Exposição de motivos
Em Julho de 2009, a Empresa Portuguesa das Águas Livres (EPAL), sociedade de capitais públicos integrada no grupo Águas de Portugal, entidade sob a tutela do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, firmou com a MEKOROT, a companhia das águas de Israel, um acordo de cooperação no domínio da segurança das redes de abastecimento de água. De harmonia com as disposições do respetivo protocolo, esse acordo é válido por um período de quatro anos, com términus em Julho de 2014, e renova-se automaticamente se não for denunciado por qualquer uma das partes no prazo de 90 dias antes do seu termo.
Constituída em 1937, a Mekorot, principal responsável pelo planeamento e gestão do abastecimento de água no Estado de Israel, assumiu, em 1982, a administração da infraestrutura de abastecimento de água também nos territórios palestinos ocupados ilegalmente desde 1967, designadamente na margem ocidental do rio Jordão, e que até aí estava entregue às autoridades militares israelitas.
A política sistemática de imposição da soberania de Israel sobre aqueles territórios, em confronto com o direito e a legalidade internacional, até então prosseguida pela administração militar, passou a ser desenvolvida pela Mekorot, com recurso, em grande medida, ao conjunto de instrumentos e regulamentos militares criados logo após a ocupação. No caso particular da gestão dos recursos hídricos e do abastecimento de água, essa política promove a exploração dos recursos hídricos da região em benefício de Israel e, muito em especial, dos colonatos estabelecidos em território ocupado, ao mesmo tempo que favorece a integração, na infraestrutura de Israel, da rede de abastecimento de água dos territórios palestinos sob ocupação.
É significativo, a este propósito, que o mapa das operações da Mekorot, disponível na sua página eletrónica, apresente indistintamente o mapa de Israel e dos territórios palestinos ocupados em 1967, sem identificar a chamada linha verde, correspondente ao armistício de 1949 e que a ONU reconhece como a fronteira do estado de Israel. Em resultado desta política, amplamente denunciada pelas Nações Unidas e por inúmeras organizações não-governamentais, as disparidades no acesso e no consumo de água entre a população palestina nos territórios ocupados e a população que vive nos colonatos ilegalmente construídos por Israel é gritante.
A Constituição da Republica Portuguesa, no seu artigo 8.º estabelece que “as normas e princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português”. No quadro do seu relacionamento internacional, Portugal rege-se, de acordo com o artigo 7.º da Constituição, pelos princípios “da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade”.
De acordo com as normas reconhecidas do direito internacional, todos os estados estão obrigados a não reconhecer legalidade, nem a cooperar ou a prestar apoio e assistência, com situações que configuram o qualificativo de violações de normas perentórias da lei internacional (Resolução n.º 56/83, de 12 de Dezembro de 2001, da Assembleia Geral das Nações Unidas, artigo 41.º). Recai nesse qualificativo a colonização por Israel dos territórios palestinos ocupados em 1967.
Por seu lado, a Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, na resolução n.º 64/292, adotada no dia 28 de Julho de 2010, durante a sua 64ª sessão reconheceu o direito à água e ao saneamento como um direito humano essencial ao pleno gozo da vida e de todos os direitos humanos, reafirmando, ao mesmo tempo, a responsabilidade dos estados na promoção e proteção de todos os direitos humanos, considerados como universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados.
Acresce que a União Europeia considerou inelegíveis para atribuição de apoio financeiro para 2014 todas as entidades israelitas e as atividades por elas desenvolvidas que atuem nos territórios ocupados por Israel desde Junho de 1967 (Jornal Oficial da União Europeia, 19.07.2013). Bem recentemente aliás, a Vitens, a companhia pública holandesa e principal fornecedora de água naquele país da União Europeia decidiu denunciar o acordo de parceria com a Mekorot, justificando para tal o seu compromisso com a observância dos princípios e normas do direito internacional.
Nestes termos, e tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do Artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do número 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adopte a seguinte
Resolução
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, resolve recomendar ao Governo que desenvolva as medidas necessárias para que se proceda à imediata denúncia do acordo de cooperação entre a EPAL e a empresa israelita MEKOROT, na observância das normas e princípios do direito internacional.
Assembleia da República, em 5 de Março de 2014.