Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

Procede à quarta alteração à Lei n.º 5/98, de 31 de janeiro, determinando um novo modelo de designação do Governador do Banco de Portugal e dos demais membros do Conselho de Administração

(projeto de lei n.º 835/XII/4.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
O processo de globalização financeira das últimas décadas assentou na desregulamentação dos mercados financeiros e no desmantelamento de estruturas e mecanismos de regulação e de controlo.
A livre circulação de capital criou condições para o crescimento exponencial da atividade especulativa, desligada da economia real e das atividades produtivas criadoras de riqueza. O resultado deste processo é bem conhecido: uma sucessão de crises financeiras cada vez mais frequentes e destruidoras, com especial destaque para a crise financeira de 2007, em que as faturas, pesadíssimas, das operações de salvamento da banca foram apresentadas aos povos.
Desde 2007, em Portugal, têm sucedido os escândalos em bancos privados, nomeadamente no BPN, no BPP, no BCP e no BANIF e, agora, também no BES, envolvendo ou indiciando a existência de práticas e operações de manipulação de dados e contas, fuga e branqueamento de capitais, especulação e tráfico de influências.
Os governos, o anterior, do PS, e o atual, do PSD/CDS, têm tentado passar a ideia de que estes escândalos na banca e a sangria de recursos públicos para o setor financeiro podem ser travados com mais e melhor supervisão, desdobrando-se em iniciativas legislativas no âmbito da supervisão do sistema financeiro.
Mas a verdade é que estes problemas não se resolvem com mudanças cosméticas no sistema de supervisão e regulação. O problema é bem mais sério. Tem a sua origem nos processos e reconstituição dos grandes grupos económicos privados, na «financiarização» da economia, na política de promiscuidade e de subordinação do poder político ao poder económico e na cumplicidade, passividade e impotência de reguladores, supervisores, auditores e poder político.
As sucessivas alterações legislativas realizadas nos últimos anos, quer pelo atual Governo, do PSD/CDS, quer pelo anterior Governo, do PS, no âmbito da regulação e supervisão do sistema financeiro, não resolveram o problema. Os portugueses continuam a ser chamados, ano após ano, a pagar milhares de milhões de euros pelos desmandos dos bancos privados.
A isto acresce ainda o facto de o processo de concentração e centralização do setor bancário na União Europeia, a chamada união bancária, ter implicado a perda de poderes de controlo, de regulação e intervenção sobre a banca que o Estados ainda detinham, limitando ainda mais a possibilidade de este setor estratégico ser colocado ao serviço do desenvolvimento do nosso País.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, discutimos hoje mais uma iniciativa legislativa, desta vez apresentada pelo PS, sobre o modelo de designação do Governador do Banco de Portugal. É óbvio que esta alteração legislativa não resolve qualquer problema do sistema financeiro e de supervisão, não reforça a independência do Governador e do Banco de Portugal e, tendo em conta que o novo Governador do Banco de Portugal será nomeado antes das próximas eleições legislativas, esta é mais uma disputa entre PS e PSD pela captura do poder de nomeação do Governador e dos demais membros do Conselho de Administração.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Reafirmamos que o problema não está em mais ou menos supervisão, ou no modelo de designação do Governador do Banco de Portugal mas, sim, no facto de o setor bancário nacional ter sido entregue aos grandes grupos económicos privados que o utilizam como alavanca para a concentração e centralização de capital. O que o País precisa mesmo é que as atividades financeiras sejam postas sob o controlo e o domínio públicos, colocando-as ao serviço de interesses nacionais.

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