Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

A política de justiça do Governo, de que resultou a desorganização e paralisia dos tribunais

Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Jorge Lacão,
Só nesta sessão plenária, os senhores já encontraram razões ponderosas para pedir a demissão de dois membros do Governo e, se pensarmos melhor, encontramos razões de sobra para exigir a demissão dos outros membros do Governo que ainda não foram citados esta tarde.
Isso leva-nos a pensar que, de facto, os problemas do País não vão poder ser resolvidos com demissões «à peça», mas com a demissão deste Governo e deste Primeiro-Ministro.
De facto, o Primeiro-Ministro tem passado com uma total indiferença e sobranceria sobre problemas gravíssimos que afetam o nosso País e que são da total responsabilidade do Governo que ele dirige.
Estamos a assistir a um problema que não decorre de nenhuma instabilidade provocada por problemas do sistema eleitoral, como já foi dito aqui. Estamos a viver numa instabilidade permanente criada ao nosso País pela governação que tem sido imposta precisamente por este Governo PSD/CDS.
Sr. Deputado Jorge Lacão, na sua declaração política focou-se nos problemas que afetam, neste momento, o sistema de justiça, mas vale a pena lembrar mais alguns factos.
Primeiro, a Sr.ª Ministra, bem como a maioria, insistiu sempre e perentoriamente na ideia de que no dia 1 de setembro de 2014 a reforma judiciária teria de entrar em vigor e permaneceu indiferente a todas as vozes, não apenas na Assembleia da República, mas também aqui, pelo menos por nosso intermédio, que diziam que isto não era possível e que esta entrada em vigor precipitada iria criar, seguramente, graves problemas. A Sr.ª Ministra não quis saber.
Nas primeiras horas, quando toda a gente já tinha percebido que estava instalado o caos na inoperacionalidade do sistema Citius, a Sr.ª Ministra dizia que isso era um problema que se resolvia em poucas horas.
Quando veio à Assembleia da República, umas semanas mais tarde, a Sr.ª Ministra ainda afirmava perentoriamente que não havia necessidade de nenhuma medida legislativa para poder salvaguardar direitos que pudessem ser lesados pela inoperacionalidade do Citius. É bom lembrar isto!
A Sr.ª Ministra, quando confrontada com a falta de 1000 funcionários judiciais, dizia que o Governo, mais do que ninguém, tinha consciência disso. Tinha, mas não resolveu nada!
Quando foi denunciado o funcionamento de tribunais em contentores, a Sr.ª Ministra disse-nos «esses contentores são melhores do que muitas instalações que existem para aí». Bom, e nós dissemos «chove dentro desses contentores» e ela respondeu «mas nos outros tribunais também chove». Também dissemos «apareceram ratos nos contentores», ao que respondeu um responsável da DGAJ (Direção-Geral da Administração da Justiça): «Ratos? Não! Foi apenas um ratito!». Portanto, é com esta negação dos problemas que estamos a viver.
Sr. Deputado Jorge Lacão, o Governo aprovou em Conselho de Ministros um decreto-lei que visa procurar resolver problemas que a Sr.ª Ministra dizia que não existiam.
A questão que lhe coloco é a seguinte: não considera que, tendo em conta as dúvidas ponderosas de constitucionalidade que existem sobre a ideia de, por via legislativa, resolver uma matéria que diz respeito a direitos fundamentais, como é a matéria do acesso aos tribunais, não seria prudente, no mínimo, que o Governo apresentasse uma proposta de lei à Assembleia da República para que não houvesse dúvidas quanto à constitucionalidade dessa medida, que é necessária mas, do nosso ponto de vista, insuficiente?

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