Intervenção de

Prevenção e investigação de acidentes e incidentes ferroviários - Intervenção de Bruno Dias na AR

Prevenção e investigação de acidentes e incidentes ferroviários, na medida em que as competências a atribuir aos responsáveis pela respectiva investigação técnica sejam susceptíveis de interferir com o exercício de direitos, liberdades e garantias individuais

 

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Vou apresentar, por parte do PCP, algumas considerações relativamente a esta proposta de lei (n.º 128/X) em duas vertentes, sendo a primeira delas quanto à forma.

Neste ponto, é preciso dizer que o Governo acordou tarde para a questão de se transpor a directiva comunitária, para o que tinha o prazo previsto até 30 de Abril de 2006. Quando acordou, o Governo quis conduzir um processo legislativo a toque de caixa, sem ter a preocupação de garantir o rigor que a redacção de um diploma destes exige, cumprindo a própria lei e a Constituição da República.

Se não fosse o alerta colocado pelo PCP, em sede de comissão parlamentar, suscitando a necessidade desta matéria ser apreciada e analisada pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, teríamos, provavelmente, a Assembleia da República a aprovar uma proposta de lei com normas ilegais e inconstitucionais.

Foi esse, aliás, como já foi dito, o parecer da 1.ª Comissão, detectando a ilegalidade e a fortíssima probabilidade de inconstitucionalidade de alíneas da proposta de lei, confundindo o gabinete de investigação previsto na proposta de lei com uma autoridade policial ou judicial.

Ficaram, assim, confirmadas as preocupações e as objecções oportunas do PCP e já valeu a pena termos suscitado este problema na comissão.

Mas, mais uma vez, ficam o exemplo e a demonstração, para o Governo, de que esta forma de trabalhar não é a mais correcta e tem de ser repensada no plano legislativo.

Quanto ao conteúdo da proposta, queremos, antes de mais, afirmar que, naturalmente, nada temos a objectar em relação à existência de um organismo autónomo com a missão de investigar acidentes ferroviários e de promover a sua prevenção. E queremos, aliás, sublinhar o que, à partida, parece ser um princípio unanimemente reconhecido. Parece!... É que os inquéritos de investigação de acidentes ferroviários não servem nem podem servir para apurar culpados, têm de servir para apurar causas, e o objectivo não é punir mas, sim, evitar a repetição de acidentes.

O que isto suscita é a necessidade de uma efectiva capacidade de resposta para o trabalho de investigação e, não menos importante, de elaboração das correspondentes recomendações técnicas em tempo útil e no mais curto prazo possível. E, a este propósito, dois aspectos importa registar: por um lado, a questão dos meios disponíveis - hoje, aquém das necessidades, ao nível do actual IMTT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres) - e, por outro, a questão dos prazos considerados na proposta do Governo para a realização dos processos de investigação e dos respectivos relatórios.

É que a directiva que se pretende transpor prevê que o relatório seja apresentado no mais curto prazo possível, no máximo dos máximos em 12 meses, o que não é a mesma coisa que definir, pura e simplesmente, um prazo de 12 meses para elaborar o relatório, sendo que, neste caso, existe, depois, um prazo de apenas 30 dias para que as entidades em causa - o operador ou o gestor da rede - tomem medidas e informem o gabinete de investigação. É por estarmos de acordo com a necessária celeridade dos processos, e não o contrário, que defendemos uma clarificação desta matéria.

Por outro lado, não podemos ignorar que a directiva prevê a realização anual, até 30 de Setembro de cada ano, de um relatório sobre os inquéritos efectuados no ano anterior, as respectivas recomendações e as medidas correspondentes, tomadas a partir daí. O decreto-lei, ao que percebemos, no que se refere a esta matéria, é omisso na transposição da directiva.

Mas há ainda vários aspectos que importa clarificar, como, por exemplo, a definição do conceito de «acidente grave», para a intervenção do GISAF, em função dos 2 milhões de euros de prejuízos ou dos cinco feridos graves ou de um morto. Se não houver feridos nem mortos - e oxalá nunca haja! -, como e em quanto tempo se faz o apuramento dos prejuízos para se decidir se o GISAF considera acidente grave e efectua ou não o inquérito?

A questão do relatório intercalar dos inquéritos também não está clara. É ou não suposto haver este tipo de informação durante a condução do inquérito?

Não menos importante é a questão do trabalho de investigação das próprias empresas e os inquéritos que elas conduzem. A esmagadora maioria dos inquéritos, actualmente, corresponde a investigações conduzidas por comissões mistas, como sabem, entre a CP e a REFER. Qual será, então, o enquadramento que terão estes processos e que relação existirá com os processos do próprio GISAF? Falou-se, e sabemos, da autonomia que está prevista, mas, do ponto de vista da cooperação técnica e da articulação deste trabalho, que enquadramento se prevê? Que orientações vai o Governo dar às empresas que tutela neste sector quanto aos seus inquéritos próprios? Passam a pedir ao gabinete que os faça e, depois, este decide se os faz ou não, aliás, conforme sugere o artigo 4.º do projecto de decreto-lei? E as empresas, depois, pagam as peritagens técnicas ao gabinete, em qualquer caso, conforme consta do artigo 15.º do projecto? São aspectos que importa clarificar.

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
Tal como sublinhámos, o PCP não tem objecções de fundo quanto à criação de uma entidade autónoma para a investigação e prevenção de acidentes ferroviários, desde que seja garantida a sua eficácia e a disponibilização dos meios necessários e desde que sejam corrigidas as ilegalidades que o Governo teve a imprudência de colocar na proposta que nos apresentou e que o alerta do PCP permitiu identificar. Porém, estamos e estaremos atentos às próximas etapas deste processo legislativo e aguardaremos o conteúdo do decreto-lei que o Governo apresentará.

E, já agora, Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes, tendo em conta a matéria do debate, não posso deixar de referir que continuamos a aguardar que nos seja apresentada a informação que requeremos, ao abrigo do Regimento, quanto ao grave incidente que ocorreu, há meses, na Linha do Tua.

 

 

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