Pergunta ao Governo N.º 1617/XV/1.ª

Prescrição de certificados de aforro

O momento atual, em que a banca (incluindo o banco público, CGD) falha com o seu papel de remuneração da poupança ao não fazer refletir o aumento dos juros decretados pelo BCE nas taxas de juro dos depósitos a prazo (ao contrário do que faz nas prestações do crédito à habitação), mostra bem a importância dos certificados de aforro como instrumento para uma intervenção pública sobre o sistema financeiro, travando os efeitos mais negativos da desregulação e da concentração bancária.

Se hoje os certificados de aforro se apresentam como um produto financeiro competitivo face ao que é proposto pela banca, a verdade é que nem sempre foi assim. O PCP, ao longo de vários anos, chamou a atenção para a necessidade de se dar maior atratividade e confiança a estes produtos, porque não é indiferente a dívida pública portuguesa ser detida maioritariamente por residentes ou não residentes, nem é indiferente o grau de participação de não-institucionais.

Em sentido contrário a esta necessidade de aumentar a confiança neste produto, o IGCP tem assumido, ao longo dos anos, a interpretação de que o prazo de prescrição dos certificados de aforro inicia-se com o falecimento dos seus titulares, e não com o conhecimento da sua existência por parte dos herdeiros. Tal interpretação tem sido amplamente contestada nos tribunais, com a maioria das decisões a darem razão aos consumidores. Apesar de ser essa a jurisprudência maioritária, o IGCP continua a aplicar a interpretação mais restritiva e lesiva dos consumidores, sem ter em conta os segmentos da população a que este tipo de produto se destinou durante décadas.

Desta forma, o IGCP não só lesou as poupanças dos portugueses que confiaram nos certificados de aforro – num valor que, desde 2012, superou os 50 milhões de euros, segundo notícia do Público de 21/05/2023 – como acaba por deteriorar a confiança neste produto financeiro para eventuais subscritores futuros.

O protocolo celebrado com o IRN, em 2012, passou a permitir ao IGCP saber quais os aforristas falecidos em cada ano e assim, segundo a sua interpretação, saber quando é que prescrevem todos os certificados de aforro detidos por pessoas entretanto falecidas. O mesmo protocolo deveria permitir o conhecimento por parte do IGCP de quem são os herdeiros e quais os meios para serem atempadamente contactados, a fim de saberem da sua existência.

No entanto, segundo relatos que nos têm chegado, o contacto é feito para a morada do falecido (e não dos herdeiros) e numa data muito próxima do prazo de prescrição. Exige-se do IGCP uma atitude proativa para encontrar os herdeiros e evitar situações que lesam quem nele confiou as suas poupanças – pelo menos a mesma proatividade que existiria se se tratasse de uma dívida em sentido contrário.

É importante que o IGCP e o Governo esclareçam as razões que levam a insistir numa interpretação maioritariamente recusada pelos Tribunais, que prejudica quem confiou as suas poupanças ao Estado português, retirando assim graus de confiança neste tipo de produtos, quando a confiança e a segurança são os principais atrativos destes títulos de dívida pública.

Assim, ao abrigo da alínea d) do artigo 156º da Constituição da República e nos termos e para efeitos do artigo 229º do Regimento da Assembleia da República, solicitamos ao governo os seguintes esclarecimentos:

1 – Perante inúmeras decisões favoráveis aos consumidores, qual a razão para que o IGCP continue a arrastar para os tribunais situações de alegada prescrição de certificados de aforro?

2 – O Governo, enquanto tutela e enquanto acionista único do IGCP, emitiu orientações que permitam esta prática, lesiva da confiança dos consumidores neste produto financeiro? Pondera emitir orientações com vista a inverter a prática até agora seguida?

3 – Confirma que, desde 2012, o total de prescrições ascendeu a 50 milhões de euros? Qual o montante em vias de prescrição nos anos de 2023, 2024 e 2025, caso a interpretação do IGCP se mantenha?

4 – Havendo, desde 2012, um protocolo com o IRN que permite ao IGCP saber do falecimento dos aforristas, esse protocolo permite também saber os dados dos herdeiros? Se sim, o IGCP contacta os herdeiros, ou apenas a morada do aforrista falecido?

5 – Ao abrigo do protocolo com o IRN, o IGCP procura entrar em contacto com os herdeiros com que antecedência (em média) face à data que considera ser a de prescrição dos certificados de aforro? Que meios são utilizados para esse contacto?

  • Perguntas ao Governo