Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"A pobreza é uma consequência da política do governo"

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Sr.ª Presidente,

Permita-me uma nota bem-humorada para procurar distender esta tensão que existe. É que ao ouvir as intervenções que me precederam, lembro-me sempre daquele ditado: «Diz o roto ao nu: porque não te vestes tu?».
No fundo, esta é a discussão a que aqui assistimos.

Sr. Primeiro-Ministro, respondendo ao seu desafio e quanto à questão da dívida, convidamo-lo a estar presente no próximo dia 16, aqui, na Assembleia da República, tendo em conta o nosso agendamento potestativo para discutir um projeto de resolução, sobre a renegociação da dívida. Foi feito o desafio e eu respondo com um apelo à sua presença, Sr. Primeiro-Ministro.

Mas vamos à essência destes debates.

Sr. Primeiro-Ministro, recentemente colocaram-lhe uma pergunta sobre que lugar pensaria ocupar na história do nosso País e disse que não sabia. Sr. Primeiro-Ministro, será, com certeza, um lugar de um Primeiro-Ministro de um governo que mais pobres conseguiu criar no nosso Portugal democrático.

O Governo e a maioria que o sustenta habituaram-nos a usar as estatísticas com a afirmação de que agora é que vai e de que, pelos sinais, estamos no bom caminho.

Falemos, então, das estatísticas.

Sr. Primeiro-Ministro, há umas semanas, como se lembra, perguntei-lhe como justificava o facto de, perante o aumento da exploração, do desemprego, do empobrecimento, da carga fiscal que recai sobre milhões de portugueses, aumentar o número de milionários e das fortunas dos mais ricos. Respondeu, então, que, ainda assim, os ricos tinham sido mais penalizados e protegidos os mais pobres. E, pronto, ficou dito, tendo em conta que a última palavra é sempre sua.

O problema é que veio o relatório do INE — com um ano de atraso, diga-se! —, que demonstra que em dois anos o seu Governo aumentou em 515 000 o número de pobres em Portugal, para já não falar daqueles que já nem direito têm a ser pobres, são menos do que isso. São 2,5 milhões em risco de pobreza ou na pobreza — pobreza que resulta do desemprego, dos salários baixos… Como sabe, hoje, em Portugal, há quem trabalhe empobrecendo devido aos salários baixos, ao congelamento do salário mínimo nacional, à carga fiscal, ao corte nas pensões…

Nesse sentido, Sr. Primeiro-Ministro, deixo-lhe esta pergunta: há quase dois séculos, nesta Assembleia, Almeida Garrett perguntava ao governo de então: quantos pobres são precisos mais para criar um rico?
Responda a esta pergunta, porque hoje tem uma grande atualidade.

(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Afirmou aqui algo que tem grande significado e até gravidade, que é, de facto, o reconhecimento de que a pobreza é uma consequência e até um objetivo da política do Governo, chamada de «ajustamento». Este é o problema de fundo que está colocado.

Mas, em relação à questão da pobreza — assim ao de leve, Sr. Primeiro-Ministro, isto não custa nada —, se a correção da mediana for feita para baixo, naturalmente, depois, o nivelamento em relação aos que menos têm e menos podem também se altera. Portanto, veja lá se faz uma leitura correta da estatística.

Mas, Sr. Primeiro-Ministro, vamos às questões concretas, porque quem nos está a ouvir aprecia sempre as questões concretas.

Nesse sentido, e até admitindo que tem sensibilidade social, vou suscitar-lhe uma questão relativamente à qual o Sr. Primeiro-Ministro, como cidadão, tem, com certeza, sensibilidade, mas, depois, a política do seu Governo e o senhor, como Primeiro-Ministro, não correspondem a essa preocupação. Os cortes que o Governo aplicou às prestações destinadas a crianças com deficiência ou necessidades educativas especiais comprovam a forma desigual como o Governo trata ricos e pobres, como agrava a pobreza, por opção. Aos cortes dos abonos de família, que atingiram milhares de crianças, o Governo acrescentou o corte na bonificação por deficiência, relativamente às crianças com deficiência.

Às crianças identificadas pelas escolas como crianças com deficiências ou necessidades educativas especiais, com declarações médicas a reconhecer a necessidade de apoios específicos, o Governo está a recusar o pagamento do subsídio de educação especial, com o falso argumento de que os apoios já existem nas escolas, quando, efetivamente, não existem.

Se quiser, Sr. Primeiro-Ministro, temos aqui vários exemplos concretos que lhe podemos dar, demonstrando que pais desesperados nos contactaram porque veem os seus filhos regredir por falta de apoios que lhes deviam ser concedidos e que o Governo lhes retirou. Esta é a marca cruel da vossa política, que contrasta com o crescimento das fortunas. E dou-lhe um, dois, três exemplos.

Por exemplo, há uma escola que reconhece que uma criança revela dificuldades sérias na articulação de determinados fonemas, omitindo, substituindo e trocando alguns deles, que tem, cito, «um atraso global no desenvolvimento da linguagem, devido às dificuldades presentes na área verbal», que «revela dificuldades sérias na descodificação da leitura e produção escrita» e que, por tudo isso, «se verifica o comprometimento do seu desenvolvimento global». A terapeuta da fala diagnosticou um atraso no desenvolvimento da linguagem e uma perturbação da leitura e da escrita. Sr. Primeiro-Ministro, tenho aqui o parecer da segurança social que vem dizer que não tem necessidades educativas permanentes e recusa os subsídios para apoio.

Quando se fala de sensibilidade é preciso provar, não basta afirmar, e o seu Governo demonstra aqui não só um elevado grau de insensibilidade mas também de injustiça, penalizando quem já tem um drama nas suas casas e precisa de apoio para os seus filhos, crianças e jovens com estas necessidades.

É aqui que se marca a opção, a natureza de uma política, e nisto não nos enganamos: os senhores estão do lado dos mais poderosos, dos mais ricos, dos mais fortes e contra os mais vulneráveis, contra os mais pobres. Esta é a questão central que está colocada, Sr. Primeiro-Ministro.

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