Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Procede à criação do fundo de compensação do serviço universal de comunicações eletrónicas previsto na Lei das Comunicações Eletrónicas, destinado ao financiamento dos custos líquidos decorrentes da prestação do serviço universal

(proposta de lei n.º 60/XII/1.ª)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Tal como em muitas matérias deste setor das telecomunicações e, em geral, dos serviços públicos, também esta discussão exige um olhar mais atento e uma reflexão mais apurada, para além das leituras simplistas e de memória fraca e das profissões de fé no sacrossanto mercado.
Se hoje em dia perguntarem a qualquer cidadão se é preferível financiar o serviço público ou, neste caso, o serviço universal de telecomunicações, com o dinheiro do Orçamento do Estado ou com as contribuições das empresas do setor não é difícil imaginar a resposta, principalmente quando se assiste à festança de lucros, ano após ano, a encher os bolsos do capital acionista das empresas do setor.
O problema é que é preciso ter em conta o contexto em que esta questão aparece e, na verdade, será até uma falsa questão, como a seguir veremos.
Em primeiro lugar, esta é mais uma decisão teleguiada, encomendada pela troica e prontamente servida de bandeja pelo Governo e pela maioria que o suporta, pensada e desenvolvida como medida instrumental para o aprofundamento da liberalização do setor. Vem alinhar, nesse processo, anunciado há dias atrás, o concurso público da Resolução do Conselho de Ministros para a prestação de serviço universal, que há de ser regulamentado e lançado por portaria do Governo e que tem, até agora, a transparência de um capote.
Em segundo lugar, é desde logo ao nível desse concurso que se levantam algumas perplexidades e preocupações. É que a Lei das Comunicações Eletrónicas, que mereceu o nosso voto contra em 2004 e na alteração de 2011, prevê a possibilidade de concursos, não apenas com a divisão por áreas de ação, como agora acontece (serviço telefónico de rede fixa, postos públicos, listas telefónicas), mas também com a divisão por regiões, com um operador de serviço público para a região Norte, outro para a região Centro — sabe-se lá com que divisão regional —, criando a possibilidade e o risco sério de existirem regiões de primeira e de segunda, como acontece noutros setores e noutras áreas de atividade, levantando preocupações sérias, que não ficam ultrapassadas e que, aliás, passam completamente ao lado da apresentação por parte do Governo.
Quanto ao problema da entrega das verbas ao operador de serviço universal, os operadores têm de pagar rapidamente — e muito bem —, como prevê o artigo 12.º da proposta, até sob pena de execução fiscal, como consta do artigo 13.º, mas se para o pagar são 20 dias úteis, com mais 10 dias (se a ANACOM, deixar), a gestão deste fundo, portanto a ANACOM, tem 15 meses para entregar as verbas para financiar o serviço público, o que levanta aqui alguma perplexidade.
Importa, entretanto, esclarecer uma questão, a da atual incumbência e do atual contrato de prestação de serviço público que está atribuído à PT até 2025. Valia a pena esclarecer como é que se resolve este problema de se contratar agora uma coisa que já está atualmente contratada até 2025, a uma empresa.
Mas o problema de fundo — e, com isto vou terminar, Sr.ª Presidente — está na orientação estratégica para o setor. É por isso que dizemos que a questão de como se paga o serviço público é uma falsa questão, porque se não tivermos esta perspetiva estratégica do sacrossanto lucro e da liberalização do mercado, custe o que custar, e depois um gueto para o serviço universal, ainda por cima com parâmetros de serviço que estão claramente desatualizados, que são de há muitos anos atrás, em que não aparece, sequer, taxativamente, a questão da banda larga, da Internet, por exemplo — aparece o telefone fixo, as redes de telefones públicos e as listas telefónicas, e nós dizemos que isto era assim há 30 anos atrás, que já está desatualizadíssimo… É neste plano que se concebe um serviço universal, e ainda por cima financiado não num quadro de perequação económica e tarifária do setor, mas sim em que temos plena via para a atividade do máximo lucro para as empresas do setor e em que, à parte, se pode até fazer uma espécie de «tratado de Tordesilhas» para dividir, entre regiões de primeira e de segunda, um serviço universal claramente desatualizado e em condições de transparência muito duvidosas.

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