Portugal e o Pico de Hubbert - Intervenção de Jorge Figueiredo - Sessão sobre Energia

Um
fantasma ronda o mundo.  É o fantasma do
fim da era do petróleo.  O início do seu fim
está a dar-se neste momento, quando a humanidade atinge o Pico
Petrolífero.  A partir deste ponto máximo
a curva da produção mundial já não pode aumentar e inicia o seu declínio
irreversível.  Nos próximos 40 ou 50 anos
a dotação de petróleo convencional existente no planeta deverá estar praticamente
esgotada.  Trata-se de um facto com
profundas, graves e pesadas consequências para toda a humanidade, até mesmo de
ordem demográfica.

Nos
breves 15 minutos concedidos para esta intervenção é impossível explicar com
mais pormenor a teoria desenvolvida pelo Dr. King J. Hubbert, o grande
geofísico norte-americano.  Para os
interessados remeto às investigações contemporâneas de cientistas como Collin
Campbell, Jean Laherrere, Ali Bakhtiari, Kenneth Deffeyes, Matthew Simmons, Rui
Namorado Rosa e tantos outros, que corroboram a plena validade da descoberta do
Dr. Hubbert.

Pode-se
perguntar:  por que chamámos de fantasma
àquilo que é um facto já estabelecido por numerosíssimas evidências empíricas e
dados quantitativos?  Resposta:  pela simples razão de que tal facto está a
ser omitido e silenciado.  Trata-se de um
conhecimento reservado apenas a "iniciados". 
Os governos do mundo que sabem da existência do Pico Petrolífero
escondem-no dos seus cidadãos.  As
empresas petroleiras preferem não falar do assunto em público, tentando
prolongar ao máximo uma situação que lhes é vantajosa.  E os media ditos "de referência" vão
entretendo o público com ficções marginais, como essa gigantesca campanha para
instilar o medo de um suposto aquecimento global. 

Não
precisaremos esperar 50 anos para sentir as consequências do Pico.  Elas já começaram a se fazer sentir.  Basta ver a nova agressividade do
imperialismo pelo domínio dos recursos petrolíferos remanescentes no planeta,
na África, Ásia, América Latina e obviamente Médio Oriente, onde chega a
brutais invasões armadas e à instalação de bases militares permanentes.  Assistimos a tudo isso, mas entre o grande
público persiste um défice de percepção das suas causas de fundo:  o fim da Era do Petróleo, anunciado pelo Pico
(ou actual plateau).


uma realidade que deve ser encarada de frente: 
o petróleo convencional não pode ser substituído, não existe no mundo qualquer
outra energia primária que substitua a quantidade agora produzida e consumida
de petróleo convencional, da ordem do 84 milhões de barris por dia.  Nem os petróleos não convencionais (deep
offshore, polar, areias betuminosas, petróleos pesados, processos coal to
liquids e gas to liquids, etc), nem as energias renováveis (como as mixórdias
feitas com biocombustíveis líquidos), nem o metano fóssil ou não-fóssil podem
substituir as quantidades colossais hoje gastas na grande festa do consumo de
petróleo.  Simplesmente não existem meios
energéticos alternativos para tais quantidades. 

Deste
dado factual devem-se tirar as conclusões que se impõem.  1) a humanidade terá necessária e
inevitavelmente de reduzir o seu consumo energético;  2) deveríamos desde já preparar uma transição
tão suave quanto possível, não traumática, para o mundo pós petróleo.  Tal preparação, estima um investigador
norte-americano, levará pelo menos uns dez anos e exigirá grandes
investimentos.

Além
disso, há uma terceira conclusão a ser extraída:  a partir de agora deveríamos poupar tanto
quanto possível do petróleo remanescente no planeta em benefício das gerações
vindouras.  É o que propõe o "Protocolo
do Esgotamento" (Depletion Protocol),
um esquema inteligente de racionalização da produção e consumo de petróleo destinado
a congregar os interesses divergentes dos países produtores e dos países
consumidores.  O PCP já deu um passo
nesse sentido:  muito lucidamente
apresentou no Parlamento o Projecto de Resolução Nº 164/X (Diário da Assembleia
da República, 2ª série, 20/Dezembro/2006). 

Se
no plano mundial já há numerosos estudos acerca das consequências do início do
fim da Era do Petróleo, aqui no nosso burgo lusitano estamos atrasadíssimos até
mesmo quanto à consciência da própria existência do Pico, e mais ainda quanto
às suas consequências.  Continuamos
alegremente a festa do consumo desbragado de petróleo, como se ela pudesse
perdurar para sempre.  A ignorância dos
governantes portugueses é aterradora e nem sequer dispõem de uma política
energética digna desse nome.

