Política de segurança interna<br />

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

Dentro de precisamente um mês, passam três anos sobre o debate da Interpelação ao Governo n.º 8/VIII, sobre criminalidade, violência e política de segurança interna, promovida pelo CDS-PP. Passaram assim, exactamente 35 meses sobre essa interpelação. 13, ainda com o anterior Governo. 22, já com o Governo actual.

A violência dos termos aqui utilizados pelo presidente do partido interpelante, e actual Ministro de Estado, para caracterizar a situação da segurança interna no país era quase tão contundente como o quadro de violência que pretendia retratar.

Dizia então o Dr. Paulo Portas que tínhamos, nessa altura, “18 crimes graves e violentos por ano, 6396 carros roubados por mês, 462 lojas assaltadas por semana e 615 roubos praticados por dia”. E especificava: “Em cada trimestre escolar, 526 escolas são arrombadas ou escaladas com o propósito conseguido de assalto ou roubo e os gangs lançam o medo em 229 acções violentas por mês”. E sentenciava: “estes dados revelam que a sua política de segurança” – sua, do Primeiro-Ministro da altura – “é um fracasso”.

Pois bem: Quase três anos depois dessa interpelação, e dois anos depois da entrada em funções do Governo PSD/CDS-PP, aumentou a criminalidade, aumentou a instabilidade nas Forças e Serviços de Segurança, todas as áreas da Administração Interna passam por uma crise profunda sem fim à vista, e até o Ministro da Administração Interna ocupa um lugar perfeitamente elegível na lista dos remodeláveis.

A realidade – incontornável e indesmentível – é que a situação de segurança das populações tem vindo a agravar-se perigosamente principalmente nas áreas urbanas, e que se verifica um aumento preocupante da criminalidade violenta e grupal, sem que o Governo dos Partidos que tanto falavam de segurança, de ordem e de autoridade do Estado, seja capaz de melhorar, um pouco que seja, as condições de segurança e tranquilidade das populações.

A degradação da situação social que a política deste Governo tem vindo a provocar, a ruptura dos programas de polícia de proximidade que a maioria pretende agora sacudir para cima das Polícias Municipais, a escassez de elementos afectos a missões de policiamento, o incumprimento de promessas e a frustração das mais legítimas expectativas dos profissionais das Forças e Serviços de Segurança, e os cortes orçamentais que atingem o funcionamento e a operacionalidade das forças policiais, são responsáveis pela ausência de resposta ao acréscimo da criminalidade violenta, pelo sentimento de insegurança que atinge a população e pela quebra da confiança dos cidadãos na acção das polícias.

Em 2002 o somatório de seis tipos de crimes graves e violentos - roubo por esticão, na via pública, assaltos a bancos e postos de combustível e de associação criminosa, quase quintuplicou em relação a 2001. Nos primeiros seis meses deste ano, os assaltos a bancos triplicaram e os homicídios violentos e raptos registaram um crescimento de 50% em relação a 2002.

Um Relatório recente sobre a qualidade da vida urbana na cidade do Porto, em que foram inquiridas 2400 pessoas, constata que 44,7% valoriza como factor mais negativo a insegurança e a criminalidade e teme pela sua segurança.

Recentemente, uma televisão russa noticiou que ficam por identificar nos Institutos de Medicina Legal em Portugal, centenas de “mortos de ninguém”, cadáveres de imigrantes do Leste, muitos deles certamente assassinados por organizações criminosas, havendo indícios fortes duma internacionalização crescente da criminalidade organizada e violenta que opera no nosso país.

Na delinquência juvenil e grupal as ocorrências referidas no Relatório de Segurança de 2002 somam 5.615 delitos, o que representa um acréscimo de 9% em relação a 2001.

Fontes do próprio MAI apontam para um acréscimo de 11% da criminalidade juvenil em 2003.

