Intervenção

Política educativa

 

Declaração política  condenando as políticas educativas do Governo, nomeadamente no que se refere ao processo de avaliação e de selecção e recrutamento de professores

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Decididamente, com este Governo e esta maioria PS não é possível uma educação melhor!

Para enumerar todos os prejuízos causados nos últimos quatro anos a escolas, alunos, professores e outros profissionais seriam necessários bem mais do que os 6 minutos desta declaração política. E não nos referimos aos enredos de cordel em torno do Magalhães, de quadros interactivos pomposamente inaugurados que não funcionam, da banda larga ou da internet sem fios, que, em muitos casos, continuam a ser apenas verbos de encher ou que significaram verdadeiras fraudes para muitos milhares de portugueses. No fim de contas, isso serão apenas episódios que ficam para a história de um Governo que, cego pela sua própria propaganda, fez da educação um substantivo eventualmente vistoso na aparência mas cada vez mais vazio de conteúdo.

Aquilo de que queremos hoje falar é de um sistema educativo subjugado a um demolidor objectivo de produção estatística, arredado de propósitos democráticos e progressistas de formação integral de indivíduos capazes de crítica e criativamente interpretar e transformar a realidade que os rodeia.

Queremos falar das crianças e dos jovens a quem tudo é facilitado e permitido quando se trata de cumprir metas estatísticas, mas que já não estão autorizados a contestar as políticas do Governo ou que têm mesmo que se sujeitar à videovigilância dos seus movimentos dentro do espaço escolar. Queremos falar de escolas enredadas numa teia burocrática, ora obrigadas a cumprir a lei, ora compelidas pelo Governo a cometer ilegalidades.

Aquilo em que, hoje, insistimos em falar é dos professores desmotivados e revoltados pelas condições de trabalho que têm de enfrentar. Professores difamados e ofendidos na sua dignidade profissional por um Governo que ainda não desistiu de vergar toda a classe profissional aos pés da omnipotente e omnisciente equipa ministerial; professores que, em funções de gestão ou no exercício da docência, enfrentam o dia-a-dia nas escolas com «muito Xanax», como recentemente afirmou nesta Assembleia uma presidente de um conselho executivo; professores que, apesar da dimensão da ofensiva que enfrentam, não estão dispostos a capitular e continuam a lutar pela dignificação da sua profissão e da escola pública, por um sistema educativo ao serviço do desenvolvimento do País.

Querendo falar de tudo isto não podemos ignorar o Governo que, teimosamente, insiste no agravamento das políticas que deram origem ao desastre educativo a que o País hoje assiste, tal como não podemos ignorar a maioria parlamentar que, por ser absoluta, legitima toda e qualquer medida governativa sem atender aos argumentos de quem a contesta nem aos efeitos que ela possa produzir.

Na passada terça-feira, o Ministério da Educação voltou a fazer das suas. Questionada pela Comissão Parlamentar de Educação e Ciência sobre os efeitos que teria para os professores a não entrega dos objectivos individuais, a Ministra da Educação remeteu à Assembleia uma resposta pouco convincente mas bastante clara.

Sendo pouco convincente quanto à interpretação das normas legais que ainda restam do defunto modelo de avaliação, a resposta do Ministério é bastante clara quanto ao conteúdo da ameaça que deixa aos professores portugueses. O Secretário de Estado Jorge Pedreira já tinha, aliás, avisado que se os professores insistissem na greve sofreriam as devidas consequências, sendo que a resposta enviada à Comissão Parlamentar aí está para o confirmar.

Perante uma greve que atingiu os 90%, perante a determinada luta de dezenas de milhares de professores que recusam entregar os objectivos individuais exigidos pelo injusto modelo de avaliação, o Ministério da Educação ameaça agora «malhar» com efeitos na progressão e no acesso à carreira e também na graduação e ordenação dos candidatos no âmbito do concurso para selecção e recrutamento do pessoal docente.

Aliás, também a respeito deste concurso a situação criada pelo Governo é vergonhosa, inaceitável e gravemente lesiva dos direitos dos professores e do sistema educativo.

Enquanto a propaganda do Governo informa que no concurso que se inicia amanhã há 20 600 vagas disponíveis, a dura realidade é a de um despedimento massivo de professores, de mais precariedade e de piores condições para o exercício da docência.

