Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
Em 17 de Abril foi publicado o Decreto-lei que aprovou o Plano Nacional da Água.
Com quase cinco anos de atraso sobre o momento em que deveria ter sido concluído, foi finalmente publicado um documento central sobre o planeamento dos recursos hídricos em Portugal.
Esperar-se-ia que um tão grande desfasamento entre a data imposta no Decreto-lei 45/94 para a sua conclusão (o ano de 1997) e a data da sua aprovação e publicação poderia ter tido a vantagem - certamente meritória - de ajudar a produzir um documento consensual, tecnicamente mais adequado e politicamente irrepreensível.
Não foi, porém, isso que aconteceu.
Apesar dos atrasos na sua elaboração, o Plano Nacional da Água que o Governo aprovou no final do ano passado, mereceu da parte de técnicos com as mais diversas origens da parte de organizações ambientalistas e até da parte do próprio Conselho Nacional da Água um número significativo e importante de reparos e críticas a que não podemos deixar de dar crédito e de dar seguimento político.
As críticas e os reparos centram-se sobretudo no processo de elaboração e sobre o respectivo conteúdo, objectivos e medidas.
No que respeita à elaboração do Plano Nacional da Água, há um largo e significativo espectro de opiniões que consideram que o respectivo processo de elaboração assentou em métodos excessivamente centralizados e pouco transparentes, não cuidando nem motivando uma participação e um debate adequadamente alargados.
Assim parece ter sido, se atentarmos ao facto da proposta do Plano Nacional da Água ter sido posta em discussão pública entre 1 de Agosto e 30 de Setembro de 2001, isto é, se reflectirmos sobre o facto da discussão pública ter ocorrido precisamente durante o período de Verão (e de férias) do ano passado.
Período menos adequado seria de facto difícil encontrar!
O próprio texto da versão do PNA apresentada para consulta pública abordava, noutro contexto e enquadramento, o deficit de participação no processo de elaboração. De facto ele próprio reconhecia que a participação "era feita a posteriori" (e portanto não resultava de um debate alargado), era feita "após a decisão tomada, sobre uma única alternativa e não em fases precoces do processo". Só que, curiosamente, a versão final publicada em Abril omite esta abordagem crítica, muito profunda e muito grave, feita pelos próprios autores do Plano Nacional da Água, à forma como foi elaborado e à forma (e momento) em que decorreu a respectiva discussão pública.
Por fim, é curioso, mas bem significativo, o facto de nem sequer ter sido publicado, em patente violação da legislação (e designadamente do Decreto-lei 386/98) em vigor, qualquer relatório final do processo de discussão pública.
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
Se quanto ao processo de elaboração e discussão pública, o Plano Nacional da Água congrega desacordos muito largos, já quanto ao seu conteúdo, e para além de outros aspectos, o documento parece corresponder mais a uma preocupação em cumprir formalmente obrigações que a legislação nacional, internacional e comunitária impõem do que constituir-se como um verdadeiro instrumento de estratégia para utilização racional e sustentada dos recursos hídricos numa lógica de desenvolvimento integrado do ponto de vista ambiental, económico e social.
Por outro lado, há quem justamente considere que o Plano Nacional da Água se conforma com a perspectiva demissionista de considerar facto irreversível e inevitável a continuação das dinâmicas de crescimento desigual e assimétrico do País, (com crescentes manchas de desertificação no interior e pequenas zonas litorais com enormes pressões de povoamento), ao invés de lançar estratégias para basear e orientar uma inversão de tendências.
O Plano Nacional de Água é, no que respeita aos seus objectivos e medidas, (elementos aliás fundamentais para uma estratégia nacional para os recursos hídricos), um documento que poderíamos designar de "vistas curtas" já que quase se limita (ou melhor, se auto limita) ao horizonte 2006 (isto é, ao final do III QCA, daqui por quatro anos e meio). Para além disso, circunscreve-se, no essencial, quase à inscrição de acções já previamente seleccionadas pelo Governo num contexto completamente diverso e independente da elaboração do PNA.