A
dependência portuguesa das importações de energia é da ordem dos 84 por
cento.  Além disso verifica-se um
afunilamento:  do total da energia
importada, 68 por cento é constituída por petróleo.  Trata-se de uma situação assustadora mesmo
nesta fase incipiente em que as consequências do Pico ainda são ténues.  Considerando que no mundo pós-Pico haverá uma
tendência estrutural para o aumento do preço do barril, Portugal ficará numa
situação de vulnerabilidade total. 

Em
2005 o país efectuou importações líquidas de 15,88 milhões de toneladas de
petróleo.  A repartição do consumo final
nesse ano, como mostra o balanço energético da DGGE, foi assim:

Sector

Toneladas

%

Agricultura e pescas

278.290

2,4

Indústrias extractivas

74.190

0,7

Indústrias transformadoras

1.535.808

13,5

Construção e obras públicas

849.890

7,5

Transportes

   dos
quais: rodoviários

6.840.828

6.199.830

60,0

54,4

Doméstico

715.656

6,3

Serviços

1.100.647

9,7

Consumo final

11.395.309

100

Estes
números mostram a desindustrialização do país (apenas 13,5 por cento para a
indústria transformadora).  Mas mostram
sobretudo o verdadeiro cancro que corrói a economia portuguesa:  o desbragado consumo energético do sector dos
transportes, o qual é constituído quase exclusivamente por refinados de
petróleo.  Qualquer governo decente
consideraria tal situação, em si mesma, como insustentável.  Mesmo que não estivéssemos na primeira fase
do mundo pós-petróleo (adoptando o modelo classificatório das quatro fases
proposto por Bakhtiari) a situação presente é altamente preocupante e exige
medidas de emergência no imediato.  

Tratar
com profundidade assuntos secundários e ignorar o que é realmente importante constitui
uma atitude suicida - mas parece ser aquela adoptada pelo governo Sócrates.  Por ignorância ou inconsciência, o governo
português não só não está a tomar a medidas necessárias para minimizar o
impacto do fim da Era do Petróleo como efectua
acções que poderão agravá-lo
, comprometendo gerações futuras de portugueses.  Impõe-se que tal atitude seja revertida,
tendo em atenção os timings, ou seja, as quatro fases que decorrerão entre o
presente e o ano 2020.  É preciso que a
actual primeira fase do pós-Pico (a decorrer até 2009-2010), relativamente
benigna, seja aproveitada para preparar as fases mais gravosas que virão a
seguir.

Assim,
aponta-se como rumos de actuação o seguinte conjunto de medidas:

1)
Criar, no âmbito do Estado, um grupo nacional de preparação para o
enfrentamento do Pico Petrolífero, constituído por sábios e personalidades
eminentes no domínio da energia.

2)
Reexaminar todos os grandes projectos nacionais à luz das consequências do Pico
Petrolífero, o que deverá conduzir à paralisação do desenvolvimento dos
projectos mais absurdos agora em curso (como o novo aeroporto, o TGV e a proliferação
de termoeléctricas a gás natural);

3)
Relançar o Plano Energético Nacional (PEN), com base na regra dos 80/20 e uma
atenção muito especial ao sector dos transportes.  O novo PEN deverá abandonar a política de
demissionista do Estado no domínio energético, hoje entregue à sanha predatória
do capital monopolista em busca do lucro a curto prazo;

4)
Iniciar a consciencialização dos operadores económicos, do público em geral e
dos próprios governantes quanto à real situação energética do mundo;

5)
Ter em atenção aquilo que outros governos europeus estão realmente a fazer -
ainda que de forma discreta - no domínio das medidas preparatórias para
minimizar o impacto do Pico Petrolífero (o que não coincide com as políticas
apregoadas pela União Europeia);

6)
No domínio dos transportes rodoviários, iniciar uma política geral de
substituição dos combustíveis petrolíferos pelo gás natural comprimido (GNC) e
gás natural liquefeito (GNL), com a instalação de uma rede postos de
abastecimento de GNC e GNL;

7)
Adjudicar a laboratórios do Estado (INETI) a instalação de protótipos e
posterior generalização de instalações para a produção de biometano a partir de
ETARs, aterros sanitários e biomassa florestal;

8)
No domínio da produção de electricidade: 
a) esgotar o potencial hidroeléctrico nacional nos próximos 10
anos;  b) privilegiar o carvão na
instalação de novas centrais termoeléctricas; 
c) suspender os licenciamentos de quaisquer novas termoeléctricas a gás
natural;  d) preparar a instalação de uma
primeira central nuclear em Portugal. 

Caro
amigos: 

Penso
que mal pude aflorar as questões principais. Mas, dentro do espaço de tempo que
me foi concedido, este é o resumo que consigo transmitir quanto às nossas
reflexões acerca do futuro da energia em Portugal.  Muito obrigado pela vossa atenção.  Fico à disposição para quaisquer esclarecimentos.