1.A energia constitui um factor fundamental para o bem-estar dos cidadãos e para a competitividade das empresas. No entanto os portugueses continuam a confrontar-se com a escalada de preços dos combustíveis, da electricidade e do gás natural. Preços totalmente incompatíveis com o poder de compra da generalidade dos portugueses, neste período de crise (flagelados pela contenção e cortes salariais, congelamento de pensões e insuficientes actualizações das mais baixas, elevado desemprego). Preços que afectam brutalmente a competitividade (externa e interna) das empresas portuguesas dos sectores produtivos e dos transportes.
As subidas de preços dos principais bens energéticos para 2011, anunciados ou já concretizados, são inaceitáveis. Os aumentos de preços da electricidade, do gás natural (GN) e dos preços, novamente a bater recordes, da gasolina e do gasóleo, ultrapassam em geral largamente os valores previstos para a taxa de inflação (segundo o OE/2011, 2,2%, segundo o Banco de Portugal, 2,7%).
Constituem um novo golpe no poder de compra dos portugueses e acentuam a vulnerabilidade competitiva dos sectores produtivos e das empresas.
Com a justificação da subida e instabilidade dos preços do petróleo (Brent), ajudados pela subida do IVA em 2 pontos percentuais (decisão do OE/2011 do PS e PSD) e o fim da isenção fiscal no biodiesel, a gasolina e o gasóleo ultrapassam os altíssimos preços de 2008! O GPL, combustível cujo uso devia ser incentivado, entre Fevereiro de 2010 e Fevereiro de 2011 tinha subido 21,6%! O gás de garrafa (propano e butano), o gás doméstico de milhares de famílias pobres, no interior e freguesias rurais, subiu, segundo dados da Direcção Geral da Energia e Geologia, entre Dezembro de 2009 e Dezembro de 2010, 29,3%.
2. Os referidos preços da energia em curso ou previstos para Portugal são, particularmente no que respeita aos combustíveis líquidos, dos mais elevados entre os países da União Europeia, sendo mesmo, em geral, superiores à média dos preços comunitários em euros e antes de impostos/taxas. Se a divulgação desses preços fosse feita exprimindo os valores em PPC - Paridades de Poder de Compra, os preços relativos da energia em Portugal ainda seriam mais elevados.
(i) Os preços dos combustíveis sem impostos em Portugal foram superiores, em todos os meses de 2010, aos preços médios da União Europeia. E foram superiores, em média, na gasolina 95 em +4,4% (+0,023€/litro) e no gasóleo em +6,7% (+0,037€/litro). Se a análise for feita por países, conclui-se que, também em todos os meses, e em relação à gasolina 95, o preço sem impostos em Portugal foi superior, em média, ao de 22 dos 27 países da União Europeia e, relativamente ao gasóleo, foi superior a 23 dos 27 países da União Europeia, sendo a diferença, em relação a muitos países, ainda maior do que a referida.
(ii) As tarifas da energia eléctrica (e também no GN) em Portugal, têm valores com um posicionamento muito variável consoante o escalão de consumo, penalizando os escalões inferiores/menores consumidores e premiando os escalões superiores/maiores consumidores, uma consequência da privatização dos operadores, que substituiu a lógica de utente pela lógica de cliente! Por exemplo, no escalão Da, o “social” (agora substituído pela tarifa social), apenas a Alemanha, a Holanda, a Suécia têm tarifas mais altas. No escalão De, o dos “mais ricos”, já se verifica que as tarifas portuguesas são das mais baixas.
Segundo os valores do Eurostat, no primeiro Semestre de 2010, as tarifas em Portugal do escalão Dc (o escalão usado pelo Eurostat nos relatórios e onde está 37% do consumo doméstico) sem taxas, eram mais altas em 14 países e mais baixas em 9, (não há valores em 3). Com taxas, as tarifas estão, entre nós, colocadas a “meio da tabela” entre os 27 países, havendo 10 que têm tarifas mais altas, e entre esses estão a Espanha e 16 com tarifas mais baixas. Elas representaram 94,5% do preço médio da UE27 e 91,7% das tarifas de Espanha. Se exprimirmos as tarifas em PPC, a situação altera-se significativamente: as nossas tarifas passam a representar 121% da média da EU27 e iguais às de Espanha! (Registe-se que bem recentemente, responsáveis da EDP tentaram pôr em causa a comparação de preços em PPC, considerando não ser adequado, “uma vez que o sector eléctrico é um sector de capital intensivo, com custos de capital fortemente dependente dos custos de combustíveis (fuel, carvão, gás) com preços fixados internacionalmente”. Mas a entidade estatística da União Europeia, não partilha felizmente dessa tese, como se pode verificar nos Relatórios do Eurostat, Data in focus 46/2010 para a electricidade e 47/2010 para o GN).
