(proposta de lei n.º 60/XII/1.ª)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Tal como em muitas matérias deste setor das telecomunicações e, em geral, dos serviços públicos, também esta discussão exige um olhar mais atento e uma reflexão mais apurada, para além das leituras simplistas e de memória fraca e das profissões de fé no sacrossanto mercado.
Se hoje em dia perguntarem a qualquer cidadão se é preferível financiar o serviço público ou, neste caso, o serviço universal de telecomunicações, com o dinheiro do Orçamento do Estado ou com as contribuições das empresas do setor não é difícil imaginar a resposta, principalmente quando se assiste à festança de lucros, ano após ano, a encher os bolsos do capital acionista das empresas do setor.
O problema é que é preciso ter em conta o contexto em que esta questão aparece e, na verdade, será até uma falsa questão, como a seguir veremos.
Em primeiro lugar, esta é mais uma decisão teleguiada, encomendada pela troica e prontamente servida de bandeja pelo Governo e pela maioria que o suporta, pensada e desenvolvida como medida instrumental para o aprofundamento da liberalização do setor. Vem alinhar, nesse processo, anunciado há dias atrás, o concurso público da Resolução do Conselho de Ministros para a prestação de serviço universal, que há de ser regulamentado e lançado por portaria do Governo e que tem, até agora, a transparência de um capote.
Em segundo lugar, é desde logo ao nível desse concurso que se levantam algumas perplexidades e preocupações. É que a Lei das Comunicações Eletrónicas, que mereceu o nosso voto contra em 2004 e na alteração de 2011, prevê a possibilidade de concursos, não apenas com a divisão por áreas de ação, como agora acontece (serviço telefónico de rede fixa, postos públicos, listas telefónicas), mas também com a divisão por regiões, com um operador de serviço público para a região Norte, outro para a região Centro — sabe-se lá com que divisão regional —, criando a possibilidade e o risco sério de existirem regiões de primeira e de segunda, como acontece noutros setores e noutras áreas de atividade, levantando preocupações sérias, que não ficam ultrapassadas e que, aliás, passam completamente ao lado da apresentação por parte do Governo.
Quanto ao problema da entrega das verbas ao operador de serviço universal, os operadores têm de pagar rapidamente — e muito bem —, como prevê o artigo 12.º da proposta, até sob pena de execução fiscal, como consta do artigo 13.º, mas se para o pagar são 20 dias úteis, com mais 10 dias (se a ANACOM, deixar), a gestão deste fundo, portanto a ANACOM, tem 15 meses para entregar as verbas para financiar o serviço público, o que levanta aqui alguma perplexidade.
Importa, entretanto, esclarecer uma questão, a da atual incumbência e do atual contrato de prestação de serviço público que está atribuído à PT até 2025. Valia a pena esclarecer como é que se resolve este problema de se contratar agora uma coisa que já está atualmente contratada até 2025, a uma empresa.
Mas o problema de fundo — e, com isto vou terminar, Sr.ª Presidente — está na orientação estratégica para o setor. É por isso que dizemos que a questão de como se paga o serviço público é uma falsa questão, porque se não tivermos esta perspetiva estratégica do sacrossanto lucro e da liberalização do mercado, custe o que custar, e depois um gueto para o serviço universal, ainda por cima com parâmetros de serviço que estão claramente desatualizados, que são de há muitos anos atrás, em que não aparece, sequer, taxativamente, a questão da banda larga, da Internet, por exemplo — aparece o telefone fixo, as redes de telefones públicos e as listas telefónicas, e nós dizemos que isto era assim há 30 anos atrás, que já está desatualizadíssimo… É neste plano que se concebe um serviço universal, e ainda por cima financiado não num quadro de perequação económica e tarifária do setor, mas sim em que temos plena via para a atividade do máximo lucro para as empresas do setor e em que, à parte, se pode até fazer uma espécie de «tratado de Tordesilhas» para dividir, entre regiões de primeira e de segunda, um serviço universal claramente desatualizado e em condições de transparência muito duvidosas.