Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

"As políticas do PSD, CDS e PS afundaram e arruinaram a Casa do Douro"

Apreciação do Decreto-Lei n.º 152/2014, de 15 de outubro, que, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 74/2014, de 2 de Setembro, altera os Estatutos da Casa do Douro, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 277/2003, de 6 de novembro, define o regime de regularização das suas dívidas e cria as condições para a sua transição para uma associação de direito privado, extinguindo o atual estatuto de associação pública da Casa do Douro
(apreciação parlamentar n.º 118/XII/4.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
A extinção da Casa do Douro é um frete do Governo às casas exportadoras de Gaia e à CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal). É o culminar de um longo percurso, em que as políticas do PSD, do CDS e do PS afundaram e arruinaram a Casa do Douro. Nunca cumpriram os protocolos que negociaram com o Douro e a Casa do Douro, nem fizeram no governo o que defenderam na oposição. Tudo isto para acabar com a entidade que defende os pequenos viticultores e com o benefício. Tudo ao gosto das exportadoras e dos grandes produtores.
É lamentável que o Governo, responsável pela extinção da instituição, tenha tratado tão mal os seus trabalhadores, «lavando as mãos» do processo. Não houve uma palavra para com os trabalhadores, que se continuam a dirigir ao seu local de trabalho e os trabalhadores de vínculo público também nada sabem quanto ao futuro ou à sua recolocação. O seu futuro é uma incógnita e a sua vida está suspensa desde o dia 1.
A pressa na extinção e o desleixo na questão dos trabalhadores fazem com que, hoje, os armazéns, que guardam 160 milhões de euros do património dos lavradores durienses, estejam sem qualquer trabalhador.
O verdadeiro motivo para a destruição da Casa do Douro é acabar com a única entidade que pode defender os 30 000 ou 40 000 pequenos viticultores com menos de 1 ha, é eliminar o último obstáculo ao fim do benefício.
Também o património da Casa do Douro — vinhos e imobiliário — é apetecível.
Este processo, dizia o Governo, era para que a Casa do Douro pagasse as suas dívidas. As dívidas não estão pagas, mas o concurso para a entrega do património já está em curso. Isto prova que a dívida era o argumento e não o objetivo da intervenção.
O concurso deveria ser o último recurso se a confirmação da direção ou a eleição da nova direção não se concretizassem nos prazos previstos. Os procedimentos e os prazos eleitorais não cabiam dentro dos prazos atribuídos pelo Decreto-Lei e a direção da Casa do Douro solicitou ao Governo que demonstrasse que os prazos eram exequíveis. O Secretário de Estado da Agricultura admite que eram ambiciosos, mas fixou-os, apesar de muitas vezes ter dito que o conselho regional não reunia por falta de quórum. Também desafiamos o Governo a provar que esses prazos eram possíveis.
Se os prazos são impossíveis de cumprir, então o Governo sempre quis fazer o concurso. O prazo de um mês para as candidaturas deixa pouco espaço de manobra aos interessados, a não ser que estivessem já previamente preparados.
Por acaso, na região, foi constituída uma federação que andava a ser preparada há um ano e que já se assumia como candidata a herdar o património, federação que está a ser promovida por um homem que é também membro da Assembleia Geral da Associação dos Exportadores de Vinho do Porto. A possibilidade de o património da Casa do Douro e de 60% da representação da produção no conselho interprofissional irem parar às mãos de parceiros e aliados das grandes casas exportadoras, como a Rozès, a Gran Cruz, a Sogrape a Smyngton, é grande. A acontecer, é como «meter a raposa no galinheiro».
É escandaloso permitir que as casas exportadoras passem a representar a produção no conselho interprofissional, é ignorar a história da Região Demarcada do Douro, as lutas e as dificuldades que levaram à criação da Casa do Douro.
O Governo, a julgar pelo facto de não ter alterado o funcionamento e a composição do conselho interprofissional, continua a acreditar que é fundamental a paridade entre o comércio e a produção. Se assim é não pode permitir dúvidas nem confusões.
Por isso, é fundamental dar os prazos adequados para que possa surgir dos associados da Casa do Douro a herdeira desse património.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
O Sr. Secretário de Estado falou em 20 anos de problemas, mas só é pena que não tenha dito quem é que criou esses problemas. Quem criou esses problemas foram os governos dos últimos 20 anos. Todos, sem exceção, foram asfixiando e tirando competências e receitas à Casa do Douro.
O Sr. Secretário de Estado não foi claro relativamente aos trabalhadores, inclusivamente aos trabalhadores públicos, que não receberam qualquer confirmação e estão hoje sem saber como será o seu futuro e para onde irão ser transferidos.
Relativamente aos prazos — o Sr. Deputado Abel Baptista até fala em prazos exequíveis —, o Sr. Secretário de Estado acabou por responder, lendo um rol de dificuldades, do qual consta a dificuldade de convocar o conselho regional, o que comprova, precisamente, que os prazos eram inexequíveis.
O Sr. Deputado Abel Baptista disse que o PCP fala de intenções, mas eu quero falar-lhe de factos. Um dos factos é o de que, quem anda a promover a federação que já se manifestou candidata, dizem os documentos da Associação das Empresas dos Vinhos do Porto, é também secretário da assembleia geral. Ou seja, é quem anda a promover a entidade que se quer candidatar a património mundial.
Outro facto é a entrevista que deu à revista Visão de ontem o Sr. Adrian Bridge, que representa a Taylor´s, a Croft e a Fonseca, em que diz o seguinte: «A Casa do Douro tem sido a nuvem negra. A sua extinção pode permitir um novo pensamento para o Douro (…). Agora há que ver quem vai representar os lavradores». Relativamente ao benefício, diz que «o benefício não serve».
Não serve porquê? Diz: «Porque as grandes empresas beneficiam deste sistema, porque podem comprar uvas por menos de um terço do custo de produção. Não é justo para os lavradores». Pois ele bem sabe.
O processo de destruição da Casa do Douro tresanda a presença das casas exportadoras e da CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal), de onde o Sr. Secretário de Estado da Agricultura é oriundo. Seguramente lhe agradecerão.
Se me permite, Sr.ª Presidente, queria dizer que uma tem interesses contrários à produção, outra nunca foi reconhecida como defensora dos agricultores do Douro.
Estranhamos que o PSD, que até tem poder autárquico na região, autarquias que foram chamadas a apresentar propostas que o Governo guardou na gaveta, permita que o Ministério do CDS avance com este processo lastimável.
Este processo é uma vergonha, é um crime económico e social contra milhares de pequenos viticultores. É preciso revogar o Decreto-Lei.
Terminei, Sr.ª Presidente.

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