Intervenção de

Plano Tecnológico nos serviços públicos - Intervenção de Jerónimo de Sousa na AR

 

 

 

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Dsse V. Ex.ª que Portugal ocupa o terceiro lugar no podium da aplicação das novas tecnologias nos serviços públicos. Não quero ofuscar este êxito que aqui apresentou, independentemente de podermos fazer reparos...

Sr. Presidente, creio que há dificuldades em fazer-me ouvir.

(...)

Como dizia, não quero ofuscar este êxito aqui apresentado. Mas, naturalmente, poderíamos colocar questões de pormenor em relação a anúncios de banda larga na rede escolar que, depois, não foram concretizados, às filas para conseguir um bilhete de identidade ou aos oito meses para conseguir o cartão de utente do SNS. Enfim, são pormenores que não podem ofuscar este brilho que aqui veio colocar em relação às novas tecnologias, que é importante e que poderia até levar-me a dar-lhe os parabéns.

O problema é que, entretanto, em Agosto passado, veio a notícia de Bruxelas de que Portugal foi colocado não em terceiro lugar mas em primeiro lugar na lista dos países da União Europeia com mais injustiças e mais desigualdades.

Nem uma palavra, Sr. Primeiro-Ministro! E foi em Agosto que isto foi dito. Nem uma palavra nem uma nota de um Governo que, no seu Programa, anunciou precisamente como objectivo o combate às desigualdades na distribuição do rendimento.

Nem uma frasezinha sobre o aumento do desemprego e da precariedade.

Sr. Primeiro-Ministro, este debate e a sua acção de uma forma geral levam-me a contar uma pequena história, mesmo gastando um minuto, com prejuízo do tempo de que disponho para usar da palavra. Na fábrica onde eu trabalhava, havia um jovem elegantérrimo, que tinha sempre os sapatos tão brilhantes que até ofuscavam. Um dia escorregou no chão da oficina e mostrou as solas dos sapatos, que tinham buracos maiores do que as promessas eleitorais do Governo do PS...!

Mas acabou-se o mito e acabou-se o encanto. E penso que este é o problema de fundo que está colocado.

O senhor ganha sempre os debates nesta Assembleia da República, não por ser o último a falar mas porque apresenta sempre um País que está a ir bem. No entanto, há este relatório, que constitui uma «nódoa» para a sua governação, uma governação do PS onde as desigualdades atingiram uma maior acentuação.

Sr. Primeiro-Ministro, deixe-me, ainda, dar-lhe um exemplo do brilho que ofusca e da realidade que ensombra.

Falei-lhe no ano passado da nossa preocupação relativamente à situação de injustiça para muitas crianças face à ameaça do encerramento de escolas de ensino básico no interior do País, no caso concreto, no concelho de Cinfães. Daí me respondeu, de forma olímpica, que não senhor, que estava tudo tratado, que havia alternativas. Aliás, o Sr. Primeiro-Ministro até foi recentemente inaugurar uma nova escola, ali ao lado de Cinfães, a única nos 24 concelhos de Viseu, município que viu encerrar centenas de escolas e jardins de infância.

Mas ficou brilhante na fotografia!...

Em vários locais do concelho de Cinfães há escolas a funcionar em contentores, que também servem de refeitório, e há transportes péssimos para as crianças que saem das suas aldeias devido ao encerramento das escolas, com perda de horas de convívio familiar e de brincadeira.

Falei-lhe até de Paradela, na freguesia de Nespreira, cujas crianças foram parar a Lourosa. Só que em Lourosa não há escola. Há uma casa de habitação degradada onde os professores quase fazem «milagres».

«Coisas miúdas», dirá, com certeza, o Sr. Primeiro-Ministro, tão preocupado com a alta política. Mas é por estas e por outras que temos a «medalha de campeão» das desigualdades silenciadas e, aqui sim, silenciadas pela propaganda.

Um dia, com certeza, o Sr. Primeiro-Ministro escorregará também, e isso demonstrará que, apesar do «brilho dos sapatos», por baixo, as coisas não estão nada bem.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Penso que é um excelente exercício da sua parte mostrar a parcela para esconder o geral.

O tempo aqui é precioso. No entanto, posso dizer-lhe que, sim, de facto fez o complemento da reforma, mas, por outro lado, desvalorizou as pensões, aumentou a idade da reforma, reduziu o subsídio de desemprego, aumentou o desemprego em Portugal, enfim, poderíamos estar a falar aqui uma tarde inteira.

Repare que não quero desresponsabilizar a direita, porque, em relação ao tal relatório, há, de facto, responsabilidades primeiras e concretas por parte da direita. Mas o problema de fundo é que, durante este seu mandato, essas desigualdades acentuaram-se.

Veja-se o aumento dos salários na Administração Pública, vejam-se a desvalorização do poder de compra dos trabalhadores.

Este é que é um problema de fundo a que o senhor tem de dar resposta.

De qualquer forma, gostaria de colocar-lhe uma questão que nos inquieta, para não dizermos sempre a mesma coisa.

Sr. Primeiro-Ministro, num País cuja dívida externa se situa já nos 80% do PIB, num País que enfrenta grandes dificuldades na retoma da sua economia e do seu crescimento, num País com elevadíssimo índice de endividamento das famílias, num País com estes problemas, vamos continuar a assistir ao aumento das taxas de juro a ao agravamento das dívidas das famílias e das empresas, sem nada fazer?

Agora que Portugal assume a Presidência da União Europeia, não lhe parece, Sr. Primeiro-Ministro, que, aproveitando outras vozes que se levantam por essa Europa, é de lançar debates acerca das funções do Banco Central Europeu, em defesa do crescimento económico e da coesão social? E também não haverá nada a fazer para conter os desmedidos apetites do sistema bancário que, perante o abalo financeiro, só encontra como solução o aumento das taxas e a alteração das condições de acesso ao crédito?

É que, se o seu Governo nada fizer, tenho a certeza de que esse guichet que vai abrir terá filas imensas, porque os portugueses vão perder a sua carteira e o seu dinheiro.

(...)

Sr. Presidente, o Sr. Primeiro-Ministro pediu um debate sério, mas referiu que em relação à reforma da segurança social queríamos que ficasse tudo na mesma. Ora, é preciso lembrar que não está a ser rigoroso nem verdadeiro. Nós tínhamos alternativas. Tínhamos era procurado outras fontes de financiamento, porque o Governo apenas fez pagar uma parte - os trabalhadores e os reformados - e isto é que devia ser dito!

 

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