(projeto de lei n.º 898/XII/4.ª)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado José Manuel Canavarro,
Ultimamente, tem havido muitos — e, por vezes, até demais — apelos ao consenso, procurando-se impor determinadas opções políticas que não podem merecer acordo. Apesar de tudo, ainda há, no nosso País, matérias que são merecedoras de consenso. Aliás, foram merecedoras de consenso há quase 20 anos e devem continuar a sê-lo.
O consenso não se consegue fazer por decreto e não se consegue fazer de um dia para o outro. Implica trabalho conjunto, implica convergência, implica respeito e até tempo para o aprofundamento da discussão e para a oportunidade de o trabalho conjunto se desenvolver.
Registámos que, no passado dia 15 de fevereiro, a Assembleia da República recebeu uma carta do Sr. Ministro Mota Soares pedindo a distribuição, pelos grupos parlamentares, do dossier relativo a esta matéria, por solicitação, de setembro de 2014, do Conselho Nacional para a Economia Social e sabemos que as estruturas do movimento cooperativo tiveram a intenção de contribuir para que o processo de revisão se aproximasse, no essencial, do que foi conseguido em 1996, em que o atual Código Cooperativo foi aprovado por unanimidade.
A questão que se coloca, Sr. Deputado, tem a ver com as circunstâncias, diria, mais precárias em que esse trabalho de convergência agora se coloca à nossa frente.
Quando temos em conta que um projeto foi colocado à discussão de uma semana para a outra, com alterações no texto, as quais estamos agora a identificar — são alterações relativas à entrega do novo texto, que foram feitas anteontem, salvo erro, e aparece na base de dados uma última entrega, alguns pormenores —, e sabendo que a Comissão de Segurança Social e Trabalho está confrontada com vários processos legislativos simultâneos, que, seguramente, não serão despachados desta semana para a próxima, a questão que se coloca é a seguinte: qual é a perspetiva e com que meios é que o Sr. Deputado considera que esse debate se pode fazer?
Não estamos perante uma matéria que é, em si, merecedora de atenção e de aprofundamento, em que a pressa não é boa conselheira, Sr. Deputado?
Não estamos perante uma circunstância em que o debate mais aprofundado, em que o debate mais participado, em que a abertura para essa reflexão deve ser feita não nas vésperas do fim de mandato, mas numa circunstância de outra abertura e de outra perenidade?
Portanto, Sr. Deputado, a pergunta que lhe coloco é a seguinte: que disponibilidade é que tem a maioria — uma vez que o projeto de lei foi apresentado pelo PSD e pelo CDS — para que esta proposta não seja votada, nem considerada agora, para ter de fechar, rapidamente e em força, um processo que, assim, dificilmente obteria a unanimidade que obteve em 1996?
A questão que se coloca e em relação à qual o Sr. Deputado mencionou é a de que, em muitas matérias, houve convergência no trabalho conjunto, mas o Sr. Deputado sabe que as matérias em que não foi possível obter convergência foram precisamente aquelas que corresponderam, em muitos casos, a opções de fundo e não a meras questões de pormenor.
Portanto, não temos uma discussão fácil e rápida pela frente em matérias que são decisivas para o futuro do cooperativismo.
É por isso que pergunto ao Sr. Deputado se não estaremos perante uma circunstância em que o debate e o movimento cooperativo português ganhariam com uma discussão ampla, participada e aprofundada a partir da Assembleia da República, com circunstâncias que não as de termos, agora, o fim de mandato à vista e pouquíssimo tempo para esse trabalho de especialidade.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
A primeira palavra do PCP nesta intervenção é dirigida ao movimento cooperativo, à dedicação e ao esforço criador de milhares e milhares de homens e mulheres que contribuem para o desenvolvimento ou, neste caso, contrariam este caminho de retrocesso que este Governo nos quer impor.
Sublinhamos a questão que é, para nós, central neste debate, a questão dos princípios cooperativos. O que está em vigor, e deve continuar, é a consagração do princípio de um cooperador, um voto; é a consideração de que os membros da cooperativa aderem e participam, com a sua atividade, não por expetativas de remuneração do capital investido mas, sim, para a satisfação das suas necessidades, assegurando a sua independência política face a financiadores externos.
O que o PSD e o CDS-PP vêm propor com este projeto de lei é uma coisa diferente: propõem a criação da figura do membro investidor, que não coopera para a satisfação das suas necessidades, antes investe o seu capital na cooperativa para obter uma determinada remuneração. Alegam que a promoção do investimento em cooperativas necessita de ser acompanhada pela participação política na cooperativa, mas, com esse argumento, pretendem que cada membro passe a ter até 10% dos direitos de voto da cooperativa, assegurando que a totalidade destes membros investidores tenha, no seu conjunto, 50% desses direitos. Ou seja, com esta proposta e apesar de reafirmarem, no artigo 3.º, o cumprimento dos princípios cooperativos, na prática, rejeitam o princípio da gestão democrática, que nas cooperativas de primeiro grau assegura que cada cooperador tem apenas um voto. Isto é indesmentível, Srs. Deputados!
