Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Petição solicitando uma solução para o cinema Odéon que dignifique a cidade de Lisboa

(petição n.º 307/XII/3.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Em primeiro lugar, e em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, quero saudar os subscritores desta petição que agora discutimos.
A sala de cinema em causa representa um conjunto arquitetónico único na cidade de Lisboa e no País e é uma das salas de cinema de rua mais importantes da cidade, apesar de o ser pelo seu passado histórico e não pela decadência que o passar dos anos lhe vem provocando pela ausência de resposta.
A política cultural aliada a uma política económica e social prosseguida ao longo das últimas décadas em Portugal concorre e tem concorrido, objetivamente, para a concentração da propriedade e para a diminuição da diversidade cultural.
A asfixia financeira, a especulação imobiliária e a concentração monopolista da atividade de distribuição e projeção cinematográfica sacrificam essa diversidade.
Perante esta perda cultural por todo o País, sucessivos Governos com destaque para o atual, fecham os olhos e negam-se a qualquer intervenção. Várias salas de cinema de rua encerraram em Lisboa, algumas delas estão ao abandono, como é o caso dos cinemas Londres, Odéon e Europa, e outras tantas encerraram há pouco tempo, fruto da política de sufoco económico e da ditadura da monocultura da grande distribuição que o Governo não só não combate como estimula.
A Câmara Municipal de Lisboa não tem, mas podia ter, instrumentos legais para impedir a concretização dos direitos dos proprietários além daqueles que dizem respeito ao exterior, à fachada e às coberturas, que já foram aqui referidas — e aproveito para sublinhar que é insuficiente, quer no entendimento dos peticionários quer no entendimento do PCP.
No entanto, o interesse patrimonial do edifício é evidente e fica claro pelos processos de classificação a que já foi sujeito, bem como pela sua inclusão no perímetro da proteção da Avenida da Liberdade. O papel do Estado é, neste caso claramente insuficiente perante a situação concreta.
O interesse particular não se pode sobrepor ao interesse público e por isso o Governo deve mobilizar todos os esforços, em articulação com os proprietários e a autarquia, para assegurar a salvaguarda e a valorização daquele património.
Infelizmente, em Portugal, o direito de propriedade privada é, muitas vezes, e ainda que à margem da lei, sobreposto aos direitos comuns de defesa e de valorização do património: o direito a ter uma casa abandonada e a degradar-se sobrepõe-se ao direito a habitá-la; o direito a fazer centros comerciais com estacionamentos subterrâneos sobrepõe-se à salvaguarda do património arquitetónico histórico dos lustres em néon, dos palcos com frontão e moldura em revelo art déco.
Mas não é a lei que condena o Odéon e a Assembleia da República não pode determinar a sua classificação; são as opções políticas do Governo — intervir ou não intervir — que podem salvar o espaço e criar as condições para poder tornar a projetar ou devolver o espaço à atividade cultural.
Do mesmo modo se pode dizer que a autarquia não utilizou ainda mecanismos, nomeadamente de classificação de interesse municipal, que poderia utilizar para assegurar a continuidade daquele espaço com as caraterísticas que tem ou que poderia ter no caso da recuperação.
Os eleitos municipais do PCP não apoiaram, em momento algum, qualquer espécie de reconversão daquele espaço que implicasse a desfiguração das suas características.
No entender do Grupo Parlamentar do PCP, entendemos que o Governo tem os instrumentos legais necessários, pelo que não há necessidade de legislar para salvar o Odéon.
Contudo, um Governo que condena o seu próprio povo a viver no desemprego, na pobreza, que lhe subtrai a educação, a saúde, a cultura e a arte e um Governo que se retira das mais fundamentais funções socias que lhe cabem é um Governo que deixa poucas esperanças quando se trata de salvar um património. Um Governo diferente, que valorize a cultura, a arte, as funções culturais e sociais do Estado, teria condições para concretizar essa política do património, mas para isso seria necessário um Governo que utilizasse o poder a favor do interesse comum, do interesse público e não do interesse privado, como faz o atual.

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