Dir-se-á que os problemas da segurança pública não são hoje tratados com o sensacionalismo a que assistíamos há três anos atrás, nem têm a visibilidade mediática que lhes era proporcionada nessa altura. Mas isso não significa que os problemas tenham deixado de existir ou tenham diminuído de intensidade. Pelo contrário. Os problemas não só subsistem como se agravam. A grande diferença, é que os partidos que exploravam os problemas da insegurança em discursos incendiários, alarmistas e irresponsáveis, deixaram de estar na oposição e passaram a estar no Governo. A oposição demagógica da direita, deu lugar à governação da direita, igualmente demagógica. Igualmente demagógica, porque os problemas subsistem e agravam-se, mas o Governo finge ignorá-los, faz de conta que os resolve e procura fugir às suas responsabilidades.

A ausência de uma orientação estratégica que corresponda aos problemas objectivos da área da segurança interna reflecte-se por exemplo nas contradições entre o Ministro e os seus Secretários de Estado a propósito das reintegrações na Brigada de Trânsito da GNR; reflecte-se nas frequentes demissões nos comandos da GNR e na instabilidade criada nesta Força de Segurança pela subsistência de uma estrutura militar inadequada ao desempenho das suas missões próprias; reflecte-se num clima de descontentamento evidente na PSP devido à total falta de resposta do Governo às reivindicações mais elementares dos profissionais desta polícia; reflecte-se no fracasso da política de segurança rodoviária, incapaz de inverter as cifras dramáticas de sinistralidade nas estradas portuguesas; reflecte-se na confusão instalada na Protecção Civil; reflecte-se até nos receios já publicitados quanto às condições para garantir níveis de segurança adequados para a realização do EURO 2004.

Todos os que se pronunciam sobre esta matéria, à excepção dos membros do Governo, não escondem as suas preocupações com as condições de segurança do EURO 2004. Os bombeiros queixam-se de terem sido marginalizados e de que não conhecem os planos de emergência dos estádios. Os profissionais da PSP e da GNR queixam-se da falta de coordenação entre ambas as Forças, da ausência de um sistema de comunicações adequado e da falta de instrução específica para o evento. Os equipamentos indispensáveis para garantir a segurança do EURO não chegam antes de Março. E até o sindicato do SEF ameaça com uma greve para os dias do EURO. Ou seja, um acontecimento com a responsabilidade e a complexidade do EURO 2004 arrisca-se a ficar entregue no essencial à segurança privada dos estádios.

Aliás, na falta de uma política pública de segurança interna e no quadro de uma sanha privatizadora do actual Governo, estamos a assistir à entrega de áreas vitais da segurança pública nas mãos da iniciativa privada, realidade nebulosa, estimada em 60 empresas e quase 80 mil seguranças, a maioria em situação ilegal, que invadem espaços do domínio público e assumem responsabilidades que devem ser exclusivas das forças de segurança públicas, susceptíveis de um controlo democrático e com especiais responsabilidades de garantia do respeito pelo lei e pelos direitos dos cidadãos.

Nos quase dois anos de vida deste Governo, são inúmeras as promessas persistentemente não cumpridas, de reorganização na segurança interna, de mais polícias no patrulhamento, de diminuição da criminalidade, de contenção da sinistralidade rodoviária, de garantias de direitos para os agentes das forças de segurança, etc., etc.

Confrontado com todas as promessas não cumpridas, o Governo responde imperturbável, que ainda as não cumpriu, mas tenciona fazê-lo até ao final da legislatura. Mas entretanto, a política de Administração Interna que se vai arrastando, tem consequências altamente lesivas dos cidadãos e dos próprios profissionais das Forças de Segurança.

Face à profundidade da crise que se evidencia na área da Administração Interna, o PCP sugeriu, em tempo oportuno, que o próxima sessão sectorial de perguntas ao Governo a ter lugar neste Plenário, nos termos regimentais, contasse com a presença da equipa governativa do Ministério da Administração Interna. O Governo não aceitou a proposta e foge assim a mais um debate incómodo.

Só que o Governo pode fugir aos debates incómodos, mas não poderá fugir às responsabilidades que terá de assumir perante os cidadãos portugueses.

Disse.

 

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