Com este concurso, o Governo empurra para fora dos quadros cerca de 15 000 professores dos quadros de zona pedagógica, prevendo mesmo já que 5000 fiquem sem colocação. Dos mais de 20 000 professores contratados, o Governo anuncia a integração nos quadros de apenas 2600, podendo mesmo esta intenção não vir a concretizar-se caso se confirme a anulação das milhares de vagas negativas hoje existentes. Desta forma, irá o Governo remeter para o desemprego docentes com muitos anos de serviço que continuam precariamente contratados, sem direitos nem estabilidade, mas a contribuir decisivamente para a poupança de custos do Ministério.

Há situações de professores contratados que auferem salários inferiores em 1000 euros ao salário que receberiam se estivessem nos quadros.

É por isto que o Governo procura perpetuar a contratação e aponta já para o futuro o fim do concurso nacional de recrutamento, para que passem as escolas a fazê-lo directamente. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:

A desastrosa realidade em que se encontra o sistema educativo português é a prova evidente do completo fracasso desta política educativa e da derrota dos seus protagonistas, é a prova da derrota deste Governo e desta maioria absoluta, que, ao longo da Legislatura, fugiram ao debate e ao confronto democráticos. Foi com esta maioria absoluta que ficámos a saber que quem se mete com o PS leva ou, o que é dizer o mesmo, que o PS gosta de malhar em quem se lhe opõe.

É também contra esta arrogância e prepotência que a justa luta dos professores portugueses há-de vencer, a bem do sistema educativo consagrado na Constituição democrática do Portugal de Abril.

(...)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Ana Drago,

Agradeço-lhe as questões que colocou e quero dizer-lhe que, de facto, estes últimos quatro anos demonstram bem os perigos que o País corre quando temos uma maioria absoluta obstinada em levar às últimas consequências políticas que estão comprovadamente a prejudicar o País, em primeiro lugar o sistema educativo e, obviamente, em consequência disso, gravemente, o País, comprometendo seriamente o seu futuro.

Com estes últimos quatro anos da maioria absoluta do Partido Socialista vemos no Ministério da Educação o exemplo daquilo que é a consequência do exercício absoluto do poder. Isto porque, se é verdade que temos tido, no Ministério da Educação, uma equipa ministerial inflexível, uma equipa ministerial que não é capaz de dialogar com ninguém, uma equipa ministerial obstinada em aplicar toda e qualquer medida que seja desenhada pelo Governo sem qualquer discussão, sem qualquer avaliação séria dos prejuízos que pode causar, a verdade é que temos tido nesta Assembleia da República uma maioria que tem dado cobertura a essa actuação ministerial, uma maioria que não ouve os argumentos de quem critica as medidas do Governo nem pondera devidamente os prejuízos que estas medidas podem causar.

E a actuação desta equipa ministerial traduzem bem aquilo que é o comportamento do Governo respaldado na maioria parlamentar que o suporta.

A postura desta equipa ministerial, ao longo destes quatro anos, tem sido uma postura baseada na ameaça, no cometimento de ilegalidades e na chantagem exercida sobre os profissionais.

Temos o exemplo dos professores contratados, que foram chantageados para cumprirem as determinações do modelo de avaliação sob pena de não terem os seus contratos renovados.

Isto é um exemplo clamoroso daquilo que já não deviam ser práticas num Portugal democrático. E, obviamente, Sr.ª Deputada, a única perspectiva que se pode colocar é a da transformação política das circunstâncias que temos no nosso país.

Em nosso entender, não basta pôr fim à carreira da Ministra, é preciso pôr fim à carreira desta orientação política, é preciso pôr fim a estas políticas do Partido Socialista, a estas políticas de direita que têm destruído o sistema educativo e continuam a hipotecar o futuro do País.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Bravo Nico,

O Sr. Deputado já nos habituou a responder com «bugalhos» quando se fala de «alhos». É verdade! Aliás, só me admiro de, nesta sua intervenção, não ter referido as refeições escolares, que é a única coisa que falta na sua cartilha propagandística a que já nos habitou.

