Intervenção de Alma Rivera na Assembleia de República

É possível, enfrentando o poder económico, travar a destruição da natureza e defender os povos

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Discutir a Ação Climática e as grandes questões ambientais do nosso tempo é tão exigente quanto urgente.

Identificar causas para os fenómenos, identificar soluções eficazes, enfrentar interesses, sem esquecer a denuncia da instrumentalização de questões ambientais para impor agendas alheias ao interesse do planeta ou da humanidade.

Se é evidente que os impactos da acção humana no equilíbrio ambiental não começaram com o capitalismo, é por demais óbvia a perturbação no metabolismo homem-meio sem precedentes introduzida pelo modo de produção capitalista.

O problema ambiental, de resto, o problema da humanidade, é o problema dos recursos, neste caso da sua utilização que, num capitalismo dominante à escala global, orienta-se não para a satisfação de necessidades e do bem-estar, mas sim para a maximização do lucro, com a criação de necessidades e utilização desenfreada de recursos.

A reprodução constante de capital choca com as vidas e direitos humanos, mas também com a Natureza, contradições que redundam num processo que é preciso parar. O tempo de renovação da terra está demasiadamente desfasado dos tempos que o modelo socioeconómico impõe.

É por isso que não escamoteamos nem reabilitamos o sistema nesta discussão. O capitalismo não é verde.

E se dúvidas restassem basta dizer que apenas 100 grupos económicos são responsáveis por 70% das emissões globais.

Mas sendo o modo de produção capitalista responsável pela destruição da Natureza, também é necessário apontar objetivos a curto e médio prazo, e é por isso que necessitamos urgentemente de uma viragem: necessitamos de uma nova Lei de Bases do Ambiente e da Ação Climática.

A proposta que hoje aqui trazemos visa intervir a diferentes níveis fundamentais no momento actual:

-Desde logo, na necessidade de uma real limitação de emissões com efeito estufa e outros poluentes, sem atribuição de licenças transacionáveis, sem financeirização.

Uma Contabilidade Ambiental justa que tenha em conta a necessidade de redução das emissões de GEE e uma justa distribuição dos esforços para as alcançar, por sectores e por países; em que cada agente económico reduza de facto, com os processos tecnologicamente mais eficientes e adequados.

O país tem de se opor a mecanismos de especulação que não resolvem o problema, podendo até, como assistimos no Comércio Europeu de Licenças contribuir no sentido contrário e deve bater-se por um normativo específico e por metas e objectivos para o nosso país não cristalizados que evoluam com o conhecimento e potencialidades a cada momento.

- É necessário diminuir a dependência dos combustíveis fósseis, que satisfazem atualmente 85% das necessidades energéticas mundiais, com alternativas de domínio público e aumento da eficiência energética, sem cedências a alternativas desastrosas como os agrocombustíveis;

- É incontornável a urgência da planificação económica, equacionando os setores essenciais de acordo com as necessidades das populações e do país, promovendo o desenvolvimento da agricultura e indústria de acordo com critérios de interesse público e, consequentemente ambiental, com a retoma do controlo público dos setores essenciais, nomeadamente o setor energético.

-É preciso promover uma planificação e distribuição mais equilibrada no território, por uma organização deste que contribua para uma utilização racional de recursos e para a transição do paradigma do transporte individual para o transporte coletivo;

- Há que avaliar as necessidades de produtos, bens e serviços, combatendo a obsolescência programada e prolongando a durabilidade de equipamentos e infraestruturas;

– É urgente defender a produção local e encurtar os ciclos de produção-consumo, travar a liberalização do comércio mundial, estimulador de longas cadeias de distribuição de avassalador consumo energético e factor de agravamento das desigualdades.

– Não se pode adiar a defesa dos ecossistemas naturais, terrestres e marinhos, e a recuperação de ecossistemas degradados, (também pelo seu papel como sumidouross) e por isso temos de ter uma política de preservação de recursos naturais e valores ambientais, sem apropriação destes por grupos económicos

- É vital combater a mercantilização da água e a desresponsabilização do Estado na defesa da natureza e do ambiente.

-As novas bases de política ambiental têm de fomentar uma real Participação democrática com o envolvimento das populações na definição de políticas públicas à escala local e regional.

E nunca esquecer que a luta pela paz é parte da luta pelo ambiente, porque a guerra, o militarismo e a indústria do armamento são dos fenómenos mais poluentes que existem e não é por acaso que a conceptualização do crime de “ecocídio” está ligada precisamente à destruição total provocada pela utilização de napalm pelos Estados Unidos na sua guerra contra o Vietnam

Estes são os objectivos e linhas do PCP para uma Lei de Bases do Ambiente e da Ação Climática

Srs deputados.

