Projecto de Resolução N.º 303/XIII/1.ª

Por uma Escola Pública e inclusiva em toda a escolaridade obrigatória

No ano letivo 2012/2013 a escolaridade obrigatória foi alargada até ao 12.º ano e até aos 18 anos o que levou à necessidade de se efetuarem alterações relativamente ao percurso dos alunos com necessidades especiais no ensino secundário por parte do então governo PSD/CDS.

Desta forma foi publicada a Portaria n.º 275-A/2012, de 11 de setembro, visando a “definição de uma matriz curricular que se pretende estruturante, de modo a garantir que os currículos individuais integrem as áreas curriculares consideradas fundamentais, mas simultaneamente dotada da flexibilidade necessária a uma abordagem individualizada capaz de respeitar e responder às especificidades de cada aluno”.

Ora, este diploma definia que a partir do 10º ano de escolaridade os alunos com Currículo Específico Individual (CEI) passariam a ter uma matriz curricular de 25 horas letivas, das quais 20 horas serão da responsabilidade das instituições de ensino especial e apenas 5h na Escola Pública. No universo dos alunos com necessidades especiais, e em particular os que se encontram abrangidos pelo CEI, existe uma diversidade e especificidade próprias das suas necessidades, sendo por isso absolutamente desadequado um modelo único para dar resposta a estes alunos, já que promove e acentua a sua segregação.

Esta foi uma decisão que, conforme o PCP na altura alertou, representou um retrocesso na garantia das condições de inclusão da Escola Pública e um retrocesso na garantia dos direitos destes jovens – o alargamento da escolaridade obrigatória não pode representar uma desvalorização da qualidade pedagógica e do percurso inclusivo destes jovens, devendo representar sim a sua valorização e a garantia da igualdade de oportunidades e dignidade da vida destes alunos.

A revogação desta Portaria veio corrigir uma injustiça, mas os seus efeitos fizeram-se sentir durante o período da sua vigência – a verdade é que este é um diploma que nunca deveria ter existido.

Também a aplicação do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, evidencia, cada vez mais, as suas limitações e objetivos: assegurar apoio apenas aos alunos com necessidades permanentes, introduzindo critérios que têm vindo a excluir milhares de estudantes dos apoios que necessitam, já que utiliza a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) e, com isto, reduzir o investimento público em educação. O PCP tem reservas profundas relativamente ao Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, tendo-as manifestado publicamente e reiteradas vezes, já que entendemos que o mesmo sustenta uma rede de ambientes segregados (as unidades especializadas/estruturadas e as escolas de referência) em detrimento de uma resposta inclusiva e centrada no aluno.

A integração e inclusão na escola das crianças com necessidades educativas especiais (e, em particular, as que decorrem da presença de deficiências), representou uma alteração profunda no nosso sistema educativo e acabou por se tornar um dos principais indicadores do seu grau de democraticidade. Uma escola inclusiva só é viável numa sociedade democrática e supõe sempre uma cultura onde os princípios do respeito pela diferença e da igualdade de oportunidades e os direitos fundamentais são plenamente assegurados.

O prolongado desinvestimento na Escola Pública, com agravamento profundo nos últimos quatro anos de governação PSD/CDS, resultam, inequivocamente no seu enfraquecimento e degradação, sendo que na Educação Especial estas consequências se sentem de forma especialmente preocupante – a escassez de professores de Educação Especial, de psicólogos, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais e outros técnicos de Educação Especial e de funcionários, bem como a falta de matérias de apoio especializados resulta na direta discriminação destas crianças e jovens, que se veem privados do seu direito pleno à Educação.

Uma realidade de profundas dificuldades que se acentua no Ensino Secundário (10º ao 12º ano) que, enquanto ensino obrigatório, está longe de conseguir responder às necessidades destes jovens – o Governo de então, de PSD e CDS, excetuando a publicação da inaceitável Portaria n.º 275-A/2012, de 11 de setembro, ignorou por completo as necessidades acrescidas das escolas com estes graus de ensino, que passariam, a partir do ano letivo de 2012/2013, a responder milhares de jovens com necessidades educativas especiais.

A necessidade da escola se adaptar à diversidade e às especificidades dos seus alunos, obriga a uma reflexão e reforma ao nível do processo pedagógico de ensino-aprendizagem, dos currículos, da avaliação, dos (escassos) meios humanos e materiais disponíveis para o devido acompanhamento das crianças e jovens. Obriga a uma reflexão e reforma no âmbito da dimensão das turmas (designadamente reduzindo o seu número máximo de alunos), na formação de professores e outros profissionais da educação, na constituição de equipas multidisciplinares para intervenção precoce na infância e para intervenção e acompanhamento ao longo do percurso educativo das crianças e jovens com necessidades especiais. Obriga a uma reflexão e reforma no que diz respeito à adequação dos edifícios e equipamentos, às ajudas técnicas, ao financiamento, a uma ação social escolar orientada para uma efetiva igualdade de oportunidades, bem como a uma organização e gestão democrática da vida escolar e dos recursos educativos e mentalidades dispostas ao progresso e à mudança.

