Projecto de Resolução N.º 1221/XIV/2.ª

Pelo direito soberano de Portugal decidir do seu futuro: combater o vírus e o seu aproveitamento, assegurar o desenvolvimento do País

Exposição de motivos

I

A apresentação anual por parte do Governo, perante a Comissão Europeia, do Programa Nacional de Reformas e do Programa de Estabilidade constitui um exercício de submissão ao Euro e às regras e imposições que lhe estão associadas, nomeadamente no âmbito do Pacto de Estabilidade e Crescimento e do instrumento de controlo que é o Semestre Europeu. Trata-se, por via do chamado visto prévio da União Europeia, de um fator de condicionamento da soberania nacional e de ingerência nas opções macroeconómicas e orçamentais que cabem ao povo português e aos seus órgãos de soberania.

Um fator de condicionamento e ingerência tão mais inaceitável, incompreensível e caricato quanto a exigência do cumprimento do Semestre Europeu ocorre num quadro em que a Comissão Europeia afirmou a derrogação do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

A exigência da apresentação do Programa de Estabilidade é mais uma prova da inamovível ortodoxia burocrática da União Europeia e das suas instituições e do seu total desfasamento e confronto com aquilo que são as necessidades dos Estados e dos povos.

Os impactos do surto epidémico vieram tornar ainda mais visível o quanto tem significado para o País a perda de soberania monetária e orçamental. Ano após ano sucedem-se estes planos, marcados pelo colete de forças do défice e da dívida, com limitações e restrições ao investimento, aos serviços públicos, aos salários, às pensões às empresas públicas, à produção nacional. Tudo em nome de uma dívida insustentável e de uma moeda única desfasada dos interesses nacionais. Opções que servem grandes potências como a Alemanha e os interesses dos monopólios, nacionais ou europeus, que se apropriam das empresas e sectores privatizados, que beneficiam de escandalosas vantagens fiscais, que recebem parte significativa dos Fundos Comunitários, que ganham milhões de euros com a especulação e a dívida, que exploram uma força de trabalho cada vez mais desvalorizada.

Se há lição que se pode retirar dos impactos da epidemia essa é a de que os critérios e opções que têm determinado, invariavelmente, os conteúdos do Programa Nacional de Reformas e do Programa de Estabilidade, designadamente em relação ao défice orçamental e à dívida pública, articulados com outras dimensões das políticas determinadas pela União Europeia, constituem um garrote ao desenvolvimento dos povos e um fator de aprofundamento das divergências entre os países da União Europeia. Aliás, é altamente elucidativo que os Estados membros se vejam obrigados a continuar a cumprir os calendários e critérios do semestre europeu, entre os quais o da dívida, ao mesmo tempo que lhes é apresentado o endividamento como caminho para financiar o aumento da despesa pública como se verifica na componente de empréstimos do chamado Plano de recuperação e Resiliência.

Se há ensinamentos a retirar da atual situação é a de que as receitas, critérios e opções que têm determinado as imposições associadas ao Euro e aos seus instrumentos, nomeadamente o Pacto de Estabilidade, e que em Portugal têm tido como seus executores PS, PSD e CDS, estão na origem do agravamento das injustiças sociais e das desigualdades na sociedade e no território, da degradação dos serviços públicos, nomeadamente do Serviço Nacional de Saúde que agora teve de ser reforçado, da fragilização do aparelho produtivo, do aprofundamento da dependência externa e do aprofundamento da concentração monopolista. Olhando para a realidade nacional e as prioridades, algumas delas já afirmadas pelo próprio Governo, então a conclusão é óbvia: os critérios e opções do Pacto de Estabilidade são contrárias ao interesse nacional.

II

Como o PCP sempre afirmou, são os interesses nacionais que devem prevalecer nas decisões políticas e não a submissão à moeda única e a outras imposições da União Europeia.

Os impactos da epidemia acrescentam-se, em Portugal, a problemas e défices estruturais acumulados por décadas de política de direita executada por sucessivos governos PS, PSD e CDS. Sem subestimar complexidades que uma situação sanitária como esta suscitou e continua a suscitar, o facto é que, na ação governativa, prevalecem no essencial os critérios e opções da política de direita, favoráveis aos grupos monopolistas e contrários aos interesses dos trabalhadores, do Povo e do País.

