Comunicado do Gabinete de Imprensa dos Deputados do PCP ao PE

O "Pilar Social" é operação de cosmética nas políticas neoliberais da UE

1. A assinatura do chamado “Pilar Europeu dos Direitos Sociais” pelos Presidentes da Comissão Europeia, Conselho Europeu e Parlamento Europeu, enquadrada na Cimeira Social de Gotemburgo, foi hoje debatida no Parlamento Europeu.

Os vinte princípios enumerados no dito “Pilar Social” configuram, para lá de um exercício de intenções – no geral positivas mas sem medidas concretas que contribuam para de facto combater os graves problemas sociais identificados –, uma tentativa de branqueamento das políticas de intensificação da exploração e de ataque aos direitos sociais e aos serviços públicos levadas a cabo pela União Europeia e de promoção da falsa ideia da compatibilidade entre o respeito pelos direitos sociais e as políticas da UE que objectivamente os limitam e negam.

2. Quanto ao capítulo dedicado às “iguais oportunidades e acesso ao mercado de trabalho”, mais do que a defesa dos direitos laborais, do emprego e de efectivas políticas activas de criação de emprego, defende um apontado “apoio activo ao emprego”, traduzido num suposto apoio à procura de emprego, à formação e requalificação, reafirmando o que já existe: sistemas que foram desvirtuados na integração e procura de emprego, responsabilizando os trabalhadores na procura ou criação do seu próprio posto de trabalho, ou mecanismos ardilosos que mascaram o desemprego real a par de promoverem a colocação laboral em regimes de vínculo precário e futuro incerto.

Refere-se o direito à educação e à formação, mas submetidas aos ditames do denominado «mercado de trabalho», ou seja, dos grandes grupos económicos e financeiros, e não como a consagração do direito à educação progressivamente gratuita inscrito na Constituição da República Portuguesa, que deve ser entendido não só como elemento para a formação dos trabalhadores, mas para a formação integral do cidadão. Recorde-se que a política de direita de sucessivos governos e as orientações e imposições da UE têm promovido a privatização e elitização do ensino.

É referida igualmente a necessidade da igualdade entre mulheres e homens. Contudo, essa justa reocupação é contrariada pelas opções políticas que têm minado a contratação colectiva. Defende-se, e bem, o direito a salário igual para trabalho igual entre homens e mulheres; no entanto, a Comissão Europeia retirou este justo princípio da proposta do destacamento de trabalhadores que está a ser actualmente discutida.

A igualdade de oportunidades é referida no documento mas contrariada na prática pelas crescentes discriminações e desigualdades que se acentuam, com a precarização e desregulação laboral, e com a desprotecção social. Caminho que vinha já sendo percorrido e que se agravou com as imposições da troika – da UE, do BCE e do FMI.

3. No Capítulo dedicado às “condições justas de trabalho”, emerge uma contradição entre uma pretensa intenção de melhoria das condições laborais e a necessidade da flexibilização do trabalho que, segundo a União Europeia, deve, inclusive, ser integrada em acordos colectivos de trabalho, obviamente, em benefício do patronato.

O denominado “Pilar social” da UE implode a protecção do posto de trabalho. Nele não só se menoriza o vínculo laboral ao nível do direito de informação dos trabalhadores (como se não existissem contractos de trabalho e uma lei geral do trabalho, a par de acordos colectivos sectoriais que regulamentam a tipologia, os direitos e obrigações), como se assume uma visão facilitadora do despedimento, assente na possibilidade inquestionável de despedir, condicionada à “informação” atempada dessa decisão. Ou seja, uma visão do emprego assente na desregulação e desprotecção laboral e no facilitamento dos despedimentos. Não é, aliás, por acaso, que o documento defende um pretenso “diálogo social” que despreza as organizações de trabalhadores e o movimento sindical e que ataca a contracção colectiva.

Também aqui, a resposta ao desemprego, que se reconhece como persistente, é orientada para a “formação”, o “empreendedorismo” e o “auto-emprego”, que em países como Portugal, através dos recibos verdes, esconde uma imensidão de necessidades permanentes ou alimenta negócios ditos “inovadores” como a UBER. Desresponsabiliza-se o Estado e passam a ser os trabalhadores os responsáveis pela criação do seu próprio emprego.

Toda a retórica em torno das condições mais justas de trabalho é contrariada não só pelo passado recente das imposições da troika, de ataque aos salários e aos direitos laborais, como pelos documentos de reflexão que enquadram a discussão da “dimensão social” no dito “futuro da UE”, e que apontam para as “reformas estruturais” dos sistemas de protecção social e dos direitos laborais, para o aumento da idade da reforma, para o condicionamento dos níveis salariais à produtividade, para a associação de salário mínimo ao nível de risco de pobreza (o que em Portugal se situaria nos 421 euros) ou para a alteração da carga fiscal sobre o trabalho com o objectivo de reduzir os custos da contratação por parte do grande patronato.

Defendem-se salários mínimos dignos, num aviltante exercício de hipocrisia dos mesmos que criticaram Portugal, nomeadamente através dos mecanismos do Semestre Europeu, pelo aumento do salário mínimo nacional, que permanece em valores reais abaixo do valor definido em 1974.

