Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Problemas ocorridos na última eleição presidencial

Criticas ao Governo pelos problemas ocorridos na última eleição presidencial por muitos eleitores não terem podido exercer o seu direito de voto

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Miguel Macedo,
Compartilhamos consigo o juízo sobre a gravidade daquilo que aconteceu quer no dia das eleições quer no processo de apuramento final e de publicação da respectiva acta.
Mas há uma questão que o Sr. Deputado há pouco suscitou que nos deixa de certa forma perplexos. Foi quando o Sr. Deputado disse que tínhamos de alterar as coisas tal como estão, porque não faz sentido nenhum que a Comissão Nacional de Eleições não publique uma acta que vem do Tribunal Constitucional.
Sr. Deputado, é preciso dizer que, no caso destas eleições, o erro não terá sido esse, mas, sim, o de ter sido publicado um mapa que contém, manifestamente, erros! E é importante que num processo eleitoral, havendo erros que são detectados, haja alguma instância que chame a atenção de que há erros que têm de ser corrigidos.
O problema, neste processo, foi o de que o erro passou, porventura, por várias entidades e passou…, e passou…, e foi publicado. Ora, se não for corrigido, será mau porque, de facto, vamos ter uma publicação oficial que distorce, manifestamente — porque este é um caso manifesto, como todos conhecerão —, os resultados reais da eleição, tal como foram apurados.
Mas há uma outra questão a que o Sr. Deputado aludiu e que tem a ver com a proposta de lei, aprovada, hoje, em Conselho de Ministros.
Desde logo, é estranho que, ainda esta semana, o Sr. Ministro da Presidência tenha estado nesta Assembleia, a falar, precisamente, sobre este assunto, e não tenha manifestado a intenção do Governo de, a tão curto prazo, apresentar uma proposta de lei sobre esta matéria.
Mas essa solução «mágica» que o Governo apresenta — que é a de dizer: «Bom, então, vamos eliminar o número de eleitor!» —, pode não ser uma solução tão virtuosa como, à primeira vista, possa parecer. Aliás, importa lembrar, em primeiro lugar, que essa foi a ideia inicial. Quando o, então, Ministro António Costa apresentou, aqui, a ideia do cartão de cidadão, essa ideia foi aventada, mas por alguma razão o Governo não avançou com ela, e decidiu manter o número de eleitor, e manter o cartão de eleitor, que só deixaria de valer quando um cidadão pedisse o seu cartão de cidadão.
Bom, é caso para dizer que, nestas eleições, os cidadãos que saíram incólumes foram aqueles que ainda não tiveram necessidade de tirar o cartão de cidadão e que ainda tinham o seu «cartãozinho» de eleitor… Esses salvaram-se! E não sei o que teria acontecido se esses cidadãos já não tivessem cartão de eleitor e também tivessem estado sujeitos a que o seu número de eleitor alterasse e que, em vez de serem 700 000 cidadãos com a situação alterada, pudessem ter sido todos os nove milhões de eleitores.
E, porque as bases de dados são distintas, importa saber o seguinte: se o Governo avançar com essa fuga (e eu nem lhe chamo uma «fuga para a frente», porque de facto é uma fuga não se sabe para onde), se se acaba com o cartão de eleitor e se, depois, os eleitores continuam a ser arrumados pelo código postal, mudando a sua freguesia, arbitrariamente; não poderá haver cidadãos que só constem da base de dados do recenseamento eleitoral e se houver uma desconformidade entre essa base de dados e a da identificação civil, esses cidadãos não serão arbitrariamente riscados dos cadernos eleitorais?… Ou seja, há uma série de problemas que podem ser criados se for tomada uma decisão ligeira e mal pensada, numa questão tão sensível como esta do recenseamento eleitoral.
Também gostava de o ouvir sobre isto.

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