Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Sessão Pública «Aumento do Custo de Vida

«O povo paga as sanções dolorosamente, enquanto uma minoria acumula milhões de lucro»

«O povo paga as sanções dolorosamente, enquanto uma minoria acumula milhões de lucro»

O grave problema que aqui nos trouxe – o aumento do custo de vida – está a marcar de forma cada vez mais preocupante a realidade nacional e a vida dos trabalhadores e do povo.

Um problema que reclama uma intervenção séria e de emergência para o travar, sem os subterfúgios que o Governo do PS tem vindo a utilizar para não intervir com eficácia, como se impunha e sem as propostas das falsas medidas de assistencialismo barato e hipócrita que o PSD e os partidos seus sucedâneos têm vindo a defender. Todos, uns e outros, com o objectivo de não afrontar os grandes interesses económicos a quem servem e a desviar as atenções das verdadeiras soluções para atacar o problema que aflige a grande maioria da população. 

Hoje está claro, como já estava há muito, que ao contrário do que proclamavam os grandes centros que representam os poderes económicos dominantes na União Europeia e aqui no País, a inflação que vem crescendo desde meados do ano passado, assumindo uma dimensão cada vez mais grave, não era um fenómeno passageiro, como nos queriam fazer crer, porque isso servia os interesses do capital especulativo, pondo o povo a pagar. 

As intervenções e as opiniões aqui manifestadas mostram bem que o aumento do custo de vida, o seu crescente agravamento, está a assumir consequências desastrosas na vida de muita gente. E essas consequências, a persistir a actual política do deixa andar a especulação em roda livre, ou das medidas das meias-tintas que fogem à reposição do poder compra dos salários e reformas, vão agravar-se e transformar-se num enorme problema social que só a luta dos trabalhadores e do povo pode impedir.

É ver como o custo de vida avança a cada mês que passa. Em Abril a taxa de inflação homóloga era de 7,2%, em Maio de 8%, em Junho de 8,7% e há dias conhecemos a de Julho, que apresenta um novo salto para 9,1%. Muitos dos produtos essenciais subiram muito acima, como é o caso dos alimentares. 

Uma preocupante evolução, onde está presente uma brutal especulação promovida pelo grupos económicos nacionais e transnacionais. Especulação que começou por florescer à sombra da epidemia, aproveitada pelas grandes empresas e multinacionais da alimentação, da energia e tecnológicas, e com relevo para as do negócio da doença. Só as gigantes farmacêuticas que lucraram neste período da epidemia ao ritmo de 932 euros por cada segundo. Todas a beneficiar de investimento público de milhões e a colocar os milhões arrecadados nos offshore fugindo aos impostos.

Um regabofe! 

Lucros obscenos que os sectores alimentar e energético também conheceram. As cinco maiores empresas deste último sector duplicaram durante este período da epidemia os seus lucros, ao ritmo de 2600 dólares também por cada  segundo. 

É este o mundo da exploração capitalista que vivemos onde convergem a socialdemocracia, apoiante do neoliberalismo dominante, e a direita dos vários matizes para servir, no que é essencial, os senhores do dinheiro. É este mundo que a política de direita ao serviço do capital defende e promove, também por cá e que se ampliou numa agressiva fúria exploradora e especulativa a pretexto da guerra e das sanções.

Sanções que o povo paga e está a pagar dolorosamente, enquanto uma minoria acumula milhões de lucro.
 
De facto, a vida está cada vez mais difícil para a grande maioria dos que vivem e trabalham neste País. Tudo está mais caro. Esta é a realidade com que cada um se confronta todos os dias quando vamos às compras para levar comida para casa, o pão, a carne, o peixe, quando se abrem as contas da luz, água, gás, renda e prestações da habitação, telecomunicações, seguros, combustíveis, medicamentos e todo o tipo de despesas.

Cada dia que passa o salário e a pensão ficam mais curtos para despesas cada vez maiores. Uma grande parte das famílias fazem cada vez mais contas e já estão a cortar na alimentação, outros, e não são poucos, deixaram de poder assegurar o básico, porque o salário ou a reforma não chega ao fim do mês. 
Com as taxas de juro a crescer acima do que inicialmente anunciavam os representantes dos grandes potentados financeiros, instalados nos principais bancos centrais, já se adivinha a velocidade com que vão subir e com elas a factura da casa e do resto, promovendo também por esta via a especulação e a exploração. Programam já para Setembro uma nova subida.

