Intervenção de Carla Cruz na Assembleia de República

"A política do governo é responsável pela grave situação que o SNS atravessa"

Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados,
Sr. Ministro da Saúde:
Vêm o Sr. Ministro e o Governo dizer que esta é uma situação pontual. Não é. É mentira, Sr. Ministro! Esta é uma situação recorrente, e o Governo sabia dela há muito, pelo menos há um ano sabia desta situação que está a ocorrer quer nos hospitais, quer nos centros de saúde, quer em todos os serviços de urgência deste País.
O Sr. Ministro e o Governo vêm, agora, dizer que a situação decorre da falta de médicos no Serviço Nacional de Saúde. O Sr. Ministro sabe que é por opção política deste Governo, pelas medidas que este e anteriores Governos tomaram, que levou a que muitos profissionais de saúde abandonassem precocemente o Serviço Nacional de Saúde. Há muitos médicos que saíram precocemente, que pediram a aposentação, porque não concordam com esta política, e esses são profissionais que fazem falta ao Serviço Nacional de Saúde.
Mas o Sr. Ministro veio dizer que está muito estupefacto com o facto de as empresas de trabalho temporário não estarem a cumprir com as obrigações, não estarem a cumprir com os profissionais com os quais tinham de ter contrato.
Sr. Ministro, não pode alegar que desconhecia esta situação. O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português endereçou-lhe várias perguntas relativamente aos casos dos hospitais da Póvoa do Varzim e de Barcelos e do centro de saúde de Estremoz, em que dávamos exemplos concretos do incumprimento, por parte destas empresas de trabalho temporário, das obrigações e dos contratos.
O Sr. Ministro e o Governo vieram resolver esta situação, criando um plano de emergência, um plano de contingência, com o alargamento dos horários de funcionamento dos cuidados de saúde primários.
Sr. Ministro, aquilo que lhe pergunto é o seguinte: que explicações — é importante que o Sr. Ministro aqui as dê — tem o Governo para nos dar relativamente a esta orientação conhecida da Administração Regional de Saúde do Norte, que vai levar ao encerramento de 30 USF (unidades de saúde familiar) que têm horário de funcionamento alargado, à noite e aos fins-de-semana.
Sr. Ministro, são estas as questões que o PCP gostaria de lhe colocar. Esta é uma situação cuja responsabilidade só compete ao Governo e ao seu Ministro da Saúde.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo,
Sr. Ministro da Saúde:
É inadmissível que o Sr. Ministro responda com mistificações e demagogia às dificuldades dos doentes.
É importante explicar, Sr. Ministro, que estes 1700 médicos que disse que contratou não são médicos em plena função, são médicos que vão começar o seu internato, a sua formação na especialidade, que não têm autonomia e precisam de supervisão.
Sr. Ministro, é importante explicar que a redução da prestação de serviços não é a mesma coisa que redução da contratação de empresas de trabalho temporário. Sr. Ministro, era importante que explicasse isto e que não viesse com demagogias e mistificações.
Sr. Ministro e Srs. Membros do Governo, a situação caótica verificada de norte a sul do País nas urgências dos diversos hospitais não é, contrariamente àquilo que o Governo tem dito, uma situação pontual. Há muito tempo que o caos está instalado nos serviços de urgência dos hospitais, e os senhores sabem-no. Há muitos meses que os utentes esperam várias horas para serem atendidos nas urgências dos hospitais. Há mais de um ano que os senhores sabem que isto acontece, por vossa responsabilidade e decisão, quando reduzem profissionais e encerram serviços.
Sabe-se que mais de 60% das situações que desembocam nas urgências podiam ser resolvidas pelos cuidados de saúde primários. E porque é que não são resolvidas pelos cuidados de saúde primários, Sr. Ministro? Porque o Governo, ao invés de apostar no reforço deste nível de resposta, procede ao encerramento de serviços de proximidade, de extensões de saúde e de serviços de atendimento permanente.
A situação das urgências hospitalares tem causas profundas e diversificadas, sendo que todas elas infundem nas opções políticas que os sucessivos Governos, e particularmente o atual, têm prosseguido — uma política de ataque e de desinvestimento do Serviço Nacional de Saúde, que se traduz na redução de profissionais e de condições materiais para dar resposta às necessidades das populações, no encerramento dos serviços de proximidade, na degradação dos serviços de urgência nos centros hospitalares, na redução drástica do número de camas nos hospitais públicos e na falta de profissionais.
Entre 2010 e 2013, de acordo com os dados oficiais do INE, aposentaram-se do Serviço Nacional de Saúde 1050 médicos de cuidados de saúde primários sem que tenham sido repostos, por decisão do Governo. Mais uma vez, a realidade contraria a propaganda do Governo e põe a nu a demagogia que tem feito em torno da admissão de mais médicos, porque o número de novos médicos não cobre sequer as saídas.
A política de desinvestimento e de ataque ao Serviço Nacional de Saúde radica na política economicista e de cortes que o Governo tem levado a cabo com a redução do financiamento ao SNS, mas também na transferência para os privados da prestação de cuidados de saúde. Nos últimos quatro anos cortaram 2,3 milhões de euros ao SNS e, em 2015, o Governo impõe mais um corte de 100 milhões de euros. Mas o favorecimento dos privados, esse, continua.
Em 2012, os hospitais públicos atenderam menos 4,8% de episódios de urgência do que em 2010, enquanto, no mesmo período, os hospitais privados realizaram 6,5% do total dos atendimentos, o que perfaz um aumento, neste setor, de 11,6%.
A vossa política de saúde pode satisfazer os interesses dos privados, mas está a condenar à morte antecipada milhares de portugueses. É preciso pôr fim a esta política de destruição do Serviço Nacional de Saúde. É preciso pôr fim a esta política que todos os dias impede que milhares de portugueses acedam aos cuidados de saúde e que procura poupar à custa da vida desses mesmos portugueses. É preciso derrotar este Governo. É preciso derrotar esta política de direita!

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