Já não nos lembramos se foi "a notícia do dia" mas temos a certeza que saiu em tudo onde podia sair. As televisões, não fosse alguém duvidar, mostraram mesmo o "fac-símile" da carta de Guterres a "pedir explicações" à NATO sobre o uso de plutónio, onde até se conseguia ver escrito pelo punho do Primeiro-Ministro um "Dear Mr. Secretary General". É claro que, nas circunstâncias difíceis que neste caso enfrenta, na NATO o lado para onde se dorme melhor é aquele onde estiverem cartas destas, fingidamente inquietas, preocupadas, firmes e exigentes.
É claro que, antes da carta seguir, pelo telefone ou pelos canais diplomáticos, alguém do Governo disse ao Secretário-Geral da NATO que compreendesse que, face à inquietação das opiniões públicas, era bom para os interesses duradouros da própria NATO que governos nacionais marcassem publicamente alguma reserva ou distância. E é claro que o Sr. Robertson terá respondido "Yes, yes, I am the first to understand" ("sim, sim, eu sou o primeiro a compreender").
Num assunto e problema onde já tinha havido, a nível oficial, do pior que imaginar se pode - desde mentirolas a hipocrisias, desde insensibilidade a insolências, desde truques de manipulação a puras parvoíces - havia de chegar fatalmente, e chegou com esta carta, a fase das encenações insultuosas para a inteligência dos portugueses.
Pelos vistos, temos um Primeiro-Ministro que fala muito da Internet (de modo tão deslumbrado quanto superficial, convenhamos) mas afinal devia julgar que os milhares de referências e as dezenas ou centenas de "sites" especializados que , crescentemente desde há 10 anos, lá se encontram sobre o tema "urânio empobrecido, plutónio, EUA e NATO" (incluindo abundantes notícias sobre seminários e estudos sobre os efeitos da utilização militar daquelas substâncias), devem ser obra de maluquinhos que não têm mais nada que fazer.
Por nós, desejosos de ser poupados a mais cenas tristes, trocávamos de bom grado a carta de Guterres ao Secretário-Geral da NATO por uma confissão mais honesta e verdadeira perante o país, algo do género "É verdade: na NATO, sempre fomos, somos e seremos um verbo de encher. Desculpem, mas é a vida !".
Embora, como vamos mostrar hoje e depois, não haja nenhuma resignada exclamação de que "é a vida" que possa adormecer a indignação e o protesto contra uma política desumana e indigna e as atitudes serventuárias que dela são cúmplices e por ela têm de ser co-responsabilizadas.