A contração dos mercados externos, a redução do mercado interno fruto da quebra nos salários e rendimentos de parte da população, a destruição ainda não estimada de uma parte importante do tecido económico nacional, associadas às limitações impostas pela União Europeia e assumidas pelo Governo, convergem para um cenário de recessão económica que se verificou em 2020, para um significativo agravamento da dívida pública, para uma degradação da situação social, para o aumento da pobreza e da exploração, para um aprofundamento da dependência externa do País.

Seja na resposta à epidemia, seja nas opções estruturais, como o PCP sempre afirmou, são os interesses nacionais que devem prevalecer e não a submissão à moeda única e a outras imposições da União Europeia. Desta vez, e ao contrário do que aconteceu no ano anterior, o Governo opta regressar à imposição de metas de redução do défice das contas públicas e da dívida pública incompatíveis com a necessária retoma económica, com os apoios que continuarão a ter que ser dados às MPME e às famílias, com o reforço das prestações sociais, com a contratação de milhares de trabalhadores que fazem falta aos serviços públicos, assim como, da justa valorização salarial que não acontece há mais de uma década.

O Programa de Estabilidade apresentado este ano pelo Governo é um exercício para cumprir calendário e agradar a Bruxelas. O cenário macroeconómico apresentado, com projeções a cinco anos, num contexto de tanta incerteza como é o atual, não pode ser levado a sério.

Destaca-se, no entanto, que a trajetória desenhada torna claro que o Governo continua a colocar a obsessão pela redução acelerada do défice como eixo central, em torno do qual se desenha a política orçamental. Num momento em que tantos trabalhadores enfrentam dificuldades, em que tantas micro, pequenas e médias empresas procuram sobreviver, em que a situação económica e social se agrava, o eixo central da política orçamental deveria ser a resposta aos problemas do país. Ainda para mais, num momento em que se mantém suspensas as imposições orçamentais da União Europeia (ainda que sempre latentes nas declarações de responsáveis europeus), o Governo deveria canalizar toda a margem orçamental para uma resposta robusta aos problemas mais urgentes, preparando o país para enfrentar os seus défices estruturais.

Não respondendo às necessidades imediatas de financiamento para acudir à situação social e ao relançamento da atividade económica, a União Europeia condiciona por via dos fundos comunitários e do PRR as opções de desenvolvimento, associada à imposição de políticas que atingem duramente os trabalhadores e os povos. É esse o caminho que o Governo segue de forma acrítica. Esquecendo que, nos últimos 20 anos, com a adoção das regras do Euro – bem presentes nos documentos agora apresentados –, a dívida pública portuguesa disparou, a economia praticamente estagnou (com largos períodos de recessão), o investimento caiu, os serviços públicos degradaram-se, a precariedade, o desemprego e a exploração aumentaram. A nova fase da vida política nacional que entre 2015 e 2019 contrariou algumas destas tendências mas não inverteu, contudo, uma orientação geral que prevalece nas opções macroeconómicas. Insistir neste rumo, não só não permitiria responder aos impactos da epidemia, como se traduzirá num aprofundamento das políticas que fragilizaram e acentuaram a dependência do País.

III

Para o PCP, o único caminho para responder aos problemas urgentes do país e que abre uma perspetiva de desenvolvimento sustentado, capaz de resistir a ameaças e incertezas que se venham a colocar, é o caminho da reposição de direitos e rendimentos, é o reforço do investimento público dotando o país das infraestruturas de que necessita, é a dinamização do aparelho produtivo nacional, substituindo importações por produção nacional, é o reforço dos serviços públicos, particularmente o SNS, é a libertação do país do domínio dos grupos monopolistas e a recuperação do controlo público dos sectores estratégicos.

É isso que se impõe fazer, mobilizando todos os recursos disponíveis para o aumento do investimento público, para a melhoria dos serviços públicos com mais trabalhadores e mais meios, para a defesa da produção nacional, para a defesa da floresta e do mundo rural, para a elevação da proteção social em face da gravidade dos problemas sociais que se verificam, para a melhoria dos salários, reformas e pensões, para a dotação dos meios necessários ao Serviço Nacional de Saúde e à Escola Pública, para a resolução dos problemas nos transportes públicos e nas infraestruturas, para o apoio à cultura, à ciência e à investigação, que assume maior importância face à necessidade da produção nacional de vacinas.

O que se exige ao Governo é o cumprimento e a execução das medidas do Orçamento do Estado para 2021 que dão resposta a problemas do país, e não a execução do Orçamento apenas com o objetivo da redução acelerada do défice. O que se exige é a canalização dos investimentos para o robustecimento do aparelho produtivo, através de um forte investimento público em sectores chave, e não a canalização de fundos, designadamente do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), para os grandes grupos económicos.

