Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

Os preços da energia em Portugal são um escândalo!

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Declaração política de critica aos preços e as tarifas da energia em Portugal

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Os economistas do neoliberalismo e da política de direita, com excepções, a comentários, artigos e declarações juntam livros, tentando demonstrar que a profunda crise que o País atravessa nada tem a ver com as políticas económicas que, ao longo dos últimos anos, defenderam. É vê-los agora a «tirar o cavalinho da chuva»! É vê-los propor que se discuta a saída do País do euro! É vê-los descobrir que o problema do País não é o défice orçamental mas, sim, a dívida externa!
Foi assim que, por estes dias, Vítor Bento, apresentou um livro, O Nó Cego da Economia, onde, entre outras coisas importantes e outras menos acertadas, refere a seguinte conclusão: «o sector transaccionável perdeu, em duas décadas, um valor equivalente a 15% do PIB, o que significa que foi este o valor que o sector não transaccionável ganhou». Isto é: a banca, os seguros e as empresas do sector energético, das telecomunicações, da construção civil e imobiliário e das auto-estradas apropriaram-se de qualquer coisa como 24 000 milhões de euros da generalidade dos sectores produtivos — agricultura, pescas, indústria e a imensa maioria das pequenas empresas dos sectores exportadores.
Quais as políticas que conduziram e permitiram tal coisa? As políticas de privatização e liberalização de sucessivos governos, com a «bênção» da União Europeia, e as políticas que
criaram na banca, na energia, nas telecomunicações, nas auto-estradas, na distribuição, no papel, nos cimentos, no tabaco, etc., poderosos grupos monopolistas ou, se quiserem, oligopolistas privados, impondo preços e condições de monopólio, sempre, sempre com o Governo ao lado, a esmifrar o cidadão, as PME, os sectores produtivos e os sectores exportadores.
Como diz Vítor Bento: «Tornámos a rentabilidade do sector não-transaccionável excessivamente elevada por razões artificiais»!
Um exemplo notável desta situação é o que se passa no sector da energia:
Em Junho, o Governo liberalizou o sector do gás natural para consumidores não-domésticos, o que se traduziu numa brutal subida da factura energética de inúmeras empresas de 10% a 20%, nomeadamente no sectores do têxtil e da cerâmica, factura essa que, a partir de Janeiro, vai ser acrescida pelas taxas de utilização do solo, transferidas integralmente para os clientes, a que acresce o risco de algumas empresas poderem ficar sem fornecedores a partir de 1 de Março.
Em Setembro, o Governo faz o mesmo para a energia eléctrica. A ERSE veio agora propor que cerca de 4,8 milhões de clientes do consumo doméstico tenham um aumento de 3,8%, valor largamente superior à prevista taxa de inflação de 2,2%. O escândalo não desaparece pelo facto de cerca de 666 000 consumidores no âmbito de uma futura tarifa social irem ter apenas um aumento de 1%.
As tarifas para a generalidade das empresas são liberalizadas, mas, face ao sucedido para o gás natural, tudo indica que haverá subidas significativas, como, aliás, já aconteceu este ano no mercado liberalizado.
A ERSE justifica as subidas com os argumentos de sempre, onde avultam os incentivos às renováveis, de 1000 milhões de euros, mas acrescenta este ano, a remuneração da «Garantia de Potência», que representará cerca de um ponto percentual da subida anunciada.
Este novo contributo para o aumento das tarifas, a ser pago por todos os consumidores, resulta de recente portaria e significará uma transferência directa para os lucros dos centros electroprodutores em regime ordinário, isto é, para os lucros da EDP, da Iberdrola e companhia, que ganharão «a dois carrinhos»: primeiro, como produtores de renováveis e, segundo, como há renováveis, é necessário garantir a potência, e, logo, mais ganho.
E nos combustíveis a «cara continua a não dizer com a careta», isto é, com a evolução do Brent. Portugal teve, no 1.º semestre do ano, preços da gasolina e do gasóleo, antes de impostos, superiores à média da União Europeia. Na gasolina, só dois países (Dinamarca e Itália) e, no gasóleo, só três (Grécia, Finlândia e Itália) tinham preços médios, antes de impostos, maiores que os portugueses.
O escândalo dos preços e tarifas da energia em Portugal é maior quando os confrontamos com os lucros fabulosos dos operadores. Os aumentos acontecem depois de a EDP ter, no primeiro semestre de 2010, obtido o lucro de 565 milhões de euros, mais de 18%, e depois de a Galp ter obtido o lucro de 260 milhões de euros, mais de 90% do que no ano passado no mesmo período.