Assumem, nos artigos 16.º e 41.º, a possibilidade do voto plural, que poderá atribuir mais direitos de voto a cooperadores com maior antiguidade ou maior atividade na cooperativa. Isto não é o princípio da gestão democrática.
Os partidos da maioria, com esta proposta, permitem que um determinado membro da cooperativa que não tenha qualquer motivação de satisfação das suas necessidades através da atividade cooperativa veja assegurada a remuneração do seu capital, como se de uma qualquer sociedade comercial se tratasse. Uma opção como esta, além de colocar em causa o princípio da gestão democrática e o da participação democrática, pode colocar em causa o princípio da autonomia e da independência. Haja seriedade, Srs. Deputados!
Ninguém nega a possibilidade de cooperativas se associarem com entidades privadas de tipo claramente capitalista e que prossigam determinado fim. Em nenhum momento o PCP defendeu que não exista essa possibilidade. A diferença é que esse tipo de associação, também já previsto no Código em vigor, não tem de resultar numa cooperativa, em si mesma, mas terá de respeitar os princípios cooperativos da autonomia e da independência.
O PSD afirmou, sobre a proposta da maioria, neste debate, que este é um código de liberdade. É caso para relembrar aqui a frase de um certo frade dominicano francês, eleito na Constituinte francesa de 1848, que, entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, entre o senhor e o servo, é a liberdade que oprime e a lei que liberta. A liberdade de que os senhores falam é a que permitiria que interesses distantes, diríamos até contrários, do cooperativismo usassem esse regime e esse código como uma gazua para entrar nas cooperativas e também aí construir uma posição dominante. Isso não é consenso, Srs. Deputados! É romper o consenso, por opção deliberada, em benefício de certos setores do poder económico.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP não exclui a perspetiva de, noutro contexto de participação, com outros prazos e outra abertura, podermos trabalhar em conjunto na atualização, na modernização, no aperfeiçoamento, em diversos aspetos do Código Cooperativo, mas importa aqui esclarecer que estas alterações que a maioria quer introduzir não têm nada de novo, nem moderno, nem inovador. Elas são o regresso à proposta de 1994, do Governo PSD/Cavaco Silva.
E ainda nos lembramos do desfecho infame que elas tiveram. Não queiram impor, pela força da maioria, o regresso a esse cenário, Srs. Deputados.
O que deverá contribuir, efetivamente, para o desenvolvimento do movimento e iniciativa cooperativos não serão tanto as soluções legais e jurídicas ou alterações profundas no quadro legal atual, embora não enjeitemos essa atualização, mas a promoção de políticas públicas, cumprindo a Constituição, que discriminem positivamente as organizações cooperativas, facilitem o seu acesso ao financiamento, atribuam às cooperativas a possibilidade de se autofinanciarem, isentando fiscalmente os seus resultados exclusivamente aplicados e investidos na cooperativa, promovam os princípios e a iniciativa cooperativos, etc.
Sobre a promoção do acesso a investidores, não será através da sua participação na gestão que deverá ser consagrada essa possibilidade, antes pelo acesso à informação económica e sobre a sua atividade, no acompanhamento à participação e, até, intervenção, sem direito de voto, nas assembleias, o que já está previsto para os investidores em títulos e obrigações das cooperativas.
É preciso recordar a longa lista de cooperativas que se modernizaram, concentraram e investiram e que acabaram por fechar por falta de apoios dos sucessivos governos. Isto foi muito visível em certos setores, incluindo nas cooperativas agrícolas. Não foi o Código Cooperativo que as levou ao encerramento.
Há um caminho a percorrer para defender as cooperativas e o cooperativismo, mas esta proposta do PSD/CDS aponta no sentido contrário. É caso para dizer, Srs. Deputados, que, «para pior, já basta assim». Falam num processo de participação e discussão que foi levado a cabo durante meses, isso poderia ser aceitável se a proposta que aqui trouxessem fosse a que resultou desse debate, mas o projeto que aqui trazem não é o mesmo documento.
O documento é outro e, sobre este documento, que está em debate, não foi devidamente ouvida a Cooperativa António Sérgio para a Economia Social. Estamos a falar de um outro documento que não é este.
Voltamos a dizer, Srs. Deputados: «para pior, já basta assim»!