Na discussão do Programa de Estabilidade, apresentado em 2019, ainda antes do surto epidémico, o PCP afirmou, através do Projeto de Resolução n.º 2121/XIII/4.ª que “dentro das regras do Euro, dentro dos critérios que norteiam o Programa de Estabilidade e o Plano Nacional de Reformas, Portugal não está preparado nem se preparará para desenvolvimentos na situação internacional que não controla”.

Hoje, mais do que nunca, responder aos problemas do presente e preparar o país para o futuro reclama outras opções e outra política:

A opção pela valorização dos direitos e salários dos trabalhadores como condição e objetivo de desenvolvimento económico e social, pela elevação da proteção social, por melhores reformas e pensões.

A opção pela renegociação da dívida pública, nos seus prazos, juros e montantes, articulada com a perspetiva de recuperação da soberania monetária, libertando recursos para o investimento e serviços públicos.

A opção pela defesa do aparelho produtivo nacional, substituindo importações pela produção nacional, criando emprego, diminuindo a dependência e exposição externas, dinamizando o tecido económico, em particular as micro, pequenas e médias empresas.

A opção pelo reforço dos serviços públicos, do Serviço Nacional de Saúde, da Escola Pública, dos transportes públicos, dos apoios sociais, da cultura, das estruturas para o desenvolvimento científico e tecnológico, e dos instrumentos para a coesão do território e para a defesa da floresta e do mundo rural.

A opção pela recuperação do controlo público das empresas e dos sectores estratégicos, os quais, em vez de instrumento de concentração e transferência de riqueza para fora do país, devem ser colocados ao serviço do desenvolvimento nacional.

Opções que colocam a necessidade de abrir as portas a uma política alternativa, patriótica e de esquerda, que rompa com as amarras e condicionamentos que impedem o desenvolvimento do país.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte.

Resolução

A Assembleia da República, nos termos n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, resolve:

  1. Recusar as opções assentes na submissão à União Europeia e ao Euro, bem como os instrumentos de condicionamento do país daí decorrentes, afirmando o direito soberano do Estado português a decidir do seu futuro e assumindo a necessidade de mobilizar os recursos necessários para responder, no imediato, às consequências e impactos do surto epidémico e às necessidades de valorização dos salários e pensões, da melhoria dos serviços públicos, designadamente do Serviço Nacional de Saúde, da Escola Pública, da Segurança Social e dos transportes públicos, do aumento dos apoios à cultura, à ciência e à investigação, do incremento do investimento público e à defesa da produção nacional;
  2. Afirmar a necessidade de uma política alternativa que enfrente os graves problemas nacionais, incluindo a resposta aos impactos económicos e sociais da epidemia, recomendando ao Governo que assuma medidas imediatas na resposta às necessidades económicas e sociais do povo e do País, nomeadamente que:
    1. assegure a valorização do trabalho e dos trabalhadores, dos salários, o combate à precariedade, a redução do horário de trabalho e o combate à sua desregulação, a concretização do objetivo do pleno emprego, como elementos centrais da dinamização do mercado interno – do qual vivem a esmagadora maioria das MPME – e do desenvolvimento nacional;
    2. dinamize a produção nacional, substituindo importações em bens estratégicos, como alimentos, medicamentos e equipamentos médicos, meios de transporte ou energia;
    3. fixe níveis de investimento público acima dos 5% do PIB (sem o qual não haverá crescimento económico duradouro acima dos 3%) e responda a atrasos no plano das infraestruturas e equipamentos: do novo aeroporto à rede ferroviária, dos Cuidados Primários de Saúde aos Hospitais, do suporte à atividade produtiva à energia e às comunicações, da rede pública de creches aos equipamentos e apoio aos idosos (articuladas com a realidade das estruturas sociais já existente), do incremento do transporte público à habitação ou à garantia da proteção ambiental.
    4. valorize os serviços públicos, apostando na sua modernização e capacidade de resposta, onde a digitalização não pode significar menos mas mais trabalhadores que fazem falta.
    5. que assegure o controlo público das empresas e sectores estratégicos, partindo do fortalecimento das atuais empresas públicas, recuperando o controlo público de outras que foram privatizadas – da banca às telecomunicações, à energia ou aos transportes;
    6. que assegure o direito à criação e fruição culturais e à prática desportiva e que aponte a sua democratização como elemento central para o bem-estar do povo, com um forte investimento na recuperação das estruturas, entidades, coletividades e empresas afetadas pelos impactos da epidemia.
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