Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

Política de língua, cultura e identidade que corresponda aos interesses de Portugal e dos portugueses residentes no estrangeiro

Petição solicitando que se assegure aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa, nos termos da alínea i) do artigo 74.º, Capítulo III, da Constituição Portuguesa (petição n.º 163/XI/2.ª e projeto de resolução n.º 306/XII/1.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados

Quero começar a minha intervenção por saudar os quase 7000 peticionários e, em especial, aqueles que se deslocaram da Suíça para assistir a esta discussão.

O PCP é solidário com as preocupações dos peticionários, reconhece-lhes o mais elementar direito de se mobilizarem contra a destruição do ensino do Português no estrangeiro e saudamos essa mobilização, assim como as comissões de pais e as manifestações de Berna e Estugarda.

O Governo PSD/CDS-PP tem vindo a intensificar uma prática de ataque ao ensino da nossa língua materna, iniciada por governos anteriores, incluindo os do PS. E dizemos que é um ataque porque com uma só ação o governo deixou 6000 crianças e jovens sem acesso ao ensino da língua portuguesa e reduziu drasticamente a qualidade do ensino ministrado aos restantes alunos, ao sobrecarregar as turmas com os alunos que perderam o professor.

Nos últimos quatro anos, a redução do número de professores atingiu os 130. Uma redução da qualidade, que não desligamos da introdução do regime da propina de 120 €, que levou já uma diminuição de 9000 interessados só na inscrição gratuita. Não sabemos quantos mais ficarão pelo caminho até ao início do ano letivo.

Cada português ou lusodescendente que se afastar da nossa língua é um embaixador, que a nossa cultura, a nossa economia e o nosso País perdem.

A redução do número de alunos interessa à argumentação dos governantes para justificarem que, afinal, com tão poucos alunos não há razão para manter os cursos.

Este abandono, a que o Governo vota os portugueses e as suas famílias, é ainda mais injusto porque sabemos que estas comunidades mantêm uma grande ligação afetiva ao País e são também contribuintes líquidos para a economia nacional, não só pelas remessas mas pelo que representam no contributo para as exportações ou para o turismo.

Estas opções políticas estão afetadas por grande incoerência. Na ação do Governo, como popularmente se diz, «não bate a bota com a perdigota».

O mesmo Governo que insere no seu Programa as comunidades portuguesas como um «valor estratégico da maior importância para Portugal» e elege o «ensino do Português como âncora da política da diáspora», não conseguiu, em 11 meses de governação, tomar uma única medida de aproximação das comunidades ao nosso País.

Mais ainda: elege a língua portuguesa como elemento estratégico e, depois, faz depender o seu ensino do pagamento de uma propina por parte dos pais ou tenta passar essa responsabilidade para os países de acolhimento, onde a língua será ensinada como estrangeira.

Foi por discordarmos das opções do Governo que, desde logo, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou o projeto de resolução que hoje discutimos.
Entendemos ser fundamental a definição de uma política para o ensino da língua e cultura mas também uma política de identidade, porque só farão parte de um mesmo projeto nacional aqueles que partilharem a mesma matriz identitária.

Assim, recomendamos ao Governo que cumpra a Constituição da República em matéria de ensino aos filhos dos emigrantes, o que inclui o direito ao ensino gratuito.

Não deixa de ser curioso que, ao Governo e aos partidos que tanto falam na importância do cumprimento dos compromissos assumidos, tenhamos que recomendar o respeito pelo compromisso fundamental para com o País, o cumprimento da Constituição da República Portuguesa, compromisso esse estabelecido antes de todas as troicas que por cá têm passado.

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