Intervenção de Rita Rato na Assembleia de República

Petição solicitando a imediata reposição dos passes escolares e o cumprimento do direito de todos os jovens à mobilidade e acesso a transportes públicos

(petição n.º 97/XII/1.ª)
Recomenda ao Governo a manutenção do apoio de 50% no passe 4_18 e passe sub23
(projetos de resolução n.º 217/XII/1.ª)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Gostaria de, em primeiro lugar, saudar a Juventude Comunista Portuguesa e os mais de 8000 estudantes do ensino secundário e do ensino superior que, em pouco mais de uma semana, se organizaram e recolheram estas assinaturas aquando da decisão do Governo PSD/CDS de terminar com o apoio de 50% e garantir apenas um apoio de 25% em relação aos passes escolares para estudantes.
Muita água correu desde aí e, hoje, assistimos ainda a um corte mais significativo no direito fundamental dos jovens portugueses, que é o direito à educação. É um direito que está consagrado na Constituição, mas que, infelizmente, já não é para quem quer, é para quem pode pagar!
Gostaria de, para os Srs. Deputados perceberem a gravidade do impacto desta medida, deixar alguns casos: um estudante do ensino superior, para além de ter de pagar um valor de propina, que é superior a dois salários mínimos nacionais, e que venha, por exemplo, de Torres Vedras, tem de pagar um passe mensal de 140 €, ou seja, com o apoio de 50% no passe escolar pagava 70 € e hoje paga 140 €; um jovem que venha, por exemplo, de Setúbal tem de pagar de passe combinado 180 €, quando antes do corte pagava 90 €.
Os Srs. Deputados sabem exatamente a situação com que a esmagadora maioria das famílias portuguesas está confrontada com dificuldade no pagamento dos seus compromissos fundamentais. Aliás, existem já hoje estudantes que têm de escolher os dias em que vão à faculdade ou à escola, e podem escolher esses dias apenas no ensino superior, porque no ensino secundário não têm essa possibilidade, para, em vez de comprarem o passe social, comprarem apenas viagens pré-compradas. Ora, esta situação é bem reveladora do retrocesso social a que assistimos e que PSD e CDS teimam em continuar.
Virão dizer que não, que o Governo é tão bonzinho, tão bonzinho que vai fazer mais uma obra da caridade e para aqueles mesmo carenciados vai garantir um apoio.
Srs. Deputados, gostava, para que ficasse bem claro, de dizer quem é que vai ter apoio ao desconto de 60% por força da proposta do Governo que está a ser aplicada: para um estudante ter apoio de 60%, é preciso que o salário mensal de cada elemento do casal seja de 315 €, Srs. Deputados! 315 € é muito abaixo do limiar de pobreza!
Para ter acesso ao desconto de 25% significa que, por exemplo, no agregado familiar de um casal com dois filhos o rendimento destes dois, do pai e da mãe, não possa ser superior a 1258 € por mês e que, no caso do Passe Social Mais, isso significa um desconto de 25% mas cujo rendimento médio mensal daquela família tem de ser igual ou inferior a 503 €. Isto, Srs. Deputados, é uma vergonha e é o Governo PSD e CDS a negar o direito à educação a milhares de estudantes.
Os Srs. Deputados têm, certamente, conhecimento do impacto que isto terá na vida de milhares de estudantes, pelo que gostaria de vos ouvir falar sobre a injustiça desta medida para que possamos ainda, hoje, apresentar o nosso projeto de resolução e uma proposta, para ser votada amanhã, sobre a importância de inverter e de arrepiar caminho.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Não deixa de ser bem revelador da natureza de classe deste Governo e da política que executa o facto de estar aqui a «chorar migalhas».
A Sr.ª Deputada do PSD Cláudia Monteiro de Aguiar disse aqui que o Governo não tem 50 milhões de euros para garantir a manutenção do passe. Ó Sr.ª Deputada, quer ideias? Se quer ideias construtivas, deixo-lhe aqui uma da parte do PCP. O Governo gasta muito mais do que isto a contratar escritórios privados para garantir pareceres que os juristas da Administração Pública poderiam fazer!
Quer mais ideias, Sr. Deputada? Só o que este Governo já enterrou na recapitalização da banca, sabe para quantos anos dava para garantir o passe? Durante 120 anos, Sr.ª Deputada!
Isto são opções políticas, são opções políticas que não cumprem a Constituição. Sucessivos governos, em especial este do PSD e do CDS, insistem em violar em Constituição, em não garantir o acesso à educação, designadamente ao ensino superior, para assegurar negócio e lucro aos grupos económicos e privados.
Srs. Deputados, aqui, convém ter algum rigor, pelo menos ler aquilo que é apresentado e está em discussão, porque o Sr. Deputado do CDS Hélder Amaral disse aqui que queríamos dar tudo a todos. Sr. Deputado, nem leu as propostas apresentadas pelo PCP! Mas vou lembrar-lhe quais são, porque também é para isso que cá estou.
Sr. Deputado, o que propomos é que se mantenha o passe e o apoio de 50%.
Protestos do CDS-PP.
Não sabia — é novidade, mas estamos sempre a aprender com o CDS-PP quando pensávamos que já tínhamos ouvido tudo — que uma família com quatro pessoas, com dois adultos, em que cada um ganhe 300 €, tem acesso a um apoio de 60%. Mas, Sr. Deputado, acha que uma família com estes rendimentos tem um filho no ensino superior?
O Sr. Deputado não conhece pessoas que lhe dizem, como dizem a todos os Deputados que aqui estão, que não têm dinheiro para aceder ao ensino superior; que a ação social deste País só serve para quem vive abaixo do limiar da pobreza; que estamos a viver tempos de retrocesso social; que hoje, assim como no passado e nos tempos mais obscuros do fascismo, há pessoas que não estudam porque não têm dinheiro para comer?! O Sr. Deputado não conhece isto?!
Se não conhece é porque não quer conhecer, pois a realidade é a que acabei de referir e nós não vivemos bem com ela, por isso é que apresentamos estas propostas. Se os senhores vivem bem com esta realidade, não estão bem com os tempos da democracia, Sr. Deputado.

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