Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Petição solicitando que recomende ao Governo a equivalência de mestre aos titulares das anteriores licenciaturas com formação de 5/6 anos, na designação pré-reforma de Bolonha

(petição n.º 128/XI/2ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Em nome do Grupo Parlamentar do PCP, cabe-me também, em primeiro lugar, cumprimentar os subscritores da petição, que suscita e traz à Assembleia da República um tema que, aliás, já foi aqui debatido, em várias outras ocasiões, mas que não perde a sua importância.
Esta petição, ao contrário do que foi dito pela maioria das restantes bancadas, do ponto de vista do PCP, evidencia, com grande clareza, o embuste e a burla que foi e é o Processo de Bolonha. Aliás, é um grande desafio que, com tempo e talvez num espaço dedicado, todos podemos enfrentar — o PCP já fez, inclusivamente, uma audição parlamentar pública sobre o Processo de Bolonha e a sua aplicação —, porque implica uma reflexão para a qual todos deveremos ser convocados: o que é que ganhou o País com este embuste, com esta burla?! O que é que ganharam os estudantes portugueses com esta burla?! Em que é que o País e a qualificação do trabalho estão, hoje, melhores do que estavam antes da aplicação daquilo a que se chama «Processo de Bolonha»?! E, Srs. Deputados, a resposta é muito clara: não está melhor absolutamente em nada, a qualificação do trabalho, neste momento, é pior, mais difusa, geradora de mais injustiças e assimetrias e, isso sim, encareceram brutalmente os custos dos cursos.
Um estudante que, antes, para ter direito a uma licenciatura, tinha o apoio do Estado e pagava propinas já elevadas, de 1000 €, ao longo dos seus cinco ou seis anos de licenciatura, hoje, é confrontado com a seguinte situação: para ter direito a essa mesma duração de curso, terá de pagar 1000 € nos primeiros três anos, mas, nos restantes anos, naquilo a que agora, com Bolonha, se chama «mestrado», mas que, na verdade, é a antiga licenciatura, terá de pagar muito mais. É que os governos do PS, na altura, com o apoio do PSD e do CDS, não tiveram a coragem de assumir que o que estavam a eliminar era a licenciatura, substituindo-a por um bacharelato, e andaram a vender aos estudantes a ideia de que, agora, para ter a licenciatura só era preciso lá andar três e não cinco anos. Mentira! Mentiram! Mentiram aos estudantes, mentiram aos portugueses, porque o mercado de trabalho prova, à evidência, que a equivalência é feita entre o mestrado e a antiga licenciatura.
Portanto, Srs. Deputados, e esta é também uma mensagem aos subscritores da petição em apreciação, o PCP apoiará, obviamente, o que está em cima da mesa, proposto pelo BE, porque é, de facto, um contributo para resolver um problema ou, pelo menos, uma injustiça, mas entende que, ainda assim, fica por resolver o fundo político desta questão. E o fundo político desta questão é o de que os governos que aplicam Bolonha nos seus sistemas de ensino superior estão, de facto, a desvalorizar e a desqualificar a formação superior, estão, de facto, a desqualificar a prestação de trabalhos qualificados, estão, de facto, a desvalorizar os salários das pessoas. E esta é uma questão fundamental! Os Srs. Deputados não podem desligar o Processo de Bolonha da brutal desvalorização do trabalho que temos vindo a conhecer nos últimos anos, porque a menos formação corresponde menos retribuição salarial. E é esta a grande estratégia: remunerar o mínimo possível o valor do trabalho! Bolonha foi o vosso instrumento para o fazer e, para isso, precisaram de mentir. Precisaram de mentir e a mentira está, neste momento, à vista.
Da parte do PCP, viabilizamos esta medida, apoiá-la-emos, mas com esta nota importante: não resolve o problema de fundo, não resolve a injustiça de fundo, que vai persistir, porque está na natureza do Processo de Bolonha e, enquanto o Processo de Bolonha não for revertido ou não se encontrarem soluções para eliminar todas as injustiças introduzidas, muitas dessas injustiças vão, de facto, persistir.

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