Todas as crianças e jovens, independentemente das suas características, origens e condições, podem aprender juntos, na escola pública das suas comunidades, segundo os princípios da democratização da educação e da igualdade de oportunidades.

O direito à educação é um direito humano fundamental, devendo ser garantido a todos em igualdade de oportunidades e respondendo às necessidades educativas de todos e de cada um, de modo a que todos os alunos obtenham, ao longo do seu percurso escolar, os grandes benefícios que uma educação inclusiva pode potenciar.

Do Estado é a responsabilidade de realizar os investimentos e garantir as condições que tornem efetivo esse direito: os necessários meios humanos e materiais, programas adequados, currículo flexível, turmas menores (para todos os alunos, devendo ser ainda mais reduzidas quando integram alunos com necessidades especiais), instalações adaptadas, materiais acessíveis, ajudas técnicas, formação inicial, contínua e especializada dos diversos agentes educativos, equipas multidisciplinares e multiprofissionais, entre outros recursos indispensáveis à inclusão.

Ao longo de muitos anos letivos, de forma reiterada e com um agravamento significativo nos anos de governação do anterior governo PSD/CDS, tem sido aprofundado o corte de muitos apoios determinantes para assegurar a inclusão efetiva destas crianças e jovens na Escola Pública: entre 2011 e 2015, o então governo PSD/CDS reduziu o financiamento público no ensino básico e secundário em mais de 2.000 milhões de euros, e relativamente à “Educação Especial” o corte atinge cerca de 53 milhões de euros. Este corte teve objetivamente consequência no número e na qualidade dos apoios assegurados.

Dos cortes na Escola Pública e na Educação Especial resultam a redução do número de docentes de educação especial adequados às necessidades de cada escola e agrupamento; a não contratação de técnicos, funcionários, psicólogos, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, técnicos de Língua Gestual Portuguesa (LGP), intérpretes de LGP, docentes de LGP; a redução do financiamento aos Centros de Recursos para a Inclusão (CRI).

Esta situação inaceitável representa a negação de condições objetivas para o acesso e frequência destas crianças e jovens ao ensino em condições de igualdade, conforme consagrado na Lei de Bases do Sistema Educativo, na Constituição da República Portuguesa, na Lei Anti Discriminação, na Declaração de Salamanca e na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ratificada em 2006 pelo estado português.

Só a garantia de condições mínimas de segurança e acompanhamento de todos os alunos, em toda a escolaridade obrigatória, bem como uma resposta adequada às exigências pedagógicas dos alunos com necessidades especiais e/ou deficiência assegura o progresso do seu processo pedagógico e inclusivo.

Sabendo da nova realidade com que se deparam as escolas do Ensino Secundário, com esta iniciativa legislativa o PCP pretende garantir que as crianças e jovens com necessidades educativas especiais, em toda a escolaridade obrigatória, encontram respostas às suas necessidades e veem garantido o seu direito à Educação, constitucionalmente consagrado nos Artigos 73.º e 74.º.

Nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do art.º 156.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo que:

  1. Proceda ao levantamento dos alunos identificados com necessidades educativas especiais, em toda a escolaridade obrigatória, com posterior desdobramento por ciclos de ensino, designadamente 1º Ciclo do Ensino Básico, 2º Ciclo do Ensino Básico, 3º Ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário;
  2. Proceda ao levantamento dos alunos com deficiência, em toda a escolaridade obrigatória, com posterior desdobramento por ciclos de ensino, designadamente 1º Ciclo do Ensino Básico, 2º Ciclo do Ensino Básico, 3º Ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário;
  3. Proceda à contratação de professores de Educação Especial, funcionários, psicólogos, intérpretes e professores de Língua Gestual Portuguesa (LGP), terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e outros técnicos de Educação Especial para as escolas públicas onde se ministre o ensino secundário, considerando a situação de profunda carência neste âmbito;
  4. Proceda à contratação de professores de Educação Especial, funcionários, psicólogos, intérpretes e professores de Língua Gestual Portuguesa, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e demais técnicos de Educação Especial que respondam às necessidades identificadas nos pontos 1 e 2;
  5. Realize um levantamento das necessidades de meios humanos e técnicos existentes nos Centros de Recursos para a Inclusão e a sua adequação às necessidades existentes;
  6. Reforce o financiamento dos Centros de Recursos para a Inclusão para assegurar que estejam dotados dos meios humanos e técnicos adequados a responder a todas as crianças e jovens a que dão apoio, de acordo com as necessidades identificadas no número anterior;
  7. Garanta o cumprimento da lei, designadamente da redução do número de alunos por turma.
  • Educação e Ciência
  • Projectos de Resolução
  • Escola Pública