E se no que respeita à programação física e financeira o Plano é porventura demasiado genérico e vago, quando não questionável, já no que respeita à apresentação de um sistema objectivo de indicadores mensuráveis para permitir padrões mínimos de avaliação, o Plano Nacional da Água e´, segundo muitos observadores, inaceitavelmente débil. Não só não apresenta metas quantificadas correspondentes às medidas propostas como não estabelece uma monitorização capaz de determinar de forma credível os efeitos e os impactos da aplicação do próprio Plano ou, noutro plano, estabelece programas de monitorização dificilmente compagináveis como Directiva Quadro da Água, designadamente no que respeita à qualidade da água.
O Plano, finalmente, caracteriza uma indisfarçável mas em todo o caso muito discutível (para não referir pouco aceitável) opção por uma lógica preferenccialmente mercantilista na utilização da água e dos respectivos serviços sem atender de forma adequada à sua relevância sócio económica e descurando a sua importância na sustentabilidade do desenvolvimento.
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
A existência de uma Plano Nacional da Água sobre o qual impendem tantas dúvidas, desacordos e reticências deve merecer uma reflexão política muito atenta e ponderada. Sobretudo exige dos responsáveis políticos e desta Câmara uma atenção redobrada.
E se uma via possível para o desenlace desta Apreciação Parlamentar poderia sempre ser a de propor a revogação pura e simples de um Plano colocado (por assim dizer) "sob a suspeita" de tantos técnicos e organizações ambientalistas e de conservação da natureza, não parece ao PCP que seja essa a opção mais responsável.
Apesar de tudo, é preferível existir este documento do que nada ter, desde que esta Câmara adopte desde já medidas para a sua correcção imediata.
Neste contexto, o PCP considera adequado encurtar de forma significativa o período de vigência estipulado para o Plano Nacional da Água - fixado num lapso de tempo demasiado extenso, (entre 8 e 10 anos, para um documento de estratégia tão controverso.
Com um período de vigência reduzido a um tempo mínimo, permitia-se ao Governo - a este Governo - arrancar a curto prazo para o processo de elaboração de uma alternativa, superando lacunas, articulando objectivos, reformulando aspectos da programação física, financeira e do sistema de avaliação e monitorização do PNA.
As críticas que a actual maioria fez ao Plano Nacional da Água, e designadamente as críticas que o maior Partido da actual Coligação Governamental a seu tempo fez ao processo de elaboração, à forma de debate público e aos conteúdos e objectivos da proposta que acabou por ser transformada no Plano Nacional da Água, são certamente um capital de que as alterações que o PCP hoje apresenta vão ser suportadas de forma maioritária. Uma posição diferente por parte do PSD seria certamente incompreensível para todos aqueles que criticaram de forma fundamentada o Plano Nacional da Água e para os muitos que esperam uma revisão antecipada da proposta em vigor
Considero também que outros partidos nesta Câmara deverão ponderar e reflectir sobre os sinais e os comentários, que em tempo oportuno mas porventura pouco sereno, foram feitos sobre o processo de elaboração e o conteúdo final que acabou por configura o Plano Nacional da Água.
O PCP está, por isso, convencido que a melhor forma que hoje a Assembleia da República tem para responder positivamente a tantos reparos e a tantas objecções é, por um lado, rejeitar a criação de um vazio legislativo mas, por outro lado, gerar desde já as condições para em tempo razoavelmente curto potenciar a revisão do actual Plano Nacional da Água.
O Plano Nacional da Água, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, tem, (ou pelo menos deve) ter um apoio muitíssimo alargado. A sua relevância estratégica deve motivar reflexão e intervenção política alargadas e, por isso mesmo, deve passar a ser esta Câmara a aprovar a proposta final de um novo Plano Nacional da Água, resultante da revisão da versão que hoje se encontra em vigor. Por isso o PCP propõe que seja o Governo a organizar e dinamizar o processo alargado da revisão do PNA e propõe também que esse processo termine na apresentação de uma proposta a aprovar obrigatoriamente pela Assembleia da República.
Desta forma o Parlamento confereria dignidade total a um documento de importância estratégica vital para as condições de desenvolvimento do nosso País.