Há quem, perante o escândalo, tente garantir que os lucros obtidos nada têm a ver com a sua actividade no País, isto é, com os preços a que vendem os seus produtos no mercado nacional. Mas então porque é necessário actualizar preços e tarifas? Registe-se a crítica de Vítor Bento ao facto de estarmos a «canalizar as rendas económicas do sector não transaccionável para investir no exterior, em vez de investir internamente no sector transaccionável»!
Dirão alguns: «Mas, então, e as entidades reguladoras? O que fazem? O que têm andado a fazer?». São bodes expiatórios, bem ao jeito do PS, do PSD e do CDS-PP, embora a maioria dessas entidades também se ponha a jeito.
Mas podem as entidades reguladoras fazer outra coisa senão funcionar no quadro das opções e
regulamentações que os governos lhes definem?
Mas vai o Prof. Manuel Sebastião, analisando a relação fornecedores/grande distribuição, ultrapassar a constatação de que há um enorme desequilíbrio de forças, quando o seu Governo ajuda ao desequilíbrio, liberalizando horários e licenciamentos?
Ou quando nos combustíveis lhe resta analisar a estranha coincidência de preços nos painéis das auto-estradas, porque não consegue demonstrar a colusão tácita entre a Galp e outras gasolineiras?
Mas tem culpa o Prof. Vítor Santos se, aplicando os decretos-leis e as respectivas portarias do Governo, os resultados são o aumento dos preços da electricidade e do gás natural. Tem culpa se a liberalização também decidida pelo Governo para as tarifas não domésticas «soltou os cães» no mercado e os seus valores trepam por aí acima, com a destruição de qualquer sistema de perequação de custos?
Quando se queixam das ou às entidades reguladoras, PS, PSD e CDS-PP procuram absolver-se das consequências das quatro reestruturações do sistema energético nacional, que apenas serviram para consolidar uma estrutura monopolista no sector e garantir sobrelucros aos grandes operadores.
Afinal, aqueles processos liquidaram a perequação de custos no plano regional e dimensional dos seus utentes. Quem hoje paga a maior tarifa energética ou o maior preço pelo combustível é a pequena empresa, são os que vivem nas regiões do interior.
O PCP reafirma a necessidade de redução das tarifas da electricidade e do gás natural, dos preços dos combustíveis, incluindo da nafta e do fuelóleo, particularmente necessários na situação de crise profunda em que se encontra o País.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado João Pinho de Almeida,
Certamente queestamos de acordo com a telecontagem e com uma questão que é bastante central na abordagem deste problema: a de que os custos da sua instalação não se transformem num novo custo para os consumidores.
Essa é que é a questão central, a que o Governo do Partido Socialista não conseguiu dar resposta até hoje.
Sr. Deputado, pode-se dar as voltas que se quiser, podem-se inventar muitos mecanismos — e têm sido inventados alguns, inclusive pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista — em torno da facturação no sentido de reduzir as tarifas e preços do sector energético. Mas não tenhamos ilusões: a questão central foram as quatro reestruturações energéticas levadas a cabo neste País por um governo do PSD, com Mira Amaral, por um governo do PS, com Pina Moura, por um governo do PSD/CDS-PP, com Carlos Tavares, e pelo último governo do PS, através do Ministro Manuel Pinho. Estas reestruturações criaram um monopólio no sector energético, através, fundamentalmente, da EDP e da Galp, que lhes permite impor condições e preços de
monopólio no actual mercado. Ora, perante esta situação, não há truques nem habilidades que permitam a sua resolução, como está à vista ao longo deste tempo.
Pergunto: como é que num período de profunda crise no País, com a rentabilidade da generalidade do sector produtivo, da economia nacional e da generalidade das pequenas e médias empresas que se vê, é possível que estes grupos, estas empresas continuem a demonstrar os níveis de lucro que são conhecidos?
A EDP teve, nos últimos cinco anos, uma média de cerca de 1000 milhões de euros de lucro por ano. A Galp, nos mesmos cinco anos, teve 2,6 mil milhões de euros de lucro. Mesmo num ano de crise profunda, com todas as medidas que o Governo está a apontar para o País, a Galp e a EDP estão a apontar para subidas claramente superiores à taxa de inflação.
Este é o problema central, e a sua resolução não passa sequer pelas entidades reguladoras mas por uma outra intervenção pública, como o PCP várias vezes tem assinalado.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Pedro Filipe Soares,
Não foi por acaso que fizemos hoje em Plenário uma declaração política relativa à abordagem integrada em torno dos preços da energia e, particularmente, do agravamento dos preços e tarifas de energia que estão em cima da mesa para os próximos meses: da electricidade, do gás natural e dos combustíveis.
Esta é, certamente, uma questão nuclear da competitividade do tecido económico nacional. Bom seria que o Governo, apoiado na direita e nas grandes confederações patronais, em vez de andar preocupado com o problema do salário mínimo, estivesse mais preocupado em ver como é que desce o preço da energia para as empresas portuguesas e, fundamentalmente, para as empresas exportadoras.
A subida do preço do gás natural, por exemplo, vai liquidar, na prática, um conjunto de empresas do sector têxtil, da cerâmica e do vidro — empresas altamente consumidoras de energia —, em que cerca de 50% dos custos operacionais dizem respeito à factura do gás natural. Subidas como aquela que resultou da liberalização levada a acabo pelo Governo no sector vão, inevitavelmente, inviabilizar empresas ou torná-las muito menos competitivas face a países com indústrias semelhantes e com preços mais vantajosos.
Não foi certamente por acaso que, em Julho, o Governo espanhol, apesar de toda a crise que também grassa em Espanha, travou um processo de subida da tarifa da energia eléctrica de 4%. E o argumento central para travar essa subida das tarifas da energia eléctrica em 4%, contra a vontade dos operadores espanhóis, foi a defesa da competitividade da economia espanhola e o impedimento de que mais empresas, num quadro como este, possam falir.
Tal como tive oportunidade de, de uma forma sintética, referir na minha intervenção — tal corresponde a uma portaria de Agosto, do Governo —, dos 3,8% de aumento da tarifa eléctrica 1% deve-se a esta garantia de potência. Portanto, é uma decisão do Governo. Este aumento foi justificado pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos com esta coisa espantosa: é que, de facto, vão remunerar-se mais os centros electroprodutores da EDP, da Iberdrola e outros — barragens, centrais a carvão e a gás — e, simultaneamente, compensam-se, porque eles têm de garantir potência, dado que temos uma grande percentagem de renováveis. Assim, eles recebem mais de 1000 milhões de euros no próximo ano de apoios do lado da produção de energias renováveis. Isto é, como eu referi há pouco, ganhar a dois carrinhos.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Nuno Reis,
Julgo que se pode chamar muitas coisas ao problema, mas não se trata de uma questão de carga ideológica; trata-se, sim, de uma opção pela natureza, pelo modelo da estrutura empresarial neste sector. E nós não temos qualquer dúvida de que a situação que o país vive no terreno da energia é resultado dos processos de reestruturação levados a cabo, onde avançaram privatizações, onde avançou a segmentação da cadeia de valor, como aconteceu na EDP, já
para não falar no problema da liberalização dos mercados. Aliás, sempre que o Governo tem tomado medidas, publicado diplomas de liberalização de tarifas e preços, o resultado é conhecido: subida dos preços aos consumidores domésticos e aos consumidores empresariais.
Sr. Deputado, neste momento, não se trata de uma questão de mais mercado, de falta de mercado ou de excesso de mercado. A questão é que, neste momento, não há mercado, há uma área de actividade económica onde existe um conjunto de estruturas monopolistas que, de uma forma tácita, convergem nas suas posições, impondo condições e preços de monopólio. Esta é a questão central.
Mas pode dizer-se que é possível criar mercado, aumentar a concorrência neste sector. Há todo um conjunto de processos que estão em cima da mesa, que o Governo foi desenvolvendo, inclusive os governos do PSD, concretamente, por exemplo, a tal segmentação da cadeia de valor da EDP fracturando-a em várias empresas e os processos em torno do MIBEL. E qual é o resultado, Sr. Deputado? É que continuamos, de facto, a ter um sector de actividade económica onde duas ou três empresas comandam, de forma absoluta, as condições do fornecimento dos seus bens, o preço dos bens que vendem e que são absolutamente essenciais, como é sabido, à vida de hoje, à vida todos os portugueses, à vida das empresas.
Provavelmente, a grande maioria dos portugueses não sabe que, por exemplo, em relação ao
abastecimento de fuelóleo, combustível que ainda se usa, a Galp, que tem o monopólio absoluto, é responsável pela inviabilização do funcionamento da co-geração na Beira Interior, porque a Galp quer aí vender a um preço que lhe compense a deslocação desse produto.
Foi-nos dito, numa audição em sede de Comissão, que um investimento de 500 000 € num equipamento de co-geração está parado por causa da incapacidade de utilizar um preço competitivo para o fuelóleo.
A terminar, gostaria de dizer o seguinte: há, certamente, problemas de discriminação de empresas pelo peso, diria, absolutamente dominante que a Galp e a EDP têm neste sector relativamente a outros sectores.
Mas não tenhamos dúvidas de que não vão ser as facilidades ou a entrada de outros grandes operadores, sobretudo de operadores estrangeiros, que vão responder a este problema crucial do País.
Temos dito que só uma empresa nacional, uma empresa que assuma a integralidade das cadeias de valor, uma empresa pública pode, num país com a dimensão do nosso, responder às questões de acesso e de um preço idêntico para todos os portugueses, qualquer que seja a parte do território e qualquer que seja a dimensão das empresas.

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