Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Petição solicitando a suspensão da venda das 85 obras de Joan Miró, património do BPN

(petição n.º 319/XII/3.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Em primeiro lugar, quero, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, saudar os subscritores desta petição, que em poucos dias atingiu um número muito vasto de assinaturas, o que demonstra a preocupação que representa para muitas pessoas a forma como o Estado cuida da arte e da cultura, representando também como as pessoas estão disponíveis para se empenharem na defesa de valores e de direitos.
Infelizmente, o Governo tem um entendimento diferente da arte e da cultura, vendo algumas como um adorno das elites e as restantes como uma despesa.
Srs. Deputados do PSD e do CDS, é altura de pararem de atirar areia para os olhos dos portugueses com a ideia de que é justo vender. O que está em causa não é se é bom ou mau vender; o que está em causa é que, mesmo que vender seja a melhor das opções, não significa que podem mandar a lei para o lixo e fazerem o que vos apetecer. Há procedimentos que têm de ser cumpridos.
O PCP não diz que estas obras devem ser classificadas, porque não cabe ao Parlamento nem aos grupos parlamentares dizê-lo, mas há procedimentos legais que determinam se as obras devem ser ou não classificadas. E o Governo impediu objetivamente que esses dispositivos legais fossem aplicados, porque, sorrateiramente, realizou um assalto à caixa forte da Caixa Geral de Depósitos. Só não foi de carapuço porque mandou enviar, nas costas dos portugueses, um conjunto de obras valiosíssimas sem que os portugueses tivessem sequer possibilidade de o conhecer antecipadamente, sem que as comunidades académica e artística tivessem possibilidade de ver se aquelas obras podem deixar alguma riqueza em Portugal.
Em vários momentos, nesta Assembleia, o PCP propôs projetos de resolução para travar o leilão humilhante que a própria leiloeira foi forçada a não continuar por condições impostas pela luta dos portugueses, tendo o Governo estado na infeliz contingência de ser a própria leiloeira a dizer que não tinha condições legais para fazer aquela venda.
Mas, Srs. Deputados, se estavam tão preocupados com o valor perdido com o BPN, que PS, PSD e CDS nacionalizaram por 6000 milhões de euros — quase já vai nesse valor —, não se compreende como é que vendem o BPN ao BIC por 40 milhões de euros, de mão beijada. E não se compreende como é que vão buscar as últimas 15 obras de Miró ao BPN por 15 milhões de euros a mando do BIC — foi condição do BIC para comprar o BPN por 40 milhões de euros que o Estado comprasse as obras por 15 milhões. Ridículo é esse argumento, Srs. Deputados.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Quero apenas dar nota de que, da parte do PCP, foi hoje mesmo aprovado um requerimento, em sede de Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, no sentido de que a Secretária de Estado do Tesouro possa vir aqui prestar esclarecimentos sobre todos os procedimentos em torno destas obras.
Além desse requerimento, e apesar de já terem sido rejeitados dois projetos de resolução para a manutenção destas obras, em particular, e para a sua valorização, exibindo-as ao público, em Portugal, porque é justo que os portugueses as possam ver, da parte do PCP, faremos tudo o que estiver ao nosso alcance, enquanto grupo parlamentar, para que o Parlamento dê o seu contributo no sentido de que estas obras possam deixar parte da sua riqueza em Portugal e de que todos possamos julgar da justeza ou não da sua venda.

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