Mas enquanto os preços do que é essencial à vida sobem e a maioria do povo se defronta com graves dificuldades, os grandes grupos da distribuição no nosso País, nestes primeiros seis meses do ano, amealham milhões como nunca tinham amealhado. A Sonae do Continente duplicou os lucros. Outros, como a Jerónimo Martins, encerraram a primeira metade do ano com lucros de 261 milhões de euros, uma subida de 40,3%. 

Se olharmos para a banca, para os seis maiores bancos, o seu lucro chegou, no mesmo período, aos 1,3 mil milhões de euros. É 90% superior ao mesmo período do ano passado, ou seja, quase duplicaram também os lucros. Num contexto de subida das taxas de juro, mais se impõe que seja posto fim a essa escandalosa e contínua cobrança de milhares de milhões de euros de comissões bancárias, em particular as cobradas em nome da manutenção de conta à ordem, como o PCP propõe.    
Vejam-se ainda os lucros das 13 cotadas no PSI nestes mesmos seis meses, onde estão também a GALP, a EDP, a NOS, a ALTRI, a REN, já superam os 2,3 mil milhões de euros.  

Todo um trajecto de aprofundamento das desigualdades e de degradação acentuada da situação social sem que o Governo tome as medidas que se impunham para as travar e impedir que uma minoria se sirva da guerra e das sanções para aumentar a sua já vasta fortuna. 

Minoria que conta com a conivência e complacência do Governo PS que se fica pela propaganda e pouco faz, tal como conta com o apoio do conjunto das forças retrógradas e reaccionárias do PSD, CDS, IL e Chega que falam muito, mas batem sempre ao lado do que se impunha fazer, encobrindo a origem do surto inflacionista e do crescimento das dificuldades e desigualdades. Falam e falam muito, mas quando se trata de assegurar a melhoria de salários ou pensões ou medidas de controlo de preços para atacar o problema estão sempre do outro lado, do lado do grande capital. 

Não bastavam as dificuldades que há muito se enfrentam no acesso aos serviços públicos, particularmente da saúde, na obtenção de uma habitação condigna, de creche, transporte para trabalhar, a muito degradada situação laboral, onde a precariedade e a ausência de direitos abundam, em cima dessas dificuldades, dizia, temos este brutal aumento do custo de vida. 

Carestia de vida que apela também à tomada de medidas que permitam aliviar o peso nas despesas do orçamento familiar de certas funções sociais e serviços que o Estado devia garantir e está longe de o fazer. É o caso das creches gratuitas para todas as crianças. Essa conquista que resulta da proposta do PCP de 2019 e que abriu caminho à sua gratuitidade em 2020, ainda que com limitações. Mas é em resultado desta iniciativa do PCP que dentro de dias, os bebés nascidos depois de 1 de Setembro de 2021 têm direito a creche gratuita. Porém, de fora ficaram ainda milhares de crianças de dois e três anos e muitas também porque não há vagas suficientes para todos as crianças, porque o Governo do PS resistiu e continua a resistir à promoção de uma indispensável rede pública de creches. Nestes tempos difíceis para os jovens com filhos, é preciso que a gratuitidade das creches abranja todas as crianças, independentemente da idade, e urgentemente se criem novas vagas, assumindo o Governo o investimento necessário. 
  
A realidade que hoje os trabalhadores, os reformados, os micro e pequenos empresários enfrentam mostra quanta razão tinha o PCP para votar contra as propostas de Orçamento do Governo do PS, apostado que estava em fugir a dar resposta a toda esta situação e aos problemas que eram então já muito visíveis.

Uma fuga que se consumava com uma manobra eleitoralista, depois de uma contínua acção de resistência a dar solução aos problemas de fundo do País. Resposta aos problemas que implicava mexer nos grandes interesses económicos e o PS não quis, como hoje não quer e tudo faz para manter intocáveis tais interesses. 
É inquestionável que, face ao agravamento da situação económica e social, o País não pode ver adiadas por mais tempo medidas de emergência de combate ao custo de vida que há muito deviam estar em execução pelo Governo para combater esta desastrosa evolução da situação nacional. 

Está na hora de travar a especulação e controlar os preços. Está na hora de repor o poder de compra perdido pelos salários e pelas reformas. 

