Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

Procede à interpretação autêntica do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 55/2010, de 24 de dezembro (reduz as subvenções públicas e os limites máximos dos gastos nas campanhas eleitorais), na redação dada pela Lei n.º 1/2013, de 3 de janeiro

(projeto de lei n.º 631/XII/3.ª)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
O debate que hoje aqui fazemos não é um debate sobre o financiamento dos partidos ou o corte das subvenções aos partidos e às campanhas eleitorais.
Esse debate foi feito, no essencial, em 2010 e em 2012, e nele os partidos expressaram posições muito diferenciadas. De resto, em dois processos legislativos que, ao contrário do que deixou subentendido o Sr. Deputado José Magalhães, são efetivamente dois processos legislativos, dos quais resultaram duas leis: a Lei n.º 55/2010 e a Lei n.º 1/2013. E é sobre esta última que estamos aqui hoje a discutir.
Da parte do PCP, sobre essa matéria, reafirmamos a posição que sempre temos assumido: o financiamento dos partidos ou das campanhas eleitorais deve ser assegurado na base essencial de formas de financiamento próprio, através da livre atividade política ou da contribuição militante e individual, num quadro de respeito pela liberdade de organização de cada partido, com as devidas exigências de transparência.
Apresentámos, ao longo dos anos, inúmeras propostas nesse sentido, das quais destacamos o projeto de lei n.º 317/XI, ao qual, de resto, já aqui foi feito referência, em que o PCP propunha que as subvenções do Estado aos partidos e às campanhas eleitorais tivessem uma redução drástica — entre 50% a 66% de corte.
Essas continuam a ser as soluções que defendemos quanto à questão das subvenções do Estado aos partidos e às campanhas eleitorais. Mas o debate que hoje aqui fazemos é um debate diferente.
Este já não é um debate sobre a posição de cada partido acerca do financiamento dos partidos ou do corte das subvenções; é um debate sobre a aplicação de uma lei aprovada pela Assembleia da República, por unanimidade e que todos os partidos cumpriram no mesmo sentido, com exceção do PS.
O que está hoje em causa é saber qual a interpretação a dar à Lei n.º 1/2013, que determinou que os cortes de 10%, aprovados em 2010, na subvenção aos partidos e às campanhas eleitorais e nos limites das despesas eleitorais — repito, na subvenção aos partidos e às campanhas eleitorais e nos limites das despesas eleitorais —, seriam agravados em percentagem e prolongados no tempo até dezembro de 2016.
Da parte do PCP, o que dizemos é o que é óbvio e que consta, de resto, das contas de campanha que apresentámos: considerámos os gastos eleitorais prevendo uma interpretação da lei que reduzia em 36% — e não em 20% — a subvenção, como fizeram todos os outros partidos, à exceção do PS.
A Lei n.º 1/2013, tal como já acontecera com a Lei n.º 55/2010, refere-se não apenas ao corte de 20% da subvenção mas também ao corte de 20% do limite das despesas eleitorais que influencia o valor máximo da própria subvenção, numa redução que, conjugada, atinge um máximo de 36%.
Se este é o sentido da solução que entendemos dever ser dada ao problema, já a solução concreta, apresentada com este projeto de lei do PSD e do CDS, nos parece dever merecer melhor ponderação.
O que PSD e CDS nos propõem é que este problema seja resolvido recorrendo a uma lei interpretativa da Assembleia da República que, para produzir o efeito pretendido e por ser uma lei interpretativa, deverá ter efeitos retroativos. Assim, o conteúdo da lei interpretativa deverá integrar-se na lei interpretada como se dela fizesse parte desde o início, nos termos do artigo 13.º do Código Civil. E aqui fica desvendado o segredo que o Sr. Deputado José Magalhães tão zelosamente queria guardar.
A aprovação de uma lei interpretativa, como a que é proposta por PSD e CDS, produziria efeitos capazes de clarificar a situação por via da aplicação de um corte de 36% e não de 20% na subvenção. No entanto, uma solução desse tipo seria um precedente grave no tratamento de uma matéria que tem implicações políticas, financeiras e até de responsabilidade civil e criminal.
Tratar uma matéria como a do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais recorrendo a uma lei de efeitos retroativos, parece-nos um precedente que deve ser evitado a todo o custo. Neste âmbito, a segurança e a estabilidade relativamente às regras a aplicar e à sua interpretação deve ser preservada com particular preocupação, sob pena de se introduzir um grau de discricionariedade incompatível com o grau de responsabilização que dela pode resultar.
Em conclusão, não poderemos acompanhar com um voto favorável a solução proposta no projeto de lei do PSD e do CDS, mas procuraremos, na especialidade, que se encontre uma solução juridicamente adequada para resolver o problema no sentido que o projeto de lei aponta.

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