Para o sector industrial, o mesmo Relatório do Eurostat, usando o escalão Ic, mostra que as tarifas sem taxas são mais altas em 12 países e mais baixas em 10, (não há valores em 4). Com taxas, as tarifas portuguesas são 90,2% da média da UE27 e 80,1% da tarifa de Espanha.
Mas nestas comparações, há que fazer uma ressalva importante (que o Eurostat não tem em conta). Aos valores referidos para as tarifas em Portugal, há que acrescentar a repercussão do défice tarifário (cerca de 1700 milhões de euros em fins de 2010), que em tese (do Governo e ERSE) representam custos cuja inclusão na tarifa foi adiada, mas que será suportada pelos consumidores, através de inclusão nas futuras tarifas!
(iii) As tarifas do GN, sem taxas, para os consumidores domésticos, segundo o Relatório referido do Eurostat para o 1º Semestre de 2010, entre 24 países da UE27 (3 não tem dados), apenas a Suécia tem um valor maior que Portugal. Com taxas, a nossa tarifa foi 134,1% da média da UE27 e 111,9% da tarifa de Espanha! Expressas em PPC, a nossa passa a ser 134,5% da média da UE27 e 120,8% da de Espanha.
Para os consumidores industriais, na UE27 e tarifas sem taxas, há 15 países com tarifas mais altas que Portugal e 6 com tarifas inferiores (não há valores para 5). Com taxas, a nossa tarifa foi 90,3% da média da UE27 e 99,0% da de Espanha.
(Mais uma vez estes valores médios, referem-se a determinados escalões de consumo. Escalão D2 para consumidores domésticos com consumo anual entre 20 e 200 GJ e Escalão 13 para consumidores industriais com consumo anual entre 10 000 e 100 000 GJ, pelo que devem ser lidos com cuidado.)
3. É possível ter preços mais baixos? Ou tais preços são os necessários para assegurar a viabilidade económica e financeira das principais empresas do sector energético, assegurando: os seus custos operacionais, inclusive a remuneração razoável dos seus trabalhadores, a remuneração dos capitais investidos (assegurando custos financeiros e o pagamento de dividendos) e ainda, a capitalização necessária para novos investimentos?
Os fabulosos lucros apresentados ao longo dos últimos anos pelas principais empresas, mostram que há nos resultados obtidos uma desproporção evidente face aos valores médios dos rendimentos do capital em Portugal.
Quer pela exploração das posições monopolistas/oligopolistas com que intervêm no mercado nacional, quer no caso de preços regulados, como sucede em parte dos mercados de energia eléctrica e do gás natural, pelos mecanismos de fixação dos preços e custos do uso das redes de transporte pela entidade reguladora (ERSE), são-lhes proporcionados/garantidos preços, que asseguram elevados sobrelucros.
A GALP obteve em 2010, 611 milhões de euros de lucros antes de impostos e interesses minoritários (mais 159 milhões de euros do que em 2009, ou seja mais 35,5%), e entre 2005 e 2009 (3 487,4 milhões de euros). A EDP obteve 1662 milhões de euros de lucros antes de impostos (mais 94 milhões de euros do que em 2009, ou seja mais 6,0%), e entre 2005 e 2009 (6 887,5 milhões de euros). A REN obteve de lucros antes de impostos em 2010, 123,2 milhões de euros e entre 2005 e 2009 (1254,8 milhões de euros).
A recusa das entidades reguladoras, Autoridade da Concorrência (AdC) e Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) na realização de um estudo aprofundado dos resultados dessas empresas, demonstra a incomodidade causada pelos valores dos lucros obtidos.
Aliás, duas teses mistificadoras vêm a este propósito sendo exibidas. Uma, que quase pretende anular qualquer relação entre o preço/tarifa da energia e os resultados das empresas. Como diz a AdC nos combustíveis. Será caso para questionar então, a razão e necessidade das subidas de preços/tarifas a que vimos assistindo! A verdade é que se até 2003, havia alguma relação entre a inflação e a variação dos preços dos combustíveis, a partir de 2004 com a liberalização dos preços dos combustíveis, verificou-se que enquanto a inflação no período de 2004 a 2010, teve uma variação acumulada de 14,2%, já os preços do gasóleo e da gasolina 95 variaram respectivamente 62,4% e 41,5%. Também no mesmo período (2004 a 2010), para a mesma inflação acumulada (14,2%) o preço das tarifas eléctricas domésticas subiu 24,6%.
