Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

«É preciso dizer basta às ameaças, à chantagem e às ingerências que nos chegam da União Europeia»

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Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

As afirmações insultuosas do impronunciável presidente do Eurogrupo para com os povos do sul da Europa não são um ato isolado. Com maior ou menor insolência ou boçalidade, continuamos a assistir quotidianamente às mais inadmissíveis pressões e ameaças ao nosso país, a partir de instituições diversas da União Europeia.

Anunciado que foi o cumprimento das metas do défice público em 2016 e considerada iminente a saída de Portugal do procedimento por défice excessivo, logo veio o Banco Central Europeu, ou alguém por ele, dizer que isso não era suficiente para tirar Portugal do radar das ameaças, na medida em que subsistem “desvios significativos no défice estrutural”. E a intolerável ameaça de sanções que se julgava ter saído definitivamente pela porta, volta a entrar pela janela, agora com o pretexto dos desequilíbrios macro-económicos e acompanhada como sempre da ladainha repetitiva das “reformas estruturais”.

Definitivamente, neste processo de chantagens e ameaças, parece que vale tudo.

No fim da passada semana, parece ter chegado a Portugal a teoria e prática dos “factos alternativos” a propósito da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos. Parece que há quem queira que, ao contrário do que foi praticado, a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos seja afinal contabilizada no défice de forma a que Portugal já não saia do procedimento por défice excessivo. O PSD e o CDS vieram levantar essa hipótese e não esconderam o seu regozijo, ainda que para já tenha sido um falso alarme. O desejo do PSD e do CDS não se concretizou. Ainda não foi desta que o diabo saiu de trás da porta.

Mas eis que ainda ontem chegou mais um dos recorrentes relatórios da Comissão Europeia, relativo à não-sei-quantagésima avaliação pós-ajustamento, dizer que há uma incerteza quanto à meta do défice público, no valor estimado de 760 milhões de euros, como se a Comissão Europeia não tivesse já demonstrado a sua total falta de credibilidade no que diz respeito às contas que faz sobre Portugal.

E acresce a tudo isto a grosseira ingerência da Direcção Geral da Concorrência que, não satisfeita por ter coagido o Estado Português a oferecer o BANIF ao Santander à custa dos contribuintes portugueses, pretende agora impor uma solução para o Novo Banco mais uma vez à custa do mais elementar interesse nacional.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Em 2016 o défice das contas públicas ficou em 2,1 % do PIB, cumprindo integralmente as exigências formais da União Europeia. Para o PCP, esse cumprimento não é motivo de congratulação. A compressão do investimento, as restrições nos serviços públicos e a demora na reposição dos direitos dos trabalhadores, são consequências que decorrem dessa opção pela redução do défice.

Não fossem as restrições em matéria de défice público impostas pela União Europeia e os colossais encargos de uma dívida pública impagável que nos são impostos, e os portugueses poderiam viver significativamente melhor, com melhores salários, mais investimento, melhores serviços públicos e mais justiça social.

Mas o facto de não nos congratularmos, não dá razão ao PSD e ao CDS. Quem impôs sacrifícios tremendos aos trabalhadores e às camadas sociais mais desprotegidas do nosso país em nome de uma redução do défice que era preciso atingir custasse o que custasse, e quem aumentou impostos, cortou salários, pensões, direitos e investimentos, e nem sequer atingiu os objectivos que se propunha de redução do défice, não tem nenhuma autoridade política para criticar, muito menos quando utiliza o défice como pretexto para criticar as medidas de reposição de direitos e rendimentos.

Para o PSD e o CDS que, já nesta legislatura, defenderam o prosseguimento de uma austeridade sem fim e se opuseram à reposição de direitos, de salários e de pensões e criticaram a redução da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho, a política de reposição de direitos e rendimentos, seria sempre presa por ter cão e presa por não ter. Não cumprindo as metas do défice seria criticada pelo aumento da despesa e por se manter Portugal no procedimento por défice excessivo. Não havendo incumprimento, é criticada por ter ficado aquém do que seria necessário.

Foi por isso com indisfarçável pesar que os dirigentes do PSD e do CDS manifestaram a sua satisfação com o cumprimento das metas do défice, sempre na esperança que o diabo nos entre pela porta dentro pela mão da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu ou da Direcção Geral da Concorrência.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

É preciso dizer basta às ameaças, à chantagem e às ingerências que nos chegam da União Europeia, em nome de uma agenda ideológica que pretende subjugar os países mais frágeis e condenar os seus povos ao empobrecimento em benefício dos interesses económicos e financeiros que dominam as instituições da União Europeia.

Não chega dizer que o senhor fulano não tem condições para continuar à frente do Eurogrupo. O que é preciso é dizer aos senhores que mandam no Eurogrupo, na Comissão Europeia, no BCE e na DG Comp., que Portugal não é uma república das bananas. É um Estado soberano, habitado por um povo que reivindica o seu direito à autodeterminação e ao desenvolvimento, que tem o direito de lutar pelos seus interesses nacionais, que tem o direito a uma vida digna, que merece um mínimo de respeito e que não pode aceitar a submissão ignominiosa a que o pretendem sujeitar no quadro de uma União Europeia cada vez mais distante dos ideias de coesão social que alegadamente visava prosseguir.

Disse.

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