Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Ao realizarmos este debate, associamos a Assembleia da República à jornada nacional de reflexão sobre a droga que ontem se realizou sob a denominação de "dia D".
Participámos com empenho nesta iniciativa, que encaramos positivamente, e saudamos vivamente todos os que, no dia de ontem, participaram em acções dirigidas à prevenção da toxicodependência, dando assim um sinal de empenhamento no combate a este flagelo social.
A toxicodependência e o tráfico de drogas, com o dramático cortejo de problemas que lhe estão associados a marginalidade, a doença, a exclusão, a degradação profunda da qualidade de vida e, quantas vezes, a morte constituem um dos mais graves flagelos sociais dos nossos tempos e bem justificam a mobilização de todas as forças da sociedade para procurar minorar as suas desastrosas consequências.
O PCP tem pugnado sempre por uma verdadeira mobilização nacional a este respeito e pela adopção de medidas capazes de fazer frente a este dramático problema. Temos para nós que todos os dias não são demais para reflectir mas que são poucos para agir, para tomar as medidas necessárias e inadiáveis, para que os jovens sejam livres de construir um futuro sem a ameaça do flagelo social da toxicodependência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A reflexão sobre os problemas da toxicodependência surge muitas vezes centrada na questão de saber se a guerra contra a droga pode alguma vez ser vencida ou centrada no célebre dilema entre proibir ou liberalizar.
Discutam-se estas questões todas as vezes que se entenda necessário, estudem-se todas as soluções possíveis, nos seus prós e nos seus contras, mas, seja qual for a posição de princípio que cada um assuma, o importante é lutar contra a droga e tudo fazer para que, em cada dia que passa, sejam menos os jovens a cair na droga e mais os jovens a libertar-se dela. Mais importante do que saber se a guerra contra a droga pode ser vencida, ou quando o será, é não virar a cara à luta e não desistir de travar essa guerra justa, em todas as frentes em que isso seja possível e necessário.
É muito importante discutir, mas não podemos ficar só pela discussão. Todos temos de falar sempre sobre o problema da droga, mas com a consciência de que os problemas não se resolvem só por falar muito deles e que a luta contra a toxicodependência pressupõe naturalmente reflexão, mas exige acção concreta e sempre urgente.
O PCP considera que, perante a situação existente e o quotidiano com que somos confrontados, pode e deve reflectir-se sobre o melhor caminho a seguir, mas, acima de tudo, não se pode adiar uma acção de prevenção e combate decidida e coerente à toxicodependência e ao tráfico de drogas, para cuja concretização é indispensável, naturalmente, uma cada vez maior mobilização do povo português.
Vimos ontem, com a participação de muitos de nós, milhares de jovens, nas suas escolas ou em diversas iniciativas, a parar um pouco para reflectir sobre os problemas da toxicodependência. Isso é, só por si, muito positivo e importa que se repita por muitos mais dias. Mas nenhum de nós poderá esquecer que, como foi, aliás, salientado por alguns órgãos de comunicação social, o chamado dia D não chegou ao Casal Ventoso, nem à Curraleira, nem a muitos outros locais literalmente ocupados pelo tráfico de droga, onde milhares de jovens destroem diariamente a sua própria vida.
Temos consciência de que as causas mais profundas da toxicodependência como fenómeno social radicam nas formas de organização social dominantes e que a inversão da tendência que se tem verificado nos últimos anos para o constante agravamento dos problemas da toxicodependência exige a adopção de políticas económicas e sociais que não se traduzam no aumento do desemprego e no agravamento das injustiças e das carências sociais, gerando o caldo de cultura propício ao tráfico e consumo de drogas.
No entanto, entendemos também que a situação com que actualmente nos confrontamos exige, no imediato, que o combate à droga seja de facto uma grande prioridade, traduzida na atribuição de meios humanos, técnicos e financeiros, na organização das respostas da sociedade, na prevenção, tratamento e reinserção social de toxicodependentes, na coordenação e eficácia do combate ao tráfico de drogas e ao branqueamento dos respectivos lucros.
É necessário reforçar as acções de prevenção, indiscutivelmente, mas é indispensável também reforçar os meios destinados à recuperação de toxicodependentes, bem assim como o combate ao tráfico. Não compartilhamos da visão demagógica e errada, segundo a qual o problema da droga se resolve com agravamentos sucessivos de penas e da repressão indiscriminada sobre traficantes e consumidores.
Defendemos, evidentemente, a severa punição do tráfico de drogas e uma acção qualificada, coordenada e pronta das forças de segurança destinada a impedir o tráfico, a desmantelar as suas teias, a permitir o julgamento e a justa punição dos traficantes.
Mas quanto aos utilizadores de droga, principais vítimas deste flagelo, entendemos que a solução não passa por mais repressão ou pela aplicação de medidas de detenção mas, antes, pela garantia da existência de meios públicos de tratamento gratuito e acessível e pela adopção de programas de reinserção social que permitam não apenas a desabituação das drogas mas o mais importante, que é superar a situação de marginalização ou de vulnerabilidade que conduziu ao consumo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pode ler-se hoje na imprensa que o chamado dia D soube a pouco. De muitos jovens que garantiram o sucesso desta iniciativa, fica a exigência de continuidade e ficam legítimas expectativas que não podem ser defraudadas pela eventual inoperância dos dias seguintes. É preciso fazer mais e melhor no combate à droga e não repousar em considerações de auto-satisfação. É preciso que a política de combate à droga não se limite a uma forte presença mediática, que em boa verdade nunca foi descurada, mas que se traduza de facto em actuação no terreno e em medidas que conduzam a progressos reais na diminuição do consumo de drogas.
No que se refere à Assembleia da República, é justo dizer que na presente legislatura se deram passos positivos no sentido de uma maior e melhor intervenção em matéria de combate à droga, quer no plano legislativo, com diversos diplomas já aprovados, quer com a criação de uma comissão eventual para o acompanhamento dos problemas da toxicodependência, a que tenho a honra de presidir, e que está em fase de conclusão a elaboração de um relatório que oportunamente será presente a Plenário.
Mas há que dizer com frontalidade que estes passos positivos não nos satisfazem. Também aqui é necessário fazer mais e melhor. A legislação aqui aprovada poderia ter ido muito mais longe, sobretudo na consagração do tratamento como alternativa à prisão de toxicodependentes e na consagração do alargamento da rede pública de serviços de tratamento e reinserção social acessível, de forma gratuita, a todos os utilizadores de droga.
A terminar, formulo o voto de que, com o empenhamento de todos, esta Assembleia possa aumentar a sua intervenção em matéria de combate à droga, sob diversas formas, privilegiando o contacto com os portugueses e em particular com os cidadãos e instituições que mais directamente intervêm na luta contra a toxicodependência.
E reafirmo a disposição do PCP de continuar, como até aqui, dentro e fora desta Assembleia, a empenhar-se de forma séria e responsável no combate à droga e a juntar os seus esforços aos de todos os que estejam seriamente empenhados na luta contra o maior flagelo dos nossos tempos.