Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Política de transportes e de mobilidade

Interpelação n.º 8/X, sobre política de transportes e de mobilidade

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

Numa altura em que a desagregação territorial, o agravamento das assimetrias regionais, a desertificação dos meios rurais, o desmantelamento de serviços públicos e o afastamento radical entre o Estado e cidadãos provocam e acentuam problemas estruturais no País, a política de transportes é um tema de capital importância, com o qual esta Assembleia hoje confronta o Governo, motivando uma discussão central para a política nacional.

O Governo tem optado por uma política de concentração de serviços, de eliminação de pontos de contacto entre a administração central e as populações, cavando ainda mais o fosso que se interpõe já entre os centros urbanos, particularmente os do litoral, e os meios rurais do interior do País. Por um lado, o Governo encerra escolas, centros de saúde, postos de correio e outros serviços públicos, por outro lado apresentanos uma estratégia de transportes desarticulada, desligada e desgarrada da realidade nacional, assente em projectos que não darão as respostas necessárias aos principais problemas de mobilidade.

Em matéria de linha férrea, o Governo centra toda a sua acção em torno da solução de alta velocidade, permanecendo na linha da ilusão do desenvolvimento de cima para baixo, na demagogia do desenvolvimento de «topo de gama». Na verdade, a linha férrea existente tem sofrido um brutal abandono dos sucessivos governos, um desinvestimento tal que levou ao encerramento de diversas linhas nos últimos anos, diminuindo obviamente a mobilidade de pessoas e mercadorias, condição para a coesão nacional e territorial. Não existe um único indicador de alteração desta política. E, entretanto, continuamos a assistir a uma crescente degradação da linha férrea nacional, o que o Governo tenta disfarçar «acenando» com bonitos comboios.

Já agora, Sr.ª Secretária de Estado, agradecíamos que o estudo referido, CP Líder 2010, pudesse ser facultado aos grupos parlamentares. De acordo com a sua informação, ele estaria disponível, mas tentámos obtê-lo e tal não foi possível.

O Plano Rodoviário Nacional encontra-se profundamente atrasado, em alguns casos estagnado, onde se contam artérias de circulação cruciais para o desenvolvimento do País.

No que toca à política de transportes públicos, temos assistido a um gradual mas evidente retrocesso na qualidade do serviço. Os preços aumentam sistematicamente e as sucessivas privatizações têm provocado uma degradação acentuada da cobertura, da dimensão e da frequência das carreiras.

Milhares de pessoas acabam por ficar cativas na sua própria localidade, esperando por carreiras que antes eram bem mais frequentes e que hoje, muitas vezes, pura e simplesmente se encontram suprimidas.

Já agora, Sr. Ministro, sobre esta matéria, soubemos que a Carris apresentou o plano de reestruturação das carreiras. É um plano que, por lei, deve ser discutido com a comissão de trabalhadores, mas esta não foi tida nem havida na sua construção. Este plano entrará em vigor em Agosto e a comissão de trabalhadores ainda não foi chamada a reunir, tendo a primeira reunião sido cancelada.

Gostávamos, por isso, que pudesse dizer algumas palavras sobre esta situação gravíssima.

A subordinação da gestão dos transportes públicos à lógica meramente empresarial da obtenção do lucro tem conduzido, como, aliás, seria inevitável por força das políticas aplicadas, ao desmantelamento de um serviço público fulcral no garante da qualidade de vida das populações, com implicações que vão desde a vida profissional ao direito ao lazer dos cidadãos.

Os passes sociais, pela degradação a que estão votados, têm deixado de apresentar a capacidade de dar a resposta que lhes serve de objectivo: veja-se o caso do «comboio da ponte» em que simplesmente não é válido o passe social. As empresas desresponsabilizam-se dos serviços perante o passe social — passe esse que, ainda assim, tem sentido um aumento que, só no último ano, atingiu já mais de 10%.

Perguntamos, agora, ao ouvir a Sr.ª Secretária de Estado dizer que chegámos a um novo acordo, o que é que isto quererá dizer para o utente. Um novo aumento de preço? Não basta dizer que se chegou a um novo acordo.

Continuam por instituir no concreto as autoridades metropolitanas de transportes, bem como se acentua a necessidade de rever o seu regime jurídico. Necessidade que cresce na medida em que crescem os problemas e a sua complexidade e a exigência da mobilidade nestas áreas.

Queria também dizer algumas palavras sobre a política do Governo para o sector dos transportes aéreos, que não difere, na estratégia e na opção ideológica, da do anterior governo.

E é esta estratégia e essa mesma opção ideológica que têm provocado grande instabilidade numa empresa pública, cuja possibilidade de sucesso está, de facto, comprovada. A TAP, empresa estratégica e peça fundamental da soberania nacional, é alvo de uma política de desmantelamento rumo à sua privatização — privatização que se adivinha para breve, pela interpretação estrita do texto das Grandes Opções do Plano. E importa aqui salientar a forma como o Governo nos anuncia com a maior das naturalidades a privatização da TAP e da ANA, mesmo sem sobre isso ter feito qualquer referência no programa eleitoral ou no Programa do Governo.

Perde a empresa e o País. Ganham os mesmos de sempre: os protegidos do Governo, os grupos económicos que há muito almejam a TAP e a ANA.

A insensibilidade e a arrogância que o Governo tem mostrado perante os problemas estruturais do País revelam, por um lado, a estratégia de concentração urbana que o Governo preconiza, assente na desertificação humana do interior e dos meios rurais, centralizando recursos do Estado, numa perspectiva economicista e de cedência aos interesses exclusivos dos grandes grupos económicos, prejudicando as populações, o equilíbrio e a coesão nacionais. Por outro lado, revelam a total ausência de planificação— da qual, curiosamente, o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações era devoto e dedicado adepto.

É assim que, ao fim de ano e meio de Governo do PS, temos sido presenteados com vários anúncios avulsos, desarticulados, manifestamente sem estratégia, que não passam por discussões com quem de direito e com os interessados. E continuamos sem conhecer um plano nacional estratégico dos transportes, que seria fundamental para traçar prioridades da linha e da gestão de transportes no País.

É assim que, no seguimento da política de direita a que já nos habituou, o Governo vai deixando degradar-se um sistema nacional de importância nuclear, provocando dificuldades e entraves ao desenvolvimento económico do País, inclusivamente na tão propagandeada competitividade do tecido económico, promovendo a cultura do transporte próprio e prejudicando os utentes e as populações, no plano económico e no plano humano.

Portugal precisa de uma política de transportes virada para os eixos fundamentais da coesão nacional, do desenvolvimento económico harmonioso e de transportes públicos ao serviço das populações, em particular, capaz de responder também ao problema energético que o actual sistema produz. Portugal precisa de uma política que rompa com as demagogias, com as soluções de fachada, de desenvolvimento irreal.

Precisa de uma política de transportes que rompa com as concepções da direita e que sirva, efectiva e dedicadamente, os cidadãos, a preços sociais justos e equilibrados em troca de um serviço público que vá ao encontro das necessidades e não ao encontro da vontade do lucro. É exactamente isso que o PCP propõe.

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