Mas, Sr. Deputado, quero dizer-lhe o seguinte: o senhor pode continuar a tentar distrair as pessoas daquilo que se passa nas nossas escolas; o Sr. Deputado pode continuar a tentar iludir quem o ouve com referências àquilo que são medidas que os senhores tomaram, feitas de muita propaganda e de muita festarola vistosa mas que de conteúdo não têm rigorosamente nada; os senhores podem continuar a referir o ensino profissional, cuja qualidade condenaram à degradação; os senhores podem continuar a referir o programa Novas Oportunidades; podem continuar a falar da acção social escolar, onde não conseguem dar resposta aos estudantes verdadeiramente carenciados; podem continuar a falar sobre tudo isto com a mesma propaganda e a mesma pesporrência que têm utilizado ao longo destes quatro anos, com a certeza de que isso não chegará para alterar a realidade, Sr. Deputado Bravo Nico.

Portanto, falando daquilo que aqui trouxe hoje, com a minha declaração política, quando o Sr. Deputado refere um concurso já é um avanço em relação às posições assumidas pelo Governo, porque parece que o Governo quer até acabar com esse concurso.

De acordo com as declarações do Sr. Secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, querem acabar com um concurso nacional transparente, que garante a equidade a todos os docentes em todo o País, transformando-o em concursos feitos, sabe como, Sr. Deputado Bravo Nico?

Sabe qual é a proposta que o seu Governo apresentou às escolas? É que os directores das escolas escolham dois professores titulares para os três, constituindo o júri, definirem os critérios de contratação dos professores. É com este tipo de procedimentos que os senhores querem acabar com o concurso nacional para garantir o cambalacho, para impedir a transparência nos concursos de docentes, que hoje é garantida.

Sr. Deputado Bravo Nico, estabilidade à custa de quê? Quatro anos de estabilidade na contratação significam quatro anos de desemprego para muitos docentes, que poderiam ser contratados devidamente no âmbito destas colocações, e, Sr. Deputado, se os professores são coagidos, são-no pelo Ministério da Educação e não pelos sindicatos.

Os sindicatos exercem o seu papel na mobilização dos professores e na luta pelos seus direitos e pelos seus interesses, não coagem os trabalhadores a fazerem o que quer que seja.

Repito, se os professores são coagidos são-no pelo Ministério da Educação.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Abel Baptista,

Agradeço-lhe as questões que colocou e quero dizer-lhe o seguinte: de facto, o primeiro exemplo que trouxe, relativamente àquilo que se passou com a participação no desfile de Carnaval daquela escola, é ilustrativo de duas notas fundamentais na actuação do Ministério da Educação. Aliás, o Grupo Parlamentar do PCP teve a oportunidade, quase de imediato, de entregar na Assembleia da República uma pergunta ao Governo sobre esta situação, porque entendemos que, de facto, nessa situação em concreto, ficam bem reflectidas duas orientações fundamentais da actuação do Ministério da Educação.

Em primeiro lugar, fica marcada a ideia de que este Governo do Partido Socialista se preocupa mais com a festarola, com a propaganda, com a ilusão da retórica e do engano que se pode fazer às pessoas, em contraponto com aquilo que deveria ser verdadeiramente fundamental no sistema educativo. É que, nessa escola, o conselho pedagógico tinha decidido não participar no desfile de Carnaval por considerar, nomeadamente, que o trabalho que era exigido na escola, por força do modelo de avaliação, impedia a devida preparação da participação naquela actividade. E o conselho pedagógico, que é quem tem autoridade para determinar a participação ou não da escola naquele tipo de eventos, decidiu não participar. Ora, esta primeira nota, conjuga-se depois com uma segunda nota, que é o facto de a Direcção Regional de Educação do Norte entender que a autonomia das escolas termina onde a decisão autoritária da direcção regional tem de se impor.

Portanto, contra a decisão do conselho pedagógico, a Direcção Regional de Educação ameaçou os professores daquela escola sob pena de, no caso de não participarem naquele desfile de Carnaval, receberem as devidas represálias, nomeadamente com processos disciplinares. Portanto, de facto, este é um exemplo das notas fundamentais da actuação do Ministério da Educação.