Não se pode adiar por mais tempo esta exploração desmedida do trabalho e do nosso povo que está em curso.
 
Os problemas exigem uma resposta imediata. Exigem que o Governo deixe de dar voz e acolhimento à fraudulenta tese propalada pela União Europeia e pelo grande capital de que a valorização dos salários alimenta a chamada espiral inflacionista. 

Desde logo acabando com a caducidade da contratação colectiva, essencial para dar mais força aos direitos e à negociação colectiva, nomeadamente criando condições para a valorização dos salários no sector privado. Ao mesmo tempo que deve tomar a iniciativa na Administração Pública. Tal como no imediato se impõe decidir um aumento intercalar do Salário Mínimo para 800 euros e proceder a um aumento extraordinário das pensões ainda este ano de 2022. Um aumento que permita repor o poder de compra perdido neste último ano, já que o que foi feito  foi completamente comido pela inflação. 

Sim, é preciso valorizar salários e reformas, também porque a evolução da distribuição da riqueza em Portugal continua a ser demonstrativa de uma profunda injustiça social. As assimetrias existentes na acumulação de riqueza não só não se esbatem, como confirmam que uma pequena percentagem das famílias portuguesas detém mais de metade da riqueza, enquanto a esmagadora maioria dos portugueses ficam com uma pequena fatia dessa riqueza.

E se as injustiças na distribuição da riqueza e o processo de concentração da riqueza eram uma realidade projectada e promovida por anos e anos de política de direita de sucessivos governos, a situação de acelerada concentração e centralização de riqueza a que assistimos ainda mais acentuará essa injustiça.  
 
Este problema não se resolve com medidas  assistencialistas fugazes, venham do Governo ou dos que se afirmam como força de oposição que foram e são apenas forças de alternância sem alternativa, como o PSD que acena com a falácia dos vales alimentares de três meses ou com a redução da retenção na fonte do IRS pelo mesmo período e por aqui fica, como se em Janeiro de 2023 os preços diminuíssem ou ficassem congelados. Falácias e mais falácias para não resolver o problema da valorização dos salários e não tocar nos preços abusivos que dão lucros extraordinários aos senhores do capital e que se recusam também a taxar.  

Sim, para inverter este processo é preciso a valorização geral dos salários, incluindo do salário médio e do Salário Mínimo Nacional, sob pena de se continuar a agravar a pobreza no País. Os actuais 705 euros são manifestamente insuficientes para a reposição do poder de compra que se perdeu.

E a situação piora quando o Governo do PS, com o apoio do PSD, CDS, IL e Chega, se recusa a atacar com reais soluções o flagelo da precariedade, esse suplemento adicional que dá vida ao modelo de baixos salários em que assenta a economia portuguesa.   
 
Isso está patente na proposta de Lei do Governo que pomposamente denomina de “Agenda do trabalho digno e da valorização dos jovens no mercado de trabalho”. Uma proposta que mais não é que a continuação e mesmo agravamento da indignidade com que os trabalhadores são tratados.

Uma proposta que em vez de combater a precariedade visando a sua eliminação, tolera-a, apontando medidas que não vão resolver a grave situação existente. 
Sim, camaradas, a situação só pode piorar quando se apontam perspectivas de agravamento da exploração dos trabalhadores pela recusa da revogação das normas gravosas da legislação laboral e pela introdução de elementos de acrescida precarização das relações laborais e fragilização dos direitos dos trabalhadores. 
E no que diz respeito às reformas é preciso, além de defender a sua valorização, estar atento à nova ofensiva que já se desenha contra elas a pretexto da sustentabilidade da Segurança Social. 

Nestes conturbados e difíceis tempos para o nosso povo, voltam a soprar, vindos do FMI, os ventos das medidas da troika contra as reformas e que a luta derrotou. É a sanha anti-social da política de direita que já impôs significativos retrocessos no sistema de protecção social dos portugueses que querem relançar. Dizem, pasme-se, que “Portugal tem um dos regimes mais generosos da OCDE”! Querem-no alterado. O preocupante é que o Governo do PS vai mostrando abertura à sua consideração. 