4. O capítulo dedicado à “protecção social e inclusão” assenta numa visão mercantilista em que se transforma o acesso aos serviços públicos, no acesso a «serviços de interesse geral», privatizados e sustentados pelo Estado (como com as parcerias público-privadas), relegando a capacidade de se lhes aceder e a sua qualidade à capacidade económica de cada um. Uma subversão que se estende a serviços como a protecção social, a água, o saneamento, a habitação, os transportes ou as comunicações, alimentando as políticas de destruição das funções sociais do Estado e de privatização de serviços públicos, bem conhecidas dos portugueses, nomeadamente por via da política de direita e das orientações da União Europeia.

São várias as referências a direitos específicos que chocam frontalmente com a prática e as políticas neoliberais da União Europeia, políticas que em nenhum momento são postas em causa.

Assim é com a referência ao acolhimento e apoio a crianças na primeira infância e o direito à protecção contra a pobreza, declaração que embate com as políticas que retiraram apoios sociais a centenas de milhar de crianças, que promoveram o encerramento de escolas, que reduziram os apoios sociais às unidades de acolhimento na primeira infância, numa rede já debilitada e onde a marca é a ausência de uma oferta de serviço público que garanta a cada criança o acesso a serviços de educação.

Assim é com as referências à protecção social e às prestações por desemprego, atacadas por políticas da União Europeia, políticas que são em parte reafirmadas por via da hipócrita responsabilização do trabalhador pelo seu desemprego e no incentivo à redução dos valores do subsídio.

Assim é com o direito às pensões, onde é visível a ausência de referência ao conceito da segurança social pública e universal, em linha com as políticas de privatização dos sistemas públicos de segurança social que a UE tem promovido.

5. A exemplo de outros documentos da União Europeia que acenam com o chamado “modelo social europeu” e que as políticas da UE colocam em causa, o chamado “Pilar Europeu dos Direitos Sociais” incorre em duas contradições de fundo.

Em primeiro lugar é proclamado exactamente no momento em que a Comissão Europeia avança com o roteiro para o Aprofundamento da União Económica e Monetária, cujas políticas económicas neoliberais negam intenções enunciadas neste documento. A justiça social é indissociável da política económica. Tentar compatibilizar neoliberalismo económico com justiça social é, ou uma imensa ilusão, ou, como é o caso, um embuste.

Em segundo lugar, e decorrente da primeira contradição, pauta-se pela ausência de medidas concretas, essenciais para uma política de justiça social, como sejam: o aumento dos salários e dos rendimentos do trabalho; a diminuição dos horários de trabalho e uma efectiva regulação das condições de trabalho; uma justa redistribuição da riqueza e justiça fiscal; a valorização do trabalhador e da sua segurança nos vínculos e relações laborais; a consagração e defesa dos direitos da contratação colectiva; a assumpção pelos Estados das suas funções sociais, nomeadamente por via de serviços públicos, universais, de qualidade, que garantam protecção social, serviços de cuidados para as crianças e idosos, o acesso universal e gratuito à saúde e à educação.

Com este denominado “Pilar Social”, a UE dá sequência a uma visão – já patente na chamada “carta de direitos fundamentais” que acompanhou a imposição do Tratado de Lisboa – de nivelamento por baixo de direitos sociais à escala europeia, impondo uma pressão em países que, como Portugal, têm uma Constituição e um quadro legal de direitos sociais e laborais mais avançado.

Na verdade, esta iniciativa não traz nada de novo naquilo que são as bases do processo de integração capitalista, acabando por denunciar o carácter vazio das proclamações de “refundação” social da União Europeia e enquadrando-se nas típicas proclamações “sociais” com que sempre se fazem acompanhar novas tentativas de saltos na integração capitalista.

O “pilar dos direitos sociais europeu” é acima de tudo uma “capa social” com que se tenta iludir os objectivos da Cimeira de Roma e o conjunto das políticas neoliberais de governação económica, do Semestre Europeu, da União Económica e Monetária e do Mercado Único, sobre as quais se vislumbra apenas o seu aprofundamento. É neste contexto, que estão em preparação diversas propostas para dar corpo a essa dita “dimensão social. Medidas que para lá do que podem fazer antecipar de intenções de nivelamento por baixo da legislação laboral e social, prosseguem, no essencial, os objectivos de exploração dos trabalhadores e de oferta de mão-de-obra barata, de degradação dos serviços públicos e funções sociais dos Estados, nomeadamente comprometendo a Segurança Social pública, solidária e universal.

6. Uma Europa verdadeiramente social não é compatível com as políticas do Euro, da União Bancária, da Governação Económica, do Semestre Europeu, de militarização, do ataque a liberdades, à democracia, à soberania e ao direito dos povos ao desenvolvimento. Em suma, não é compatível com as políticas da União Europeia e com os interesses que esta protege.

Os deputados do PCP no PE prosseguirão a sua intervenção defendendo a necessidade de promover o progresso social por via de políticas de desenvolvimento soberano, de investimento público, de desenvolvimento do aparelho produtivo nacional, de justa redistribuição da riqueza, da valorização dos salários, do trabalho com direitos e do direito ao trabalho, da promoção de serviços públicos, gratuitos e de qualidade e da universalidade das respostas sociais.

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