Para concluir, Sr. Presidente, quanto ao estudo da OCDE, Sr. Deputado Abel Baptista, é apenas mais um exemplo daquilo que este Governo faz na perspectiva da sua auto-satisfação, encomendando, para si mesmo, estudos que lhe permitam fazer uma avaliação e dar uma projecção às medidas do Governo que elas efectivamente não têm, na realidade, porque, na verdade, as políticas desenvolvidas por este Governo na área da educação têm posto de rastos o sistema educativo.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Pedro Duarte,

De facto, confrontamo-nos hoje com a maior crise na educação no Portugal democrático, fruto também da maior ofensiva alguma vez desencadeada contra a escola pública. Esta é uma verdade indesmentível, demonstrada pela realidade à saciedade, pelas piores razões. Temos tido, ao longo destes últimos quatro anos, uma destruição da escola pública, por um lado, com vista à satisfação dos interesses privados que giram em torno da educação, procurando transformá-la num negócio, e, por outro lado, em resultado de uma preocupação praticamente exclusiva deste Governo com as metas e os objectivos estatísticos, como se fosse, de facto, uma preocupação a ter em conta e importante para o futuro do País e não fosse perigoso por esconder a realidade que se vive nas nossas escolas.

Há pouco, o Sr. Deputado Bravo Nico perguntava se tínhamos falado com alguns professores. Se o Sr. Deputado, que até é eleito pelo distrito de Évora, se preocupasse em falar com os professores que todos os dias trabalham nas escolas no distrito de Évora percebia o clima que também ali se vive, marcado pela desmotivação e pela desmoralização dos professores que se sentem ofendidos na sua dignidade profissional e humilhados com as políticas e as medidas que o Governo assume contra esta classe profissional. São professores que, todos os dias, são confrontados com inúmeros obstáculos que impedem a realização da sua missão e o exercício das suas funções em condições que deviam ser as adequadas para o bom funcionamento da escola pública.

Sr. Deputado Pedro Duarte, há, de facto, um clima de instabilidade e, sobretudo, de medo instalado nas nossas escolas: um medo de sofrer processo disciplinares, um medo de ser prejudicado na progressão na carreira, um medo de perder o emprego. O medo que os professores têm de perder o emprego é hoje uma questão fundamental que se coloca também no plano do funcionamento do nosso sistema educativo.

Porquê? Porque o Governo do Partido Socialista tem criado as condições para que este medo se instale e para que, com este medo, consiga controlar os professores.

Felizmente que os professores têm sabido dar resposta a esta situação, pois não se vergam ao medo e enchem o peito para fazer frente a este Governo e a esta maioria, que governam contra tudo e contra todos!

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes,

A acção governativa do Partido Socialista no âmbito da educação concretiza quase na perfeição aquilo que é o prosseguimento das políticas de direita - acusação que, aliás, tão frequentemente tem sido comprovada, nos últimos quatro anos, pelo Partido Socialista.

No âmbito educativo, há três dimensões fundamentais de concretização desta política de direita. Em primeiro lugar, o Partido Socialista colocou a escola pública e o sistema educativo ao serviço dos interesses económicos, não só naquilo que significa colocar as escolas no âmbito do negócio que se faz em torno da educação mas, fundamentalmente, porque o Partido Socialista não se preocupa com a melhoria do sistema educativo e as crianças e jovens que nele entram e se deviam formar homens e mulheres de corpo inteiro, capazes de analisar criticamente a realidade e de intervir sobre ela, acabam transformados em máquinas de produção.

O sistema educativo que este Partido Socialista quer é um sistema educativo que forme uma massa de trabalhadores preparados para a exploração que depois encontram no mercado laboral.

Uma segunda nota que confirma estas políticas de direita que o Partido Socialista desenvolveu no plano educativo tem que ver com a desestruturação do sistema educativo e da escola pública, que tem o seu corolário óbvio no modelo de gestão aprovado por este Partido Socialista e que provoca a desestruturação completa da escola pública, provoca a governamentalização e o controlo directo das escolas por parte do Governo e, por outro lado, significa a introdução nas escolas públicas dos interesses privados e dos interesses económicos que não podem nortear um sistema educativo.

Por fim, esta política de direita que o Partido Socialista tem concretizado no âmbito educativo obviamente que se traduz também no ataque aos professores e aos profissionais do sistema educativo, que vêem os seus direitos laborais pura e simplesmente destruídos, reduzidos praticamente a zero com este Governo.

Este Governo, passe a expressão, corre o risco de introduzir no âmbito das escolas um género de «praças de jorna» para a contratação dos professores, ao propor a contratação pelas escolas dos docentes.

Portanto, por tudo isto é mais que evidente que este Partido Socialista defraudou aqueles que nele confiaram em 2005 e, durante estes últimos quatro anos, levou à prática políticas de direita, que, aliás, já vinham sendo seguidas por anteriores governos.

  • Educação e Ciência
  • Assembleia da República
  • Intervenções