Só quem não vive neste País de baixos salários e baixas pensões pode afirmar tal coisa! 
A solução para assegurar a sustentabilidade da Segurança Social garante-se com uma política económica promotora de emprego e salários valorizados e com o reforço financeiro do sistema previdencial, completando nomeadamente o actual sistema de cálculo das contribuições das empresas com base nas remunerações com um outro sistema baseado na riqueza líquida criada pelas empresas.

O que Portugal precisa para o presente e para o futuro é de valorizar reformas e pensões e não rebaixá-las!

Mas se em matéria de combate ao aumento do custo de vida, os salários e as reformas são essenciais, esse combate exige outras urgentes medidas. 
São uma emergência as medidas de controlo e fixação de preços que o PCP tem defendido e proposto, lá aonde os preços estão claramente a ser empurrados pela estratégia especulativa dos grupos económicos. 

Não é aceitável que, perante a espiral de aumentos de preços, o Governo recuse medidas de controlo e fixação de preços.

É tempo de o Governo tomar outra atitude face ao aumento escandaloso dos combustíveis, regulando os preços e fixando preços máximos! 

É tempo de garantir igualmente o controlo dos preços e a tarifa regulada na energia eléctrica, ameaçada de novos e violentos aumentos, mas também do gás, bem como a reposição da taxa do IVA nos 6% nestes serviços.

Tal como é inadiável a concretização de um Cabaz Alimentar Essencial, que defina um preço de referência para cada um dos produtos, com base nos custos reais e numa margem não especulativa.

Mas é perante este processo em curso de expropriação desenfreada do povo realizado pelos grupos económicos que o PCP propôs e considera uma medida inadiável, a tributação dos lucros extraordinários que estão a ser obtidos com as actividades especulativas e canalizá-los para reforçar a resposta com medidas de apoio de protecção social e aos sectores mais atingidos pelo aumento da carestia de vida. 

É tempo de passar das palavras aos actos e impedir o empobrecimento acelerado de milhões de portugueses! 

Se da nossa parte não abdicaremos de continuar a tomar no plano das instituições a iniciativa confrontando o Governo e todos os protagonistas da política de direita com a nossa iniciativa e proposta, nesta situação que vivemos a luta dos trabalhadores e do povo torna-se ainda mais imprescindível. Reforçar e dinamizar a luta de massas para travar o aumento do custo de vida, assegurar condições de trabalho e de vida dignas aos trabalhadores, aos reformados, aos micro, pequenos empresários e pelo futuro do País é um imperativo da hora presente! 

Da nossa parte a todos reafirmarmos que podem contar com o PCP, com a solidariedade e a intervenção de uma força que tem estado e está na linha da frente pela elevação das condições de vida do povo, contra a pobreza e as desigualdades. Foi assim nestes tempos difíceis que atravessamos, será assim no presente e no futuro, quer no plano social, quer no plano político e institucional, onde se afirma uma intervenção ímpar do PCP, como ficou demonstrado no recente balanço da actividade do seu Grupo Parlamentar neste primeiros meses da nova legislatura. Uma intervenção centrada na valorização do trabalho e dos trabalhadores, do combate ao aumento dos preços, no reforço dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, na saúde, na educação, na protecção social, na habitação, pela defesa da produção nacional e pelo desenvolvimento do País.

Uma intervenção ampla em clara demarcação e ruptura com a política de direita, cada vez mais presente nas opções e omissões por parte do Governo do PS, mas igualmente das que são portadoras as forças retrógradas e reaccionárias do PSD, CDS, IL e Chega. 

A evolução da vida nacional mostra que não só são necessárias medidas imediatas para impedir que se afunde a vida da maioria da população, como mostra que Portugal precisa de uma outra política de desenvolvimento económico e social. Uma política de desenvolvimento verdadeiramente alternativo, patriótica e de esquerda, liberta dos condicionamentos externos de submissão à União Europeia e ao capital monopolista.

Uma outra política, que valorize o trabalho e os trabalhadores, que defenda a produção nacional, que promova os serviços públicos e as funções sociais do Estado, que garanta a justiça fiscal taxando o capital e aliviando quem trabalha e os pequenos e médios empresários, que combata a corrupção, que defenda a soberania e o interesse nacionais, num quadro de um mundo de paz e cooperação entre os povos. 

A política capaz de assegurar o desenvolvimento soberano e um futuro de progresso e justiça social, é essa a política por que o PCP, com os trabalhadores e o povo, continuará a bater-se.

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