Intervenção de

Política de ambiente<br />Intervenção do Deputado Honório Novo

Senhor Presidente Senhores Membros do Governo Senhoras e Senhores DeputadosAinda esta semana se comemorou o Dia Mundial de combate à desertificação. Por isso é natural que comece este debate exactamente por aqui. Registo que, apesar de Portugal ter há muito ratificado a Convenção Internacional de Combate à Desertificação, só em 1999 aprovou o respectivo Plano Nacional de Acção e só agora se prepara para lançar alguns (poucos) projectos pilotos no interior do país.Foram precisos quase oito anos para se iniciar, (sublinho, para se iniciar), um programa integrado que, por exemplo, combata a eucaliptização desregrada, ponha em marcha efectiva os planos regionais de ordenamento florestal, faça respeitar os instrumentos municipais e regionais de ordenamento do território, e que adeque e potencie a actividade agrícola com as características climáticas e com antigas e novas disponibilidades em recursos hídricos.Oito anos é, convenhamos, tempo a mais. E este é certamente um dos grandes problemas da política ambiental, o problema do enorme lapso de tempo que medeia entre a intenção e a concretização, e cuja responsabilidade cabe por inteiro aos sucessivos responsáveis governamentais em Portugal.É tempo a mais, é tempo que gera frustrações nas populações, é tempo que provoca enormes e por vezes irrecuperáveis prejuízos para o ambiente e para a natureza em Portugal.Senhor Presidente Senhores Membros do Governo Senhoras e Senhores DeputadosPromover e executar a reciclagem em Portugal é um objectivo ambiental central e consensual. Pelo menos nas intenções. Mas vai-se ver no concreto e a prática contradiz o discurso. Verifica-se, por exemplo, que das cerca de 400.000 toneladas de resíduos de embalagens que se previam reciclar em 2001, apenas o foram pouco mais de 100.000 toneladas, isto é, mais ou menos 25% do previsto. E, pior que isso, o sistema instalado não só não recicla o previsto como ainda por cima limita a recepção deste tipo de resíduos, discriminando autarquias e a generalidade dos produtores privados, ao mesmo tempo que privilegia as grandes superfícies comerciais onde a recolha é mais simples e é mais barata, mas onde são pagos valores idênticos.Perante a passividade do Instituto de Resíduos - a quem competiria intervir para fazer cumprir todas as condições contratuais -, está-se a assistir à criação de um conceito novo, o do "poluidor-recebedor", sendo que, curiosamente, mas porventura não por acaso, os recebedores são os grandes hipermercados e superfícies comerciais.Mas hoje, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, é seguramente incontornável abordar com algum detalhe a Proposta do Governo para uma Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável (ENDS).É que a Cimeira Europeia de Sevilha que amanhã começa vai apreciar as estratégias nacionais dos Estados membros da União Europeia no quadro da preparação da Cimeira sobre o Desenvolvimento Sustentável prevista ainda para este ano em Joanesburgo, e que surge, aliás, na sequência da "Cimeira da Terra" realizada no Rio de Janeiro em 1992.Isto é: no Conselho Europeu deste fim de semana Portugal deveria apresentar a sua ENDS. Só que não há documento de estratégia nenhum, haverá, quando muito, apenas um contributo, uma espécie de borrão mais ou menos burocrático, um elencar de referências mais ou menos conexas e mais ou menos exaustivas.Em vez de um documento elaborado de forma atempada e largamente participada - como repetidamente fez saber o Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável - em vez de um documento que, não só corporizasse um compromisso assumido há dez anos no Rio de Janeiro, como projectasse o desenvolvimento sustentável do país, a proposta apresentada pelo Governo é um documento muito vago que não corresponde nem às expectativas nem às necessidades de Portugal.A proposta do Governo para a Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável não consegue estabelecer e diferenciar os princípios de que parte, antes confunde princípios com objectivos a atingir.Por isso não admira que a situação de referência seja parcelar e incompleta.Por isso não se estabelecem horizontes temporais para a concretização de objectivos (nem mesmo quando eles são obrigatórios por compromissos externos); por isso a proposta do Governo não quantifica a generalidade dos objectivos - ou melhor, das linhas de orientação já que objectivos propriamente ditos poucos há -, nem muito menos especifica os meios e os recursos financeiros que lhes irão estar afectos.É certo que esta proposta deveria ter sido preparada há muito e, afinal, só em Março passado se iniciou o processo para a sua elaboração. Mas tal não justifica, por si só, que por exemplo, a proposta aborde quase exclusivamente a faceta ecológica, e quase esqueça outras abordagens absolutamente essenciais, como sejam a coesão social ou até a inovação institucional. E que nem sequer na tão mediática questão do tratamento de resíduos industriais perigosos sejam clarificadas as intenções, os métodos e os prazos definidos pelo Governo. Provavelmente para que os seus parceiros europeus não fiquem já a saber que, a fazer fé em declarações governamentais, Portugal poderá vir a ter não apenas uma mas quatro ou cinco novas unidades industriais exclusivamente dedicadas à queima destes resíduos e que, naturalmente, será preciso rentabilizar. Eventualmente (diria com quase toda a certeza) à custa da importação de resíduos industriais perigosos vindos não se sabe bem de onde para queimar em Portugal.Senhor Presidente Senhores Membros do Governo, Senhoras e Senhores Deputados,Para o PCP, a sustentabilidade do desenvolvimento passa também, passa certamente, pela sustentação produtiva do país, pela preocupação estratégica na criação de condições integradas para a sustentabilidade humana (seja ao nível dos serviços públicos, seja ao nível da educação, da saúde ou da segurança social).O escasso tempo da elaboração da proposta do Governo não justifica, por isso, a quase omissão da componente social na definição da estratégia nacional de desenvolvimento sustentável.Para o PCP a proposta de ENDS tem de ser profundamente alterada, reformulada, completada. Uma ENDS tem que abordar as questões do desenvolvimento sob o ponto de vista económico, ambiental e social - e o documento (ou o "borrão") do Governo não o faz.Uma ENDS exige transparência na informação de partida e impõe a definição de metas e objectivos, necessita da afectação clara de meios e exige uma adequada e racional programação e hierarquização. E o documento (ou o "borrão") do Governo também não o faz.Esperemos que, depois de Sevilha, o tema seja recuperado e o Governo se disponibilize para alterar profundamente a sua proposta e para que uma outra imagem seja dada de Portugal em Joanesburgo.

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