Outra, a de que os elevados lucros obtidos são conseguidos nas filiais e actividades das empresas no estrangeiro, como ainda agora os responsáveis da EDP vieram proclamar: “mais de 50% dos resultados operacionais da EDP são gerados por actividades fora de Portugal”! Esquecem-se os autores de tão estranha teoria, que essas empresas nasceram em Portugal, e que foi graças ao capital acumulado cá e a vultosos volumes de apoios públicos nacionais, que fizeram a sua “internacionalização”. Ou ainda, graças a um elevado nível de endividamento, cujo serviço de dívida, está a ser suportado também pelas actividades no País.
A recente avaliação feita por Vítor Bento sobre os sobrecustos suportados pelos sectores transaccionáveis – um valor equivalente a 15% do PIB (24 mil milhões de euros) – transferidos em duas décadas para os sectores não transaccionáveis, onde assumem um peso significativo os operadores energéticos, exprimem uma realidade inquestionável: preços da energia excessivos, para não dizermos especulativos!
A inutilidade ou impotência das entidades reguladoras, AdC e ERSE para responder aos factos atrás expostos, não carecem hoje de demonstração para a generalidade dos portugueses e mesmo analistas mais objectivos. Quando não são elas próprias a propor esses preços/tarifas, justificam-nos! O que fazem com recurso a uma argumentação e enquadramento regulamentador mais que questionável (caso da existência de um défice tarifário na energia eléctrica) ou através de estudos, em geral completamente fora de tempo e construídos na lógica utilizada pela empresa para fixar os preços, o que acaba por avalizar os preços praticados, com uma certificação “neutral” e científica”. Simultaneamente, absolvem e isentam o Governo da intervenção que seria necessário!
5. Com um elevado peso nos custos operacionais de milhares de empresas portuguesas dos sectores produtivos (agricultura, pescas e indústria) e dos transportes, o agravamento dos custos energéticos afecta directamente a sua competitividade.
O problema da competitividade, interna e externa desses sectores, põe-se particularmente no quadro da zona euro, em que um euro fortemente valorizado reforça os diferenciais de competitividade decorrentes da nossa menor produtividade, problema que os países da União Europeia fora da zona euro, com moeda própria, não enfrentam.
6.O período de crise que atravessamos, e as inaceitáveis medidas que o Governo, com o apoio do PSD, vem tomando para lhe responder, tornam obrigatório o uso dos preços da energia como instrumentos de redistribuição dos custos da crise, garantindo simultaneamente a viabilidade do tecido económico, onde a energia é um factor de produção transversal e decisivo e impedindo uma maior degradação da qualidade de vida das famílias.
Portugal teve preços regulados de energia até há bem poucos anos.
Os combustíveis, tinham um regime de preços máximos de venda ao público fixados a partir do “preço Europa sem taxas, resultante da média dos preços, antes de impostos, nos países da União Europeia” a que se somava o “factor de correcção para o mercado português” (FC), o ISP e o IVA. Os preços foram liberalizados em 1 de Janeiro de 2004, pela Portaria 1423-F/2003 de 31 de Dezembro pelo Governo PSD/CDS-PP de Durão Barroso e Paulo Portas, com o argumento de que tal regulação conduzia à “consequente ausência de concorrência e dos benefícios para os consumidores”. Como a experiência dos sete anos decorridos demonstrou à saciedade: nem concorrência nem benefícios para os consumidores, bem pelo contrário!
O 1º Ministro veio um dia destes exibir um cenário catastrófico em caso de preços administrados e a possível passagem para os contribuintes dos custos de tal decisão. De facto seria necessário demonstrar que tal aconteceu enquanto houve fixação administrativa pelo Estado de preços máximos, o que não fez, e depois demonstrar que tal situação era globalmente mais prejudicial para o conjunto da economia e despesas do Estado (que também consome combustíveis e obtém receitas fiscais da sua venda) do que o actual quadro de preços liberalizados.
A liberalização dos preços do gás natural (GN) e da energia eléctrica deu um novo salto em 2010, com os Decretos-Lei, nº 66/2010 de 11 de Junho, para o GN, e nº 104/2010 de 29 de Setembro para a electricidade. No caso do GN, a liberalização abrange todos os consumidores acima de 10 000 m3, ou seja no fundamental os clientes industriais e na electricidade todos os consumidores não domésticos, ou seja clientes em MAT, AT, MT, e BTE. Quer num caso quer noutro, a experiência dos meses de 2010 e 2011 decorridos desde Junho, traduzem-se numa generalizada subida das facturas energéticas, provavelmente com excepção das de meia dúzia de muito grandes consumidores.