Hoje discutimos 8 propostas de Lei de Bases do Clima. E como a própria crise ecológica é uma consequência das relações sociais e económicas, não está acima da política e por isso as soluções e os olhares políticos serão forçosamente diferentes.

A situação ambiental do nosso país caracteriza-se pela ausência de visão e estratégia integrada, com a privatização de setores fundamentais como a energia ou os resíduos, a progressiva mercantilização da natureza e serviços públicos destinados ao tratamento das questões ambientais depauperados ao nível dos meios e possibilidade de atuação. Isto é fruto de opções e escolhas de sucessivos governos de PS, PSD e CDS.

Um dos elementos diferenciadores da proposta do PCP é que não isola a questão do Clima da política geral de ambiente. Porque por um lado a Lei de Bases do Ambiente tem de ter a questão climática como questão estruturante e porque uma segmentação da abordagem seria absolutamente ineficaz.

Nem a ação climática é alheia ao ambiente e aos recursos com que contamos (obvio), nem a política de solos, de recursos hídricos, de ar, de recursos geológicos e minerais, energéticos, as florestas, a biodiversidade ou o tratamento de resíduos e a produção agroalimentar podem deixar de ser parte estruturante da resposta às alterações climáticas. Qualquer decisão, medida, qualquer acto legislativo tem de ser orientado por princípios que tenham em conta o sistema ecológico globalmente considerado.

Não têm faltado estratégias, planos e programas para a mitigação e adaptação às alterações climáticas, não existem é visões intersectoriais que se desalinhem com o poder económico e financeiro.

São bem diferentes os objectivos e linhas do PCP para uma Lei de Bases do Ambiente e da Ação Climática.

Não alimentamos o poder económico, não servimos interesses obscuros, nem visões mercantilistas da natureza ou que ignorem responsabilidades cumulativas, perpetuando a hegemonia de uns países sobre outros.

Este é um tempo que nos exige transformar, não escamotear responsabilidades e muito menos transferi-las para as camadas populares que em nada ganharam com a destruição da Natureza.

Os exemplos são tantos quanto a hipocrisia de muitos.

Será honesto dizer às pessoas para comprar verde, que a culpa é do seu consumo e depois criar produtos destinados a ter um período de vida reduzido e assim terem de ser comprados novamente?

É justo, é sério meter o povo a pagar taxas e taxinhas, como os sacos de plástico, e depois o interesses económicos falarem mais alto e recusar-se uma proposta como a do PCP de redução de embalagens desnecessárias, utilizadas apenas para marketing, em que um produto vem com dois e três invólucros só para ser mais apetecível?

Faz sentido que se possa pagar para poluir? Que exista um princípio a estabelecer que o poluidor, se for um bom pagador, é absolvido? É esta a fiscalidade verde?

E o mesmo com a grande medida da União Europeia, acolhida entusiasticamente por Portugal, o mercado de licenças de emissão de carbono.

Qual é a lógica, qual é o compromisso com o combate às alterações climáticas quando se transformaram as emissões e o carbono num mercado de especulação milionário, em que uma empresa ou um país podem até vir a emitir mais se compensarem com projetos mineiros (mesmo que prejudiciais), só porque são do outro lado do mundo? ou que se plantem eucaliptos que destroem floresta autóctone e que apesar de sumidouros contribuem para os interesses das celuloses e até para os incêndios?

Pode uma multinacional cujo negócio é centrado no petróleo e no gás como a BP autodenominar-se e autopublicitar-se de “zero emissões” porque financia plantações na Zâmbia e fogões no México?

Vamos aceitar um descarregar de consciência ao engordar o sector automóvel e fomentar a compra massiva de automóveis elétricos dentro de 15 anos como propõe o PS e fingir que tudo isto é isento de problemas ambientais nem está a transformar o mundo numa mina de metais raros?

Apelar ao fim da pecuária do nosso país para importar soja transgénica do outro lado do mundo? Ignorar a existência de acordos e tratados transcontinentais que Portugal assinou e que nos fazem importar os produtos mais básicos que temos aqui no nosso quintal?

São estas as questões do nosso tempo.

A crise ambiental não é uma consequência inevitável da história humana, é fruto de opções e do modelo socioeconómico estabelecido.

É por isso que a visão integrada do ambiente é a que melhor serve os interesses do povo e do país e permite salvaguardar o equilíbrio ecológico e combater as alterações climáticas.

Não propomos apenas para fazer ambientalismo tipo jardinagem, que é o ambientalismo sem luta de classes que Chico Mendes, a quem prestamos homenagem, apelidou.

Porque é possível, havendo vontade, havendo coragem, enfrentando o poder económico, travar a destruição da natureza e isso é do interesse dos povos.

E é, é possível, sem absolver os donos do mundo, sem colocar velhos contra novos, sem aprofundar desigualdades, proteger o planeta e todas as formas de vida.

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