesses dos credores, pelo menos neste aspeto, os trabalhadores terão interesse em que haja a declaração de insolvência e não a recuperação da empresa, e isto é contraditório, porque os trabalhadores são os primeiros interessados na manutenção da empresa e dos seus postos de trabalho! No entanto, se essa for a solução, veem prejudicados os seus créditos em função de outros credores.
Portanto, Sr.ª Ministra, gostava que pudesse explicar, mais detalhadamente, como é que esta solução que o Governo prevê, de prejuízo dos créditos dos trabalhadores na sua graduação, afinal de contas, acaba por beneficiá-los
(…)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Sr.ª Ministra da Justiça:
Os problemas com a insolvência atingem hoje não só milhares de empresas, mas também milhares de cidadãos. Bem podemos mudar o nome e a ordem com que os conceitos aparecem na legislação que a verdade é que, se não se mudarem as políticas, continuaremos com a mesma realidade.
Se não se alterarem as políticas que atacam os salários, que atacam o poder de compra das pessoas, que colocam milhares de cidadãos em circunstâncias relativamente às quais não podiam ter qualquer perspetiva de previsão, obviamente que esta realidade não se irá alterar.
Mas, em concreto, em relação às questões da insolvência e, em particular, em relação às questões das insolvências que se colocam relativamente às empresas, há problemas gravíssimos que resultam, em particular, para os trabalhadores.
E podemos lançar mão de um exemplo concreto, o da Mundet, uma empresa que encerrou em 1988, na altura com milhares de contos de créditos para os trabalhadores, situação que só mais de 20 anos depois foi resolvida, com o pagamento de quantias (para não dizer pior, Sr.ª Ministra) que são ofensivas para aqueles trabalhadores.
Estes são problemas de fundo que têm a ver, sobretudo, com aquilo que é a graduação dos créditos, porque os créditos dos trabalhadores ficam sempre para trás. E não falo só na graduação dos créditos no âmbito dos privilégios creditórios mobiliários, em que os trabalhadores são dos últimos a receber; tem também a ver com a própria prevalência de privilégios creditórios imobiliários especiais, que prevalecem sobre os privilégios creditórios mobiliários gerais e que, portanto, prevalecem sobre aqueles que são os créditos dos trabalhadores e que, afinal de contas, se traduzem naquilo que aconteceu na Mundet, com injustiças inaceitáveis para os trabalhadores.
Por isso, Sr.ª Ministra, coloquei-lhe a questão relativamente à preocupação que manifestou quanto a esta questão dos direitos dos trabalhadores e da satisfação dos créditos dos trabalhadores. É que a proposta de lei não só não resolve os problemas que hoje existem do ponto de vista dos privilégios creditórios, que são injustos para os trabalhadores, como acrescenta este fator de injustiça no âmbito do processo especial de revitalização.
E se a preocupação com os trabalhadores era essa porque é que não se clarificou, de uma vez por todas, a isenção de custas para o Fundo de Garantia Salarial e para os trabalhadores quando reclamam créditos salariais no âmbito destes processos? Há, de facto, uma diferença entre a afirmação de intenções e a afirmação de objetivos e as propostas concretas que se apresentam.
Sr.ª Ministra, sobre esta proposta de lei, quero dizer-lhe, com muita clareza, o seguinte: obviamente, estamos de acordo com uma perspetiva de vantagem à recuperação da empresa do que à insolvência — estamos nós e estarão todos os credores, trabalhadores incluídos, como é óbvio, porque os trabalhadores são os primeiros interessados na manutenção dos seus postos de trabalho.
Mas, Sr.ª Ministra, pôr em marcha um processo especial de revitalização de uma empresa, que acaba por traduzir-se ou pode vir a traduzir-se num prejuízo para a graduação dos créditos dos trabalhadores, obviamente que nem os trabalhadores têm interesse nisso, passando a ter interesse, sim, na insolvência da empresa.
Mas estamos em crer que este processo especial de revitalização proposto pelo Governo dificilmente poderá ser eficaz para cumprir os objetivos que o Governo refere, podendo mesmo trazer mais problemas para os credores, incluindo os trabalhadores.
Entendemos igualmente que a proposta de lei não protege como devia o património, na perspetiva da sua preservação, na perspetiva da preservação da massa insolvente, em empresas que possam vir a estar em recuperação ou em relação às quais possa vir a ser declarada a insolvência.
Igualmente entendemos, Sr.ª Ministra, que a tentativa de responsabilização de quem provoca a insolvência acaba por contrastar com a dificuldade de qualificação da própria insolvência como culposa. É que esse é um dos problemas que já hoje verificamos, nomeadamente com os requisitos da culpa grave, que determina, em muitos casos, que situações verdadeiramente culposas relativamente à situação de insolvência da empresa não possam, depois, ter como consequência a responsabilização de quem colocou a empresa naquela situação.
Mais concretamente, Sr.ª Ministra, em relação ao processo especial de revitalização da empresa, gostaria de dizer-lhe o seguinte: temos estas objeções, tendo em conta as propostas concretas que constam da lei. Em primeiro lugar, com a possibilidade de entendimento entre um devedor e apenas um dos credores, o que obviamente pode revelar-se em prejuízo dos restantes credores — e essa é uma preocupação que deveria ser tida em conta e que na proposta de lei não o é.
Uma outra questão, Sr. Ministra, tem a ver, no âmbito do processo especial de revitalização, com um «cheque em branco» pela inexistência de qualquer previsão legal em relação à forma como podem ser negociados os créditos do Estado. Trata-se de uma verdadeira negociação com um «cheque em branco», sem qualquer tipo de definição em relação à forma como esta negociação pode ser feita, em relação aos termos e aos limites impostos na negociação dos créditos do Estado?
Em relação à defesa do património, Sr.ª Ministra, as dificuldades que são impostas, por exemplo, para a resolução de negócios prejudiciais à massa insolvente ou, em termos de redução de prazos, para a afetação de créditos à própria insolvência são duas dificuldades acrescidas.
Por insuficiência de tempo, Sr.ª Ministra, não posso detalhar mais as nossas objeções concretas em relação a esta proposta de lei, mas pode contar, Sr.ª Ministra, que, caso a proposta de lei baixe à comissão, iremos, em sede especialidade, apresentar propostas de alteração. Temos objeções de fundo em relação a esta proposta de lei que não nos permitem acompanhá-la.

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