Também os elevados custos e dificuldades técnicas da actual gestão/regulação pelas entidades ditas reguladoras (ERSE e AdC), num quadro de extrema complexidade, (sectores regulados e não regulados, obrigatoriedade de fornecedores de último recurso/serviço universal, articulação de operadores privados com interesses públicos e direitos dos cidadãos no acesso a bens essenciais, a perda da perequação de custos regional e social pela segmentação e privatização da cadeia de valor das operadoras, a multiplicidade dos operadores etc), colocam a necessidade de novos mecanismos de preços, que permitam reduzir a factura energética dos consumidores (domésticos e empresariais) e travar a apropriação pelos principais operadores de rendas proporcionadas pelas suas posições monopolistas/oligopolistas nos mercados.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, propõem que a Assembleia da República adopte a seguinte:
Resolução
Assembleia da República recomenda ao Governo, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República:
1. A criação, pelo Governo de um sistema de preços da energia – electricidade, gás (natural, propano e butano), e combustíveis líquidos (gasolina, gasóleo e fuel), regulados, que tendo em conta a viabilidade económica das empresas abrangidas, estabeleça um mecanismo de preços máximos, que tenha como referência os respectivos preços médios antes de impostos na Zona Euro;
2. O preço máximo em cada mês para os combustíveis líquidos e em cada semestre para a electricidade e o gás, será calculado pela DGEG tendo em conta o valor médio correspondente na zona euro, durante o período anterior;
3.Os preços para os consumidores domésticos das diversas formas de energia serão estabelecidos a partir daqueles preços máximos corrigidos por factor que tenha em conta a paridade do poder de compra dos países da zona euro estabelecido pelo Eurostat;
4. Alargando o conceito de gasóleo verde, já em vigor na agricultura e pescas, serão estabelecidos preços específicos para os sectores produtivos e dos transportes, a partir daqueles preços máximos para as formas de energia necessárias, corrigidos por factor que tenha em conta os respectivos diferenciais de produtividade face à zona euro.
5.O Governo legislará conforme as recomendações atrás referidas no prazo máximo de 60 dias.
6.Tendo em conta uma resposta urgente à presente situação, e independentemente dos ajustamentos que se vierem a mostrar necessários no quadro da regulação proposta, o Governo decidirá das seguintes medidas, no prazo de 30 dias, permitindo diversificar o uso de matérias-primas energéticas e uma rápida redução da factura:
(i) Instalação da Rede Nacional de Baixo Custo. Imposição às gasolineiras, a começar pela GALP, de venda nos seus actuais postos, combustíveis de baixo preço (“low cost”) e de os fornecer aos postos independentes, conforme as suas solicitações. (Como acontece num posto/GALP em Setúbal e nas Grandes Superfícies – diferencial segundo a AdC, de 11 a 13 cêntimos/litro).
(ii) Instalação de uma Rede Nacional de GNC – Gás Natural Comprimido, garantindo no mínimo um posto de abastecimento público por distrito e reforço da rede de GPL – Gás de Petróleo Liquefeito. Adequação da actual legislação respeitante a veículos a GNC e GPL, facilitando o seu licenciamento, circulação e estacionamento, no quadro de necessárias normas de segurança. Criação de condições para o uso do GNL – Gás Natural Liquefeito, pelos transportes rodoviários pesados (passageiros e mercadorias).
(ii) A eliminação faseada em 5 anos dos custos de interesse geral CIEG hoje suportados pela tarifa eléctrica, com anulação no imediato dos custos da garantia de potência (66 milhões €) e da remuneração dos terrenos das barragens (24 milhões €), e redução em prazo adequado não superior a 3 anos, em 50% dos incentivos às renováveis. As contrapartidas para esses cortes, bem como a anulação do défice tarifário no mesmo prazo de 5 anos, será a sua absorção como custos operacionais das actuais operadoras em Portugal.
(iii) A revisão do quadro legal da Tarifa Social (Decreto-Lei 138-A/2010 de 28 de Dezembro), no seu âmbito, passando a abranger os consumidores domésticos de GN, e alargando o universo dos beneficiários, a todas as famílias com o rendimento igual ou menor ao de referência para o limiar de pobreza. A tarifa social terá um valor igual a 50% da tarifa do escalão imediatamente superior e os custos da medida serão suportados pelos operadores.
(iv) Internalização como custos operacionais dos operadores do gás natural e electricidade das taxas cobradas pelos municípios pela ocupação dos seus equipamentos, sem os transmitir integralmente para a factura do consumidor.
(v) Aplicação da taxa reduzida de IVA (6%) para o gás de garrafa (propano e butano).
Assembleia da República, 11 de Março de 2011