Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Primeira alteração ao Regime do Segredo de Estado e alteração ao Código Penal

(projeto de lei n.º 645/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Esta iniciativa legislativa da maioria, na verdade, decorre daquilo que podemos considerar como sendo um «puxão de orelhas» do Presidente da República à maioria, ao que, aliás, a Sr.ª Deputada Teresa Leal Coelho chamou cooperação institucional.
E diria um «puxão de orelhas» suave, na medida em que o Sr. Presidente da República decidiu promulgar o diploma e, depois, dirigir uma Mensagem à Assembleia da República, chamando a atenção para aquilo que, em seu entender, o legislador fez mal.
É certo, tem razão o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves quando diz que o mecanismo institucional previsto para situações como esta não é propriamente a promulgação acompanhada de mensagem, mas é o exercício normal do direito de veto político para que, apelando à Assembleia da República, esta possa ponderar o diploma, o que a maioria, tanto quanto já nos apercebemos, teria feito sem qualquer problema, na medida em que acaba por concordar com as objeções que foram suscitadas pelo Presidente da República.
Bom, podemos dizer é que aí já não seria um simples «puxão de orelhas»; aí, sim, seria um «tabefe» com uma maior sonoridade e, porventura, o Presidente da República quis poupar a maioria a esse pequeno enxovalho.
Relativamente às alterações que aqui são propostas, podemos dizer que uma delas tem um caráter pouco inovador. Poderia até resultar numa boa interpretação da lei considerar que não seria possível legalmente ao Primeiro-Ministro desclassificar uma matéria que tivesse sido classificada pelo Presidente da República ou pelo Presidente da Assembleia da República como segredo de Estado. Poderia decorrer da lei, mas, enfim, poderá entender-se que não e, então, há uma clarificação que pode considerar-se útil.
Relativamente à questão da norma do artigo 316.º do Código Penal, de facto, há uma inovação, porque, efetivamente, o Código Penal foi alterado e o que se estabeleceu, ao não haver uma referência expressa ao segredo de Estado, é que se estava a permitir que se fosse sancionado por violação do segredo de Estado algo a que não corresponderia propriamente uma violação do segredo de Estado mas, sim, uma violação de uma outra norma de proteção de documentos e, portanto, estava a sancionar-se uma conduta com um regime mais gravoso do que aquele que se pretendia inicialmente.
Nesse sentido, esta disposição é, de faco, inovadora, não é meramente interpretativa e, portanto, clarifica que o artigo 316.º do Código Penal diz respeito à violação do segredo de Estado e não à violação de qualquer outro diploma legal e aí, de facto, faz sentido.
Agora, o que esta iniciativa legislativa não transforma é a Lei do Segredo de Estado numa boa lei. Não o é! É uma lei que protege a opacidade no exercício do Estado, que consagra uma latitude manifestamente excessiva da possibilidade da declaração de documentos como segredo de Estado e que consagra uma latitude excessiva, do nosso ponto de vista, quanto à possibilidade de declaração de documentos como segredo de Estado, para além de que, como acontece com a lei que foi aprovada em 1994, vamos ver se daqui a 20 anos não se está a concluir o mesmo que se concluiu relativamente à lei anterior: é que esta lei não passou de um